Membros da comunidade de Zacarias, no município de Maricá, no Estado do Rio de Janeiro, se encontraram com autoridades públicas, pesquisadores e orgãos ambientais na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) na terça-feira, dia 26 de abril, para discutirem sobre numerosas e sistemáticas violações de direitos humanos que vêm acontecendo nos últimos anos.
Localizada em uma reserva costeira, ao leste, a 60km do centro do Rio de Janeiro, Zacarias apareceu pela primeira vez nos mapas regionais no ano de 1790. Membros da comunidade têm se colocado opostos às tentativas de construção de um empreendimento imobiliário da empresa IDB Brasil, um grupo controlado desde 2007 pela companhia espanhola Cetya.
A tradicional comunidade pesqueira de Zacarias tem vivido na restinga da reserva natural de Maricá por mais de 200 anos e depende das vias que conectam as casas próximas da lagoa ao oceano, onde pescam com canoas tradicionais. Esses caminhos se tornariam inacessíveis com o desenvolvimento dos empreendimentos imobiliários propostos, impactando severamente a habilidade da comunidade de se auto-prover.
A comunidade tem resistido às regulares ameaças de remoção desde os anos 40, o que levou a confrontos com a Tropa de Choque, ameaças de violência por parte do governo estadual e ataques de empreendedores que queriam usar a reserva para empreendimentos privados. O legado de resistir à tais ameaças à sua terra levou a comunidade a ser chamada de “Aldeia dos Irredutíveis”, que também está assinalada na porta da Associação Comunitária de Cultura e Lazer dos Pescadores de Zacarias.
A discussão pública realizada na ALERJ no dia 26 de abril aconteceu em resposta aos conflitos decorrentes do licenciamento do megaempreendimento imobiliário “Fazenda São Bento da Lagoa”, da IDB Brasil, o qual propõe construir na área um resort. O projeto usaria 840 hectares de terra na região para construir um campo de golfe, um centro hípico, dois shopping centers, quatro hotéis, dois clubes esportivos, prédios de quatro andares e unidades residenciais.
Discussões a respeito dos atuais empreendimentos propostos pela IDB Brasil começaram em 2007, após o governador do Estado do Rio, Luiz Fernando Pezão, e o prefeito de Maricá, Ricardo Queiroz, visitarem uma feira de negócios na Espanha e fecharem um acordo com a incorporadora. Em seis meses, leis que permitiriam empresas privadas a desenvolver projetos na região de Zacarias foram passadas sem consultar especialistas em meio ambiente, pesquisadores ou moradores. Representantes do governo local de Maricá defenderam as decisões tomadas, alegando que as objeções dos moradores não eram claras e que as ações do governo respeitavam a lei.
Durante a discussão no dia 26, o líder comunitário Vilson Côrrea discursou contra os empreendimentos propostos, dizendo que as tentativas da corporação privada de reivindicar a posse da área estavam tornando a vida impossível para os moradores. “O governo nunca esteve do nosso lado nessa luta”, ele disse.
Pesquisadores, como a geógrafa Desiree Guichard, apontaram preocupações específicas sobre o impacto ambiental dos empreendimentos planejados, classificando como “completamente inadequadas” as leis e classificações que visam proteger Zacarias da urbanização. Ela disse que 80% do território de Zacarias, incluindo inúmeras áreas que foram usadas para pesquisa por universidades brasileiras durante anos, e boa parte da vegetação nativa serão destruídas se os planos para a construção do resort forem bem sucedidos.
O pesquisador da UFRJ, Marco Antonio Mello, também enfatizou que as vozes dos conservacionistas são muitas vezes desconsideradas nestes debates, apesar da importância da percepção e da visibilidade que eles podem fornecer em debates entre grandes corporações e moradores.
As preocupações de Desiree Guichard foram reiteradas pelo deputado federal Brizola Neto, que comparou Zacarias à Vila Autódromo, onde empreendimentos imobiliários “destruiram as vidas das pessoas e suas casas”.
“Não consigo entender como, em 2016 no Rio de Janeiro, em uma cidade abençoada com tanta vida natural e biodiversidade, nós conseguimos permitir que a região da lagoa seja irresponsavelmente massacrada pela especulação imobiliária“, disse Brizola Neto.
Deputada Estadual Zeidan, esposa do prefeito de Maricá, disse ter trabalhado com a comunidade no desenvolvimento de propostas, e disse que as propostas permitirão o desenvolvimento econômico e uma maior variedade de opções para as gerações futuras. “Nós respeitamos a formação dos jovens da comunidade Zacarias, porque o filho do pescador não está mais seguindo e continuando a cultura de pesca. O filho do pescador está virando pedreiro, limpador de piscina, qualquer outra profissão menos pescador”.
As alegações de Zeidan foram contestadas por Larissa, uma jovem de Zacarias de 17 anos, que encerrou o debate. “Eu tenho 17 anos e acho que por causa disso eu represento bem a juventude de Zacarias. Eu queria dizer para ela que eu poderia sim continuar pescando, eu poderia ser pedreiro, cozinheira, mas essa escolha é minha. Amo o meu aterro demais, amo demais mesmo, e é lá que eu quero ficar. Nós vamos continuar nessa luta”.