Histórias da Favela: Histórias Pessoais de Moradores do Complexo da Maré

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Os trechos que seguem são provenientes do blog e página do Facebook Favela Stories (Histórias da Favela)–administrados por Sascha Bercovitch*–que contam histórias dos moradores do Complexo da Maré, um dos maiores complexos de favelas do Rio, localizado na Zona Norte.

Apesar da discussão sobre a violência e pobreza nas favelas, a realidade é bem mais complexa: festas de aniversário suntuosas, salões de beleza (para humanos e para cachorros), pequeno comércio, igrejas, obras constantes, e, em geral, gente resistente, criativa e feliz.

As histórias são contadas com as próprias palavras dos moradores, através disso o blog tem dois objetivos: desafiar a percepção patológica das favelas criada pela sua representação na mídia, e mostrar a eloquência e sabedoria de pessoas frequentemente estigmatizadas e retratadas como “simples” ou “sem educação”.

Jaquelline

Jaquelline

Eu vim para cá, para o Rio de Janeiro, de ônibus quando eu tinha 15 anos de idade. Minha mãe me colocou dentro do ônibus e me falou: ‘lá tem uma irmã minha e você vai morar com ela’. Eu vim parar aqui sem nem conhecer a minha tia, mas quando eu cheguei na rodoviária, realmente, de cara reconheci ela, porque ela tem a cara da minha mãe. Quando eu cheguei aqui na Maré, imagina! Aquela menina do interior, igual a um bicho do mato [risos], sem conhecer nada; pra mim foi tudo novo. Acho que em um ano me adaptei. Eu morei com minha tia pouco tempo, sendo que com 17 anos ela me expulsou da casa dela. Foi aí que eu descobri como ficar independente, me virar, me sustentar sozinha, e foi nesse período que abandonei os estudos.

Trabalhei em várias empresas, em restaurante, numa lanchonete em Copacabana, para sobreviver. Nesse período também, as portas se fecharam para mim; eu não arrumei trabalho nenhum e morei um período na rua, então para eu sobreviver entrei no mundo da prostituição. Depois disso eu fui trabalhar numa casa de família, ser doméstica, também para sobreviver. Então a minha vida, no caso, foi isso. Me envolvi com várias coisas até chegar onde eu estou hoje. Desde pequena eu fazia unha por brincadeira. Na adolescência eu fazia, e no caminho despertou um interesse de trabalhar com isso. Quando eu comecei com esse negócio aqui em casa eu já tinha uma clientela, mas não tinha tanta assim. A propaganda foi mais ‘boca-a-boca’, na indicação, uma trazia a outra, e uma coisa que me ajudou e me ajuda muito até hoje na divulgação do meu trabalho é o próprio Facebook, as redes sociais. Aqui nesse espaço eu tenho um ano e alguns meses, e eu agradeço a Deus porque em pouco tempo eu já tenho uma boa clientela, já dá para me virar realmente bem.”

Leia a história completa de Jaquelline aqui.

Rodrigo

Rodrigo

Diariamente eu faço música na minha casa e como tudo dentro da favela é uma coisa interpessoal, você faz um som, você faz uma batucada dentro de casa e aparecem pessoas na janela, daí eu abro a porta, as crianças entram e a gente dá uma oficina, a gente faz um pouco de música, a gente faz um barulho, a gente conversa. É importante também pra continuar trazendo essa perspectiva, pra que as pessoas vejam que aqui dentro da favela não só tem arma, não só tem droga, não só tem monstro, não só tem polícia, também têm pessoas que trabalham, também têm pessoas que trabalham com arte, também têm pessoas que lutam diariamente. Na verdade, essas são a maioria das pessoas. A mídia não quer dizer que aqui a maioria é trabalhador, que a maioria são as pessoas que movem essa cidade porque isso também não vende jornal, então isso não importa pra eles. Quanto mais sangue, quanto mais morte, mais jornais eles vão vender. É por isso que eu gosto de abrir a minha porta pras crianças entrarem, produzirem música, produzirem som, conversar com elas sobre o que está por trás disso também, então dá pra você mostrar um pouco do que é possível aqui, que mesmo você sendo pobre, mesmo você morando em favela, você pode ser artista, você pode consumir arte, isso não é um privilegio da classe média nem da burguesia, isso é um direito de todo cidadão.”

Leia a história completa de Rodrigo aqui.

Atanásio

Atanásio

Vim do Maranhão, na costa de Belém, no calor danado de novembro. Meu irmão me trouxe pra morar aqui na Maré, numa barraquinha lá na Baixa do Sapateiro. Ele me mostrou a cidade, como é que era, e na segunda-feira ele foi e eu estava lá sozinho. Peguei o bonde, cheguei ali na Praça Mauá, e tinha anúncio de alguém que estava precisando de alfaiate. Naquela época eu almoçava num restaurante chinês, era o restaurante mais barato que tinha, e não jantava, pegava um cafezinho e segurava o dinheiro. Eu estava pensando em comprar um rádio, não tinha nada, mas com o dinheiro que eu tinha eu saí e comprei essa máquina que está aqui. Foi de noite quando meu irmão chegou:

‘Uê, comprou uma máquina?!’

‘Comprei.’

‘Não falei pra gente comprar um rádio?’

‘Com essa máquina eu vou comprar dez rádios, o senhor vai comprar um rádio, a gente vai gastar o dinheiro.’

E graças a Deus essa máquina aí foi o princípio do meu trabalho.”

Leia a história completa de Atanásio aqui.

Maria

Maria

No futuro, daqui a dez anos, eu espero coisas melhores: paz, um futuro melhor para nossas crianças, um governo melhor. É difícil, os que entram na política já encontram a podridão e acabam piorando mais, só botando o dinheiro no bolso deles, deixando mais pobreza, mais violência. Aqui se existisse mesmo uma boa polícia, um bom comandante, uma boa presidenta, acho que seria um país muito legal. Se tivessem mais pessoas honestas o mundo não seria assim como hoje. É por isso que eu ensino para as minhas filhas não mexerem na bolsa dos outros, para elas não mexerem na minha bolsa para pegar dinheiro. Quando elas querem dinheiro elas pedem para mim, se eu tenho eu dou, se não eu não posso. Se você não ensinar assim, vão virar isso que está na rua, uma parte da violência, uma parte da bagunça. Tento falar essas coisas pelo menos para mudar um pouco no mundo dos jovens, para ver se melhora um pouco. Está difícil, ninguém mais se entende, ninguém mais pode olhar para o rosto da outra pessoa. O que a gente está precisando agora é de amor. O povo está precisando de amor.”

Leia a história completa de Maria aqui.

Robson

Robson

Deus me deu uma sabedoria, uma percepção para eu saber como vender essas coisas. Eu tenho um livro com todos os meus fregueses (nome, a data específica que vão pagar). Eu boto de dia 7 até o dia 10, e nesse dia eles pagam. Às vezes tem gente que não paga e eu acabo deixando para lá, ficam como presentes para eles. Eu tenho dois salários mínimos todo mês, e com esse dinheiro eu vou, como diz o meu pai, tocando o meu barco. Eu tenho a minha casinha, meu arroz, meu feijão, dinheiro para sair e voltar, cuidar da minha esposa, minha filha, minha família e ainda dinheiro para ajudar as pessoas quando alguém precisa. Eu ajudo algumas pessoas a comprar pão, pagar uma passagem pros adolescentes para eles se divertirem, dar pra rifa da minha igreja, etc. Nisso eu tenho imenso prazer, uma alegria muito imensa de ajudar essas pessoas.”

Leia a história completa de Robson aqui.

*Sascha Bercovitch é o criador do Favela Stories. Ele estudou História da América Latina na Universidade de Harvard e mora no Complexo da Maré desde o ano passado com uma bolsa da pós-graduação Trustman.