A primeira medalha de ouro do Brasil nas Olimpíadas Rio 2016 foi conquistada por Rafaela Silva, judoca da Cidade de Deus. Negra e favelada, apesar de todos os obstáculos, foi a primeira mulher brasileira a ser campeã mundial de judô. Mas, infelizmente, moradores da comunidade em que Rafaela cresceu, não possuem tantos motivos assim para comemorar. A CDD é uma favela onde há carta branca para a guerra e tem vivido dias de terror. Na noite do último domingo (7), a Dona Zenilda e o Sr. Luiz Carlos, pais da Rafaela, antes de irem para a Arena Carioca 2–que fica a menos de três quilômetros da Cidade de Deus–assistir a filha ser campeã, viveram uma noite de guerra na porta de casa.
Me orgulho em ver a Rafaela conquistar o ouro sendo uma mulher preta e favelada, gente como eu, mas não esqueço os tiros que ouvi de dentro de casa nesse domingo. O som de tiros de fuzil, que foram resultado de uma operação policial, ecoam na minha mente e tiram o espírito olímpico. Festa na Favela pelo título da Rafaela? Não teve. Alguns moradores até queriam receber a nossa menina de ouro com festa, mas teve operação policial na favela pelo terceiro dia seguido.
É muito contraditório ver uma festa de enorme proporção, vários turistas na Cidade e a gente aqui na periferia tendo os direitos violados dia a dia. O Rio já é ouro em desigualdades. Temos muitas Rafaelas que merecem títulos, mas estão na luta pela vida, contando moeda para pegar a condução do dia, sobrevivendo diante da desvalorização e precarização dos serviços públicos, como saúde e educação.
Não existe legado olímpico que supere os últimos dados do Instituto de Segurança Pública estadual, que revelam o aumento de mais de 100% de assassinatos causados pela polícia na cidade do Rio de Janeiro (de abril a junho), em comparação ao mesmo período de 2015.
Não quero acabar com a festa de ninguém, mas não podemos celebrar enquanto o maior legado dos Jogos Olímpicos, entre suas polêmicas obras inacabadas e falta de planejamento, tiver como campeã a violação de direitos humanos. Salve Rafaela! Para a favela queremos mais ouro e menos chumbo.
Juliana Portella tem 25 anos, é jornalista, redatora e trabalha com mídias sociais. Professora, Juliana também se dedica a dar aulas para jovens de um pré-vestibular comunitário na anti-penúltima estação de trem do Ramal Japeri: Queimados.