As Melhores e Piores Reportagens Pré-Olímpicas sobre as Favelas do Rio

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Esta é a mais recente matéria da nossa série sobre as Melhores e Piores Reportagens Internacionais sobre Favelas do Rio, que faz parte do atual debate do RioOnWatch sobre a narrativa e os retratos midiáticos acerca das favelas cariocas.

Com menos de três semanas para o início dos Jogos Olímpicos de 2016, o Rio e suas favelas estão recebendo mais atenção da mídia do que nunca. Esta é uma oportunidade sem precedentes para alterar a narrativa historicamente estigmatizante em relação às favelas, mas ela também traz o risco de consolidar ainda mais os estigmas na mente de um público global.

Aqui nós analisamos as melhores e piores reportagens sobre as favelas no período que antecede os Jogos. Na próxima série, logo após os Jogos, examinaremos o melhor e o pior que foi produzido durante as Olimpíadas.

Os Piores

Infelizmente, o Daily Mail que aparece com frequência na nossa lista das Piores Reportagens, se superou este ano com suas manchetes e linguagem fortemente estigmatizantes. Em três artigos, o Complexo da Maré é chamado de “favela fedorenta”, “favela aterrorizante” e “zona proibida e perigosa”. Um artigo se aproveitando da histeria devido a Zika cita um profissional de saúde descrevendo o complexo como um “criadouro gigante” para a doença. Em outro artigo, os garotos da Maré que fazem coleta de recicláveis no lixo são chamados de “crianças-ratos”. É isso mesmo, em pleno 2016, o Daily Mail se referiu a seres humanos como “crianças-ratos”. Um terceiro artigo explica os tiroteios, roubos de carros e sequestros na Avenida Brasil, “a estrada do terror”, como “violência aterrorizante” que “se espalhou para fora das favelas”. O foco do Daily Mail dedicado à miséria e medo deturpa, fundamentalmente, a vida diária da maioria dos moradores da Maré. Além disso, a aparente preocupação com os moradores da Maré é diminuída pela frase: “E o mais alarmante… o atirador [na Avenida Brasil] e seu armamento pesado ainda poderão estar lá, quando os VIPs e estrelas do esporte começarem a chegar para os Jogos”–o autor, portanto, deixa explícita sua visão de que as vidas dos moradores da Maré não têm o mesmo valor dos “VIPs” das Olimpíadas. Com um dos maiores números de leitores online no mundo, o Daily Mail tem que fazer um trabalho melhor.

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Apesar de duas perspectivas de moradores de favelas aparecerem na discussão crucial de quem se beneficiará das Olimpíadas, este vídeo da CNN retrata o Rio e, particularmente suas favelas, como uma zona de guerra. Este vídeo descreve as favelas universalmente como “as hilltop slums (áreas temporárias de moradias altamente precárias no alto do morro) onde traficantes altamente armados dominam ha muitos anos”, casualmente ignorando os fatos de que a maioria das favelas não é slum (áreas temporárias de moradias altamente precárias), a maioria não está em morros e a maioria não é controlada pelo tráfico. Definições simplistas e genéricas como estas contradizem a diversidade encontrada dentro e entre cada favela do Rio. Para entrevistar um membro do tráfico, a CNN relata que, “sob o manto da escuridão”, sua equipe “se aventurou em uma favela” na Zona Sul. Moradores, turistas e outros jornalistas não têm muitos problemas em “se aventurar” nas favelas da Zona Sul durante o dia, então não ficou claro por que a CNN buscou o “manto da escuridão”. Relatar a cobertura desta forma sensacionalista, sem explicação ou ressalva, é problemático porque dá aos leitores uma sensação gravemente exagerada da experiência diária de conflito nas favelas do Rio. E a perpetuação de tal estigma produz políticas mortais que matam moradores inocentes. Moradora da Maré e jornalista, Thais Cavalcante disse ao programa On the Media da NPR na semana passada que “este tipo de cobertura”, mencionando especificamente as manchetes sensacionalistas, “é usada para afirmar determinadas políticas do Estado relacionadas a nós, e frequentemente justifica a violência policial”.

A atenção às remoções deste artigo da Gizmodo e o argumento de que “as áreas mais pobres do Rio aguentarão o peso” dos impactos negativos das Olimpíadas são valiosos, mas o artigo contém inexatidões significativas que perpetuam mitos sobre o desenvolvimento urbano impulsionado pelas Olimpíadas. O autor escreve que “muitas” das centenas de favelas do Rio agora têm teleféricos graças às transformações das Olimpíadas. Isto simplesmente não é verdade–apenas dois (controversos) teleféricos existem atualmente nas favelas da cidade e duas delas brigaram ativamente na justiça contra os teleféricos. Ele argumenta que o turismo de estrangeiros na favela alavancado pelos Jogos criou “alguma estabilidade econômica”, mas não há evidência no Rio ou em cidades anfitriãs anteriores de Olimpíadas de que os megaeventos tenham um efeito positivo em longo prazo no turismo ou na economia. (O turismo cresceu nas favelas nos últimos anos no contexto do aumento da segurança percebida e relativa estabilidade econômica; ambas desabaram antes das Olimpíadas). O autor diz que “o futuro do Rio” depende dos gastos dos turistas durante os Jogos Olímpicos, mas qualquer injeção de dinheiro em curto prazo não resolverá os problemas sistêmicos do Rio. Estas inexatidões alimentam e perpetuam a narrativa da Prefeitura sobre o potencial transformador dos Jogos e projetos de desenvolvimento pré-Olímpico, muitos dos quais têm bem pouco impacto e em alguns casos são mais destrutivos do que as propagandas sugerem.

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Um artigo recente da CityLab merece uma menção por combinar um título que diz que a “Vila Olímpica Alimentará as Favelas” com um artigo que sugere que os restos de comida serão direcionados aos “moradores necessitados” da Lapa–que não é uma favela. Mais à frente o artigo confunde a violência policial e remoções vivenciados em algumas favelas com as pessoas que recebem o sopão solidário, arriscando levar os leitores a associar de maneira acrítica as favelas de trabalhadores e de classe média com fome e pobreza. O Herald Sun, em sua constante cobertura sobre a proibição dos atletas australianos visitarem as favelas, agora informou ao público australiano que 75% dos moradores do Rio vivem nestes bairros–um incrível aumento em relação ao número real de cerca de 24%. Por fim, os artigos que focam na lista de problemas das Olimpíadas no Rio frequentemente perdem a oportunidade de destacar questões que fizeram um enorme estrago a longo prazo nas comunidades do Rio: remoções, aumento da violência policial, deslocamentos através de gentrificação, prioridades de gastos mal direcionados, e promessas não cumpridas do legado, entre outros.

As Melhores

O artigo de Lulu Garcia-Navarro desconstruindo o mito das ligações entre pobreza e o vírus da Zika para a NPR é uma importante análise equilibrada em resposta à advertência da Organização Mundial da Saúde para os visitantes “evitarem visitar áreas pobres e superlotadas” durante as Olimpíadas no Rio. Garcia-Navarro destaca a estigmatização na advertência e prossegue fazendo um desafio minucioso à afirmação com base em estudos científicos sobre doenças transmitidas por mosquitos e entrevistas com pesquisadores da área. O artigo argumenta com sucesso que visitar as favelas não traz maior risco à saúde relacionado ao mosquito do que em qualquer outra área da cidade, e conclui com a perspectiva de um morador da Rocinha sobre as informações inexatas e negativas promovidas sobre as favelas e a necessidade das pessoas conhecerem a realidade em vez disso. Apoiado pela pesquisa científica relevante e ampla, e pela valiosa perspectiva da comunidade, o artigo de Garcia-Navarro é uma refutação ponderada e persuasiva do conselho equivocado da OMS.

O excelente curta-metragem de Johnny Harris “As Olimpíadas 2016: O Que o Rio Não Quer Que o Mundo Veja” para a Vox fornece uma visão geral abrangente do projeto da Cidade Olímpica do Rio e seu impacto nas favelas e na cidade como um todo. Combinando gráficos, mapas e cenas impressionantes da cidade, Harris expõe o projeto de higienização social e remodelagem urbana no Rio, que abrangem o muro erguido para esconder a Maré, alterações nos itinerários dos ônibus que impedem o acesso, especulação imobiliária, e remoções na Barra da Tijuca, com foco na Vila Autódromo. Apresentando entrevistas com moradores da favela e especialistas técnicos, o vídeo é uma forte denúncia do projeto da cidade Olímpica no Rio e de como o megaevento está sendo usado para remodelar a cidade para o benefício de visitantes temporários e investidores ricos.

O artigo de Ben Whitford “Acompanhando os Passos: os Moradores do Rio Lutando para Manter Suas Comunidades” para o Positive News é um encorajamento a todos os esforços inspiradores, atividades de resistência e movimentos criativos e soluções comunitárias no Rio hoje. Em contraste direto ao retrato sensacionalista e desempoderador das favelas como violentas, indigentes e esquálidas, Whitford enfatiza o orgulho comunitário que impulsionou a campanha de resistência da Vila Autódromo, as mobilizações criativas na cidade e as soluções de base. O ativismo elevado, envolvimento cívico, jornalismo comunitário e o crescimento das redes de resistência no Rio nos últimos anos são desenvolvimentos importantes que são pouco relatados e frequentemente desprezados em favor de narrativas inexatas e ativamente prejudiciais das favelas. Focando no volume positivo dos movimentos empoderados, conectados e criativos no Rio, o artigo de Whitford questiona a visão estigmatizante das favelas como locais passivos de escassez, violência e necessidade, e documenta os movimentos vibrantes, dinâmicos e empoderados em busca de remodelar a cidade.

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Publicado como parte da série de História das Cidades do The Guardian, a história da Providência de Bruce Douglas é um mergulho fascinante na situação passada e presente da primeira favela. Infelizmente, o artigo tem um título enganador, “a ascensão e ruína da primeira favela do Rio de Janeiro”. Não é retratada nenhuma ascensão e queda; em vez disso, Douglas reconta o início da Providência e, mais importante, os estigmas prevalecentes no início do século XX, antes de examinar os desafios dos dias de hoje com base nas entrevistas dos moradores. Evidências dos estigmas históricos relacionados à favela fornecem um contexto valioso: o relatório policial de 1900 que lamentava a impossibilidade de policiamento da área, o desenho de 1904 mostrando os moradores da favela sendo retirados por um pente dos cabelos de uma cabeça que simbolizava o Rio, e o projeto de remoção da Providência do urbanista francês Alfred Agache. Estas histórias preparam o palco para a investigação por Douglas das intervenções recentes e não participativas, como o teleférico, descrito e desafiado pelos moradores na segunda parte do artigo. Com uma pesquisa detalhada e histórias dos moradores, o artigo fornece uma visão significativa da história da Providência e alguns dos preconceitos e percepções que a moldaram.

Por fim, o programa ‘On the Media’ da NPR produziu uma matéria imperdível para todos os jornalistas correspondentes do Rio sobre os desafios para as reportagens sobre as favelas na mídia nacional e internacional. Devido à ênfase sobre a violência nas favelas na TV e em manchetes dramáticas, a jornalista da Maré, Thaís Cavalcante diz no programa: “Antes de trabalhar [no Jornal O Cidadão da Maré], eu mentia para as pessoas e dizia que não morava na Maré. Eu tinha vergonha de morar na favela”. Este sentimento de vergonha pessoal, combinado com o poder da mídia de influenciar as percepções e justificar as políticas danosas são evidência de que as narrativas de histórias carrega o risco de marginalizar ainda mais as comunidades já historicamente marginalizadas. Ao mesmo tempo, o programa On the Media sugere que o jornalismo que desafia as narrativas dominantes ou que empodera os ativistas como Maria da Penha da Vila Autódromo–que também aparece no programa–pode ser transformador. O artigo também destaca os recursos disponíveis na RioOnWatch para apoiar jornalistas na produção de reportagens nuançadas.

A boa notícia é que há tantos relatos esclarecidos, nuançados e fantásticos do Rio e das favelas acontecendo na preparação para as Olimpíadas que não cabem aqui! Uma menção especial vai para a série atual do The Guardian, a Visão das Favelas, que está dando aos jornalistas comunitários, incluindo Thaís Cavalcante da Maré, Daiene Mendes do Complexo do Alemão e Michel Silva da Rocinha, uma plataforma internacional para verbalizar suas visões e contar as histórias de suas comunidades. A breve reportagem doTech Insider sobre a Rocinha ter seu próprio provedor de Wi-Fi é uma visão desconstrutora do estigma das favelas, que têm seus próprios negócios comunitários e infraestrutura tecnológica. Por fim, Jules Boykoff, autor de Power Games: A Political History of the Olympics (Jogos de Poder: Uma História Política das Olimpíadas), fornece uma análise profunda, criteriosa e detalhada das Olimpíadas do Rio no FromBrazil da Folha de São Paulo.