As Obras Olímpicas e a Destruição: Ramos deixado sem áreas de lazer, calçadas, árvores e muito mais

"A Zona da Leopoldina foi tratada como uma área de passagem entre o Galeão e Barra"

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Obra Olímpica já inaugurada há dois anos, o BRT TransCarioca deixou um rastro de destruição e abandono no tradicional bairro de Ramos na Zona da Leopoldina. Este corredor viário de ônibus considerado essencial para receber os turistas vindos do Aeroporto Galeão para a Copa 2014 e para as Olimpíadas Rio 2016 acabou, em sua construção, ignorando o Relatório Ambiental Simplificado para sua implantação em cima da hora. Agora moradores questionam: Olimpíadas para quem?

Impacto Ambiental

Árvores foram cortadas para a implantação do BRT Transcarioca.
Árvores foram cortadas para a implantação do BRT TransCarioca.

A região de Ramos é uma das mais atingidas pela Ilha de Calor que avassala a Zona Norte do Rio e registrou uma grande perda de cobertura vegetal em suas ruas.

As poucas praças também arborizadas que existiam antes das obras do “Legado Olímpico” foram originalmente diagnosticadas como insuficientes pela própria Prefeitura do Rio, através do RAS–Relatório Ambiental Simplificado do BRT TransCarioca, Lote 2:

“As praças, segundo os dados do IPP, são o tipo de espaço público mais comum nos bairros estudados, nas quais a população pode encontrar brinquedos infantis, quadras de esporte, bem como realizar atividades de comunhão social. A ausência de parques em todos os bairros e a ausência de jardins em Ramos, Olaria e Penha–bairros densamente habitados–nos revela que as praças são os espaços fornecidos pelo Estado para a socialização. No entanto, essas ainda se mostram em quantidade insuficiente, considerando as necessidades locais.”

– Secretaria Municipal de Obras Coordenadoria Geral de Obras 5ª Gerência de Obras

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Ruas residenciais, antes arborizadas, viraram estufas de calor irradiado de concreto sem calçadas. No canto superior a direita, a placa informa uma zona 20km/h, indicando a possibilidade de crianças na pista do BRT.

Mas a Prefeitura do Rio não teve atenção a este item do Relatório e conseguiu, com o trajeto do BRT, eliminar também as poucas áreas de esporte e lazer públicos da região, destruindo quatro praças do bairro e deixando toda uma região da Cidade Olímpica sem opções de áreas verdes, lazer e esporte, contrário a tudo que uma Olimpíada moderna deveria se propor a prover para cidade que a sedia.

Obra não concluída

Além de constar, no RAS do BRT TransCarioca, a quantidade insuficiente de áreas verdes e de lazer e esporte na região, outro item disposto no RAS também não ganhou atenção necessária para a conclusão da obra:

“Reurbanização da área de influência direta da obra, com melhorias das vias, de nova sinalização e um sistema de iluminação mais moderno, além da criação de novas áreas verdes e de lazer.”

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Arruamento paralelo ao BRT não foi calçado.

Na realidade, as vias do entorno não receberam melhorias, e em alguns casos, foram simplesmente abandonadas. A mobilidade na região foi comprometida pela obra e a reconstrução ignorada.

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Passarela deixada pela metade após inauguração do BRT TransCarioca.

Com três semanas para as Olimpíadas, esta situação se mantém e os moradores de Ramos se veem bem distantes do prometido Legado Olímpico do Rio, da declarada “Cidade Olímpica”.

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Vanio Korrea, morador de Ramos há 40 anos, deixa clara sua indignação:

“A Zona da Leopoldina foi tratada apenas como uma área de passagem entre o Galeão e a Barra da Tijuca nas obras olímpicas, sempre foi preterida em investimentos municipais e estaduais e quando finalmente a Prefeitura intervém na região, não melhora a qualidade de vida dos moradores nos seus bairros. Pelo contrário, piora.

Já não tínhamos áreas públicas de lazer e o pouco que tínhamos foi destruído, nada foi reposto ou compensado. Um bairro, como Ramos, com uma enorme área residencial como a nossa, deveria contar com uma grande área de lazer, mas agora, nem sequer pracinhas têm e as crianças brincam nas calhas do BRT correndo risco de morte. Os projetos culturais planejados para o resgate dos antigos cinemas, fechados desde a década de 80, não avançam e não ganham novas roupagens, como centros de educação e formação ou culturais. A acessibilidade é um conceito que passa longe de Olaria e Ramos e de outros bairros da Zona da Leopoldina, já que como bairros cortados pela linha férrea, precisam de rampas e passarela. Mas na contramão disso, perdemos mais uma passarela.

Parece incoerente o Prefeito alegar que o viaduto da Perimetral deixava a cidade feia, mas constrói mais um em um bairro residencial para a passagem do BRT. Ficamos com a nítida impressão que somos apenas isto, um lugar para o BRT passar, onde não moram cariocas com o mesmo direito de acesso ao lazer, esportes e cultura do resto da cidade! Até mesmo sair de nossa região para buscar a cidade em outros bairros nos foi dificultado com os cortes de linhas de ônibus: Ganhamos uma declarada obra de mobilidade e perdemos a mesma! Queremos também direito a cidade e a cidadania.”

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Área abandonada após as obras, sem funcionalidade urbana.

O prefeito “nú”

Baseado no clássico conto do dinamarquês Hans Christian Andersen, o Prefeito Eduardo Paes e a Prefeitura do Rio fazem declarações que ninguém na região consegue enxergar:

“Posso dizer que esta obra é uma espécie de declaração de amor ao Rio de Janeiro. Seu subúrbio viveu mais de 49 anos de um abandono em alto grau. Quando entregamos a TransCarioca, não falamos apenas de mobilidade, mas da recuperação dos bairros do subúrbio carioca, que é a alma dessa cidade. O BRT vai permitir que o Rio de Janeiro se encontre e redescubra sua verdadeira identidade.”

Paes reforçou que a implantação será gradual e levará benefícios à população local. “Uma área inacessível, detonada, degradada da cidade foi transformada em um lugar onde a mobilidade está totalmente facilitada. Não se faz só a implantação das estações do BRT. Faz drenagem, qualifica, faz calçadas, implanta praças, área de lazer”, disse.

“Com 39km de extensão e 47 estações, a TransCarioca passa por 27 bairros que ganharam, como consequência das obras do corredor, uma verdadeira transformação. Calçadas e pavimentação novas, reestruturação no sistema de drenagem, melhoria na iluminação, passarelas e novos semáforos foram algumas das mudanças em bairros como Vicente de Carvalho, Vaz Lobo, Madureira, Campinho, Jacarepaguá, Penha e Ramos.” – Site Cidade Olímpica

Mas as declarações das ruas, todos conseguem ver:

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Uns tem conforto, outros BRT, diz a mensagem na Rua Emilio Zaluar, onde pessoas têm que caminhar pela rua ou pela calha do BRT.

Hugo Costa tem 41 anos, formado em Geografia pela UFF, aspirante a blogueiro e morador do bairro de Ramos.