O Conhecimento para Criar Soluções no Complexo do Alemão: Instituto Raízes em Movimento

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O Instituto Raízes em Movimento é uma ONG comunitária no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio, focada nos direitos humanos e no desenvolvimento local social, cultural e humano. Frequentemente fazendo parcerias com outras organizações da sociedade civil e movimentos sociais no Complexo do Alemão, o trabalho do Instituto é orientado em torno de dois eixos principais: comunicação crítica e engajamento com diversas formas de saber. Ao longo dos anos, o Instituo tem recebido e participado de debates públicos, eventos, projetos, seminários e cursos em áreas que incluem mídia e tecnologiapolíticas públicassustentabilidade ambiental, e artes criativas.

As “Raízes” do Instituto Raízes em Movimento

A organização foi fundada em 2001, a partir de um grupo de jovens participantes de um curso de pré-vestibular no Complexo do Alemão, iniciado por Alan Brum Pinheiro em 1997. Alan–co-fundador e quem atualmente coordena a organização–foi nascido e criado no Alemão, e estudou antropologia na UERJ.

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Alan descreve a origem do nome do Instituto Raízes em Movimento:

“Quando nós fomos escolher o nome, nós pensamos em um nome que nos traduzisse, que falasse o que nós somos. Só que quando se denomina Raízes, a conotação é de ser um grupo sobre questão racial. Claro que a gente dialoga e trabalha junto com os movimentos negros, mas a gente não se define como um movimento com essa temática central. Por isso, teve que ter alguma coisa complementar. O em Movimento brinca um pouco porque raiz é uma coisa fixa, e ’em movimento’ tem a ver com os muros imaginários que são criados que separam a favela do restante da cidade. Então, pensar em quebrar muro–construir pontes–para estar dialogando com diversos espaços da cidade. Estar inserindo o Complexo do Alemão na cidade, e a cidade no Complexo do Alemão.”

O Centro de Estudos, Pesquisa, Documentação e Memória do Complexo do Alemão  

Em 2015, o Instituto Raízes em Movimento formou o Centro de Estudos, Pesquisa, Documentação e Memória do Complexo do Alemão (CEPDOCA), com a intenção de conectar os saberes acadêmico e experiencial. O CEPDOCA consolidou um número de projetos locais de saberes em andamento iniciados recentemente, principalmente o Vamos Desenrolar e o Coletivo Pesquisadores em Movimento, ambos lançados em 2010.

Vamos Desenrolar é uma iniciativa na qual pesquisadores e moradores do Complexo do Alemão se unem para discutir e debater questões relevantes mensalmente. Alan explica: “O Vamos Desenrolar é uma roda de conversa que circula no Complexo do Alemão. Nós vamos para as praças públicas e para as ruas do Alemão. A gente elege antes um tema que seja importante naquele momento e a gente chama um ou dois pesquisadores sobre aquele tema, e uma ou duas pessoas da comunidade que têm um acúmulo de conhecimento popular sobre esse tema, e eles são os dinamizadores. Começam a apresentar a experiência que têm–um pela academia e outro pela vivência–se confrontam, e depois abre o debate. E daí vamos desenrolando”.

Os encontros começaram em 2010, e o Vamos Desenrolar se tornou um projeto de extensão universitária ligado à UFRJ em 2013. A formalização do grupo de debates em um curso de extensão universitária implicou em mudanças no formato do debate–os participantes, que são principalmente moradores do Complexo do Alemão, passaram a ser selecionados através de um processo de inscrição, e as sessões começaram a incluir aulas instrutivas além das discussões e debates em espaços públicos. Não obstante, o fórum de debate manteve seu conceito original: unir acadêmicos e moradores do Complexo do Alemão, ricos de conhecimento experiencial sobre os tópicos em questão.

Ao longo dos anos, os tópicos incluíram segurança pública, a criminalização da cultura, mídia como instrumento de ação política para a juventude, educação pública e políticas de saúde, direitos LGBT e “Enraizamento e Desenraizamento”–um tema que refletiu sobre as memórias dos migrantes que se instalaram no Complexo do Alemão enquanto também abordaram remoções que desenraizaram pessoas do Complexo do Alemão e de outras favelas do Rio nos últimos anos.

Secundariamente, o Coletivo de Pesquisadores em Movimento, um encontro mensal para pesquisadores que fazem trabalhos de campo no Alemão, emergiu da sensação de que ali existia uma comunicação insuficiente entre pesquisadores, principalmente porque muitos pesquisadores afiliados à universidade que estudam o Alemão não são da favela. Alan Explica: “Toda vez que eles conversavam com os moradores e conosco, eles tentavam ‘reinventar a roda’ e as mesmas coisas vinham à tona”. O Coletivo, reunindo pesquisadores de diversos campos, incluindo história, geografia, antropologia e arquitetura–juntamente com os moradores do Complexo do Alemão que frequentam universidades–procuram aumentar a colaboração com o processo de pesquisa e enriquecer a qualidade dos estudos acadêmicos produzidos sobre o Complexo do Alemão e seus habitantes.

Além do Vamos Desenrolar e do Coletivo Pesquisadores em Movimento, dois grandes projetos foram desenvolvidos através do CEPDOCA. Primeiramente, Vida Social e Política nas Favelas, uma compilação de dez estudos conduzidos por participantes do Coletivo, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 30 de junho de 2016.

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O segundo grande projeto é a publicação, a ser lançada, de uma bibliografia comentada do Complexo do Alemão, que se espera que seja completada em 2017. Alan descreve o projeto como um catálogo que conterá “tudo que foi produzido sobre o Complexo do Alemão. Nós estamos mapeando tudo, antigo e atual”. Primeiramente, a bibliografia comentada servirá como uma referência para os moradores, para organizações comunitárias e futuros pesquisadores acadêmicos. Secundariamente, ela é também destinada a escolas públicas, de modo que, como visualiza Alan, “os professores possam ler mais e entender mais o contexto dos seus próprios alunos–porque os professores são geralmente de fora [do Alemão]”. Por fim, Alan descreve a bibliografia como “uma arma de pressão política” que deverá fazer com que os administradores públicos se responsabilizem pela criação de políticas públicas mais consistentes e contextualmente apropriadas para o Complexo do Alemão.

Espaços públicos após o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)

Enquanto, por um lado, a produção e troca de saberes ocorre na arena da pesquisa e do diálogo público, por outro, ela também acontece por meio de intervenções físicas em espaços públicos. Ao identificar a necessidade de tornar espaços públicos na comunidade mais disponíveis e funcionalmente úteis para os moradores, o Instituto Raízes em Movimento se empenhou em uma série de projetos de urbanização da comunidade em parceria com a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ (FAU/UFRJ) e outros grupos.

Alan descreve: “Esse trabalho de intervenção no espaço público tem uma relação direta com a experiência negativa do PAC, em que os moradores e instituições tentaram influenciar o projeto de acordo com a demanda local por obras públicas, e a gente não conseguiu que fossem executadas as questões que a gente estava levantando–as prioridades da comunidade”.

Começando em 2008, o Complexo do Alemão recebeu mais de R$800 milhões em investimentos federais e estaduais para obras públicas, incluindo para mobilidade, habitação, infraestrutura e saúde, educação e instalações esportivas através do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, um programa federal estabelecido pelo Presidente Lula em 2007. Na sua primeira fase de implementação no Rio de Janeiro (conhecida como PAC 1), o programa visava ao Complexo do Alemão juntamente a outras duas grandes favelas, Rocinha e Manguinhos. Apesar da promessa de melhorias–principalmente na infraestrutura física das favelas– como Alan aponta, o processo de intervenção do PAC foi completamente não-participativo: “A urbanização do governo foi feita sem diálogo com a comunidade. Quando a gente pedia alguma coisa, ou queria influenciar na obra, eles diziam: ‘Isso não é viável tecnicamente… É porque vocês não sabem que aqui não dá pra fazer’. Então não nos deixavam participar no processo da obra”.

Da verba total do PAC 1 alocada para as obras de urbanização no Complexo do Alemão, aproximadamente, R$210 milhões em fundos federais e estaduais foram gastos no sistema do teleférico do Complexo do Alemão–com frequência criticado como uma embelezada atração turística, faltando integração social e falhando em cumprir com as verdadeiras necessidades de transporte dos moradores. O descontentamento com o teleférico levou o Instituto Raízes em Movimento–juntamente com o Rocinha Sem Fronteiras–a processar o Estado do Rio de Janeiro em 2013 por falhar no cumprimento da Lei 10.257 (que regulamenta a participação em obras públicas) no Complexo do Alemão e por falhar na implementação de intervenções do PAC 1 na Rocinha.

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Além do teleférico, os projetos de melhoria do PAC 1 implementados no Complexo do Alemão deixaram bastante espaço vazio na comunidade. Por exemplo, casas e construções–incluindo a antiga sede do Instituto Raízes em Movimento–foram removidas no processo de alargamento das vias, mas lotes de terras, muitas vezes, permaneceram abandonadas após as obras. Assim, o Instituto Raízes em Movimento começou a reivindicar e redirecionar o espaço público no Complexo do Alemão através de mutirões, começando em 2015 com a construção de uma praça pública localizada de frente para a nova sede da organização na Avenida Central, no Morro do Alemão.

Mais recentemente, o Instituto Raízes em Movimento colaborou com o Permanências e Destruições, um projeto artístico público financiado pela Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro e pela companhia telefônica Oi. Junto aos moradores, o Instituto identificou a Travessa Laurinda como o lugar mais favorável para intervenção devido ao estado de negligência e precariedade da escadaria–que desce do Morro do Alemão para Olaria–e seu subjacente encanamento de drenagem rompido. Um projeto para consertar as escadas e a drenagem teve início em junho de 2016  e continuará até o final de julho.

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Em agosto, o Instituto Raízes em Movimento planeja continuar um projeto de plantio de árvores na entrada da Avenida Central, que vai oferecer folhagens e sombras para a área cercada de concreto.

Alan explica que, dotados de profundo conhecimento sobre suas próprias comunidades, “as pessoas da favela, que têm menos estudos, são os que orientam como as coisas devem ser feitas. Isso promove uma união entre Roberto, que tem 30 anos e é pedreiro, e Pablo, que tem 30 anos e dá aulas de arquitetura”. Como Alan aponta, ligar o saber local e a perícia acadêmica e técnica é um excelente exemplo de prática ideal para melhoria do espaço físico na favela, principalmente após a experiência das intervenções não-participativas do PAC”.

Enfatizando o valor da participação comunitária e da elaboração e implementação de obras públicas, Alan diz: “A gente quer provar que é possível ter qualidade técnica e ao mesmo tempo, levar em consideração o que os moradores querem para o espaço. O resultado vai ser também uma arma política, que nos possibilita afirmar: ‘Vocês falam que não é possível tecnicamente levar em consideração o que os moradores querem—como eles querem—e ao mesmo tempo ter qualidade técnica. Porém, isto é possível.”

Criando soluções urbanas alternativas

As atividades do Instituto Raízes em Movimento são baseadas na ideia de produzir e trocar conhecimento sem hierarquias. Como Alan expressa, é crucial evitar a armadilha de “colocar o saber acadêmico acima do saber popular—o saber da vivência. O desenvolvimento da produção de conhecimento–o diálogo entre o conhecimento acadêmico e o conhecimento popular—oferece possibilidades de restruturar o tecido social, no que diz respeito ao desenvolvimento do Complexo do Alemão”.

Como tal, as experiências que moldaram a história da favela–caracterizadas pela resistência, criatividade e solidariedade na ausência do direito de exercer plenamente a cidadania–são fundamentais ao se considerar soluções urbanas futuras.