Jogos de Poder: Uma História Política das Olimpíadas [Resenha]

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Na sequência de livros sobre como as Olimpíadas promovem os interesses do capitalismo corporativo e como ativistas de base resistiram a essa tendência em Vancouver e Londres, o terceiro livro do pesquisador Olímpico Jules BoykoffPower Games: A Political History of the Olympics (Jogos de Poder: Uma História Política das Olimpíadas), despedaça a falácia do Comitê Olímpico Internacional de que as Olimpíadas são apolíticas. Ao examinar a história Olímpica, desde o renascimento dos Jogos em 1896, até as Olimpíadas do Rio, Jules Boykoff traça um paralelo de como as Olimpíadas têm se tornado um monstro que transformou o Rio ao longo dos últimos sete anos. Além disso, ele também detalha excepcionalmente os abusos flagrados em nome da Rio 2016.

Desde o início os Jogos cheiravam a elitismo, onde atletas profissionais de alto nível eram da aristocracia. Sexismo também foi predominante desde os primeiros dias. Pierre de Coubertin, o barão francês responsável por reviver os Jogos da antiga Grécia, mantinha a visão de que a glória de uma mulher “vinha através do número e da qualidade dos filhos que ela produzia”. O racismo também marcou os Jogos desde cedo, particularmente nos Jogos de St. Louis em 1904, onde teve o “dia da antropologia”, envolvendo “selvagens” na competição de esportes, a fim de “provar” que os “civilizados” eram a raça superior.

Ao longo da história as Olimpíadas têm sido um local de luta política: em 1932 nas Olimpíadas de Los Angeles moradores protestaram contra o custo dos Jogos. A nível internacional as Olimpíadas de 1936, em Berlim, deram a Hitler uma excelente oportunidade para espalhar a sua propaganda pelo mundo. A primeira passagem da tocha olímpica foi concebida como um método para espalhar a propaganda nazista no sudeste da Europa. A importância política das Olimpíadas fica clara no período após a Segunda Guerra Mundial, onde houve vários boicotes aos Jogos, principalmente contra o Apartheid da África do Sul. No entanto, por muito tempo o COI recusou a aceitar política nas Olimpíadas realizando a expulsão de Tommie Smith e John Carlos das Olimpíadas de 1968 por causa da saudação black power no pódio de medalhas.

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Nas últimas décadas do século 20 o COI enfrentou uma escassez de cidades dispostas a acolher a festa dos cinco anéis, resultado de um atentado terrorista nos Jogos de Munique em 1972 e uma enorme dívida acumulada pelas Olimpíadas de Montreal em 1976, que a cidade só conseguiu liquidar em 2006. Em resposta, o então presidente do COI, Juan Antônio Samaranch abriu as portas para os caixas das empresas, que permitiu sucessos relativos, tais como Los Angeles em 1984 e Barcelona em 1992, embora Jules Boykoff é rápido em apostar que existem problemas com o uso desses eventos como modelos para eventos futuros. As Olimpíadas de Barcelona foram repetidamente referenciados na candidatura Olímpica do Rio de Janeiro, mas houve numerosas características especificas que ajudaram Barcelona a capitalizar seu momento Olímpico, incluindo a entrada da Espanha na União Europeia, o que torna difícil para o Rio emular o sucesso de Barcelona.

Enquanto o Prefeito Eduardo Paes adoraria que a Rio 2016 fosse comparada com os Jogos de Barcelona, há muitas comparações marcantes que podem ser encontradas na comparação com outros Jogos. Na esteira do 11 de setembro de 2001, Atenas, 2004, gastou uma quantia de $1,5 bilhões em segurança, mais do que a Prefeitura da cidade poderia pagar. A culpa da crise econômica daquela cidade não pode ser totalmente atribuída as Olimpíadas, como no Rio, mas foi claramente um fator contribuinte.

Com a proximidade das Olimpíadas as prioridades do governo ficaram atadas por sete anos e, como consequência, serviços públicos importantes, como educação e saúde se deterioraram. Em várias Olimpíadas uma combinação de gentrificação e limpeza social fizeram com que os moradores mais pobres de cidades-sedes fossem excluídos pelo megaevento. Apesar da retórica elevada do COI sobre o meio ambiente, a realidade dos Jogos mostram claramente um desrespeito pelo meio ambiente, evidente no Rio, na construção de um campo de golfe na reserva natural de Marapendi e do abandono de todos os projetos do legado ambiental.

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Jules Boykoff trabalhou com documentos que mostram que em resposta a estes problemas, existe uma tendência crescente de surgimento, nas cidades-sedes, de ativistas contra as Olimpíadas. Apesar de estar em vigor na carta Olímpica a obrigação das cidades-sedes aprovarem leis que criminalizam os protestos, ativistas em Vancouver, Londres e Sochi têm mostrado ao mundo que as Olimpíadas são um problema. Em Londres, houve uma petição no site 38 Degrees pressionando vários patrocinadores Olímpicos a renunciar seu status de isenção de imposto, forçando-os a pagar impostos sobre os seus lucros Olímpicos. Enquanto ativistas de base preocupados com a homofobia e o patrimônio circassiano foram violentamente reprimidos em Sochi, atletas Olímpicos se empoderaram ao ter o reconhecimento, junto ao COI, do direito de falar sobre o que pensam a respeito das leis homofóbicas na Rússia. Alguns atletas, como Laurence Halsted, estão agora ampliando o âmbito desta questão para os atletas no Rio.

Em resposta aos pedidos de mudança, o COI adotou um pacote de reformas conhecido como Agenda 2020. Assim como a transformação Olímpica no Rio se trata mais de uma propaganda do que uma reforma significativa. Este documento destina-se a fornecer mudanças apenas o suficiente para o COI obter crédito, mas são só “recomendações” e não regras firmes. Nas palavras de Jules Boykoff a agenda 2020 representa “uma mudança estratégica na marca, mais operacional do que inspiracional, e em passos de bebê onde são necessários passos ousados”. Ele sugere alguns passos ousados que o COI poderia tomar, incluindo abraçar a transparência e a democracia, a criação de um painel de especialistas para garantir as cidades a usar as Olimpíadas para melhorar a vida dos cidadãos e proibir os violadores de direitos humanos de sediar Olimpíadas. Como ele diz “Há algumas ideias maravilhosas na Carta Olímpica. É hora do COI honrá-las”.

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A agenda 2020 é, pelo menos, um reconhecimento de que há um problema e ela representa “a passos de bebê” um caminho na direção certa. Essas ações foram forçadas pela oposição as Olimpíadas em cidades-sedes e em cidades como Boston e Hamburgo, que rejeitaram a oportunidade de sediar os Jogos. O diretor executivo das Olimpíadas Christophe Dubi declarou recentemente que o espírito da Agenda 2020 estará viva e presente nas Olimpíadas do Rio. Isso proporciona uma oportunidade única para os cariocas que querem ver as Olimpíadas fazendo jus à sua própria carta e seus organizadores agindo de uma forma social e ambientalmente responsável. A dissidência contra as Olimpíadas do Rio mostra que estas reformas fragmentadas não são suficientes e que o COI tem de tomar medidas mais firmes para garantir que o apelido ‘Jogos de Exclusão’ não cole.

Adam Talbot é um pesquisador de doutorado no Centro de Estudos de Esportes, Turismo e Lazer da Universidade de Brighton, no Reino Unido. Ele está realizando um projeto etnográfico com foco em movimentos sociais e ativismo nos Jogos Olímpicos Rios 2016.