O governo normalmente se utiliza de uma de duas abordagens para se relacionar com as favelas no Rio de Janeiro: ou as favelas são um flagelo na cidade que precisam ser substituídas, ou devem ser urbanizadas em loco. A primeira abordagem foi popular nos anos 60, quando o governo começou a construir conjuntos residenciais, que são complexos de prédios construídos em terrenos do estado para abrigar moradores de favela desalojados por despejo, desastres naturais ou, como no ínfame caso da Catacumba, incêndio criminoso. Os primeiros conjuntos seguiram o modelo de Le Corbusier para construção de moradia publica: blocos residenciais altos construídos em áreas verdes e geralmente isolados.
Esse tipo de construção tornou-se de má reputação nos Estados Unidos depois que projetos como o Pruitt- Igoe foram demolidos por causa do abandono dos moradores. Como aconteceu nos EUA, no Rio muitos desses conjuntos foram sendo degradados pela falta de manutenção e falta de investimento social ou comunitário.
A idéia de urbanização ao invés de substituição ganhou força nos anos 80 devido à advertência dos Estados Unidos e ao conselho do Banco Mundial. Houve um pequeno número de programas de urbanização antes disso, mas o governo em geral cortou a verba, preferindo a erradicação da favela. Durante os anos 80 e 90 houve muitos projetos ambiciosos de curta duração para incorporar as favelas à organização formal da cidade, culminando no projeto Favela-Bairro que usou a mão de obra local para modernizar prédios e criar espaços públicos.
A administração atual tem adotado as duas abordagens para transformar as favelas dentro da mais recente campanha de renovação urbana. Moradia construída sob o projeto federal Minha Casa Minha Vida, frequentemente dezenas de quilômetros de distância da comunidade de onde vem seus moradores, tem sido usada para reassentar moradores de comunidades onde remoções forçadas ocorrem. Ao mesmo tempo, em outros lugares, o programa da Prefeitura, Morar Carioca, vem sendo condecorado como um novo programa de urbanização, que aproveita a construção existente.
Na Rocinha, a maior favela da América Latina, usando verba federal do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Estado do Rio de Janeiro experimentou uma abordagem intermediária de habitação social, com a reurbanização da Rua 4 através da mudança dos moradores para os prédios de habitação pública na mesma rua.
Antes do começo da obra a Rua 4 era um beco de 60cm de largura com pouca ventilação, conhecida por conta de uma das maiores taxas de tuberculose do estado. A Rua 4 liga a Estrada da Gávea e o Caminho dos Boiadeiros, dois acessos centrais na Rocinha. O PAC resolveu construir uma rua mais larga com paisagem no lugar do beco, e um projeto habitacional no lugar de um depósito de ônibus acima da Rua 4.
A nova Rua 4 foi inaugurada pelo presidente Lula em dezembro de 2010. O arquiteto chefe Luiz Carlos Toledo falou na cerimônia de abertura: “A Rua 4 é um exemplo de como podemos, sem abandonar os caminhos tradicionais de uma favela, melhorá-los, adaptá-los, a escala e a topografia local.”
Hoje a Rua 4 tem 12 metros de largura ladeados por prédios pintados com cores vibrantes, jardins florescendo e pequenas praças. Novas escadas conectam os vários níveis. Existem vários parques infantis, um palco, painéis de mosaicos e murais feitos pelos moradores. O caminho segue íngreme do Caminho dos Boiadeiros até uma área nivelada ocupada por nove prédios residenciais com cores brilhantes.
Esteticamente, a Rua 4 tem um efeito impressionante para um projeto de habitação pública, pois muitos dos prédios originais foram repintados para combinar com os novos, então o projeto é uma continuação razoável da textura da favela. As praças e os parques infantis entre os blocos dão de frente para a Estrada da Gávea, e a vida de rua flui entre os prédios. Os apartamentos têm varandas abertas que favorecem a permeabilidade do espaço de vida que caracteriza a Rocinha.
Rua 4 apresenta melhorias concretas. A estrada está fechada para carros e tem acesso limitado para moto-táxis, deixando-a mais calma do que os constantes fluxos de tráfego nas outras vias. A Rua parece estar fora dos limites para demonstrações públicas do tráfico de drogas. Ao contrário de outras vias principais da Rocinha não há pessoas armadas ou bocas de fumo na rua ou nas redondezas dos prédios de habitação pública.
O alargamento da rua exigiu a demolição de alguns edifícios, sendo assim alguns moradores tiveram que ser realocados. Segundo o jornal O Globo, esses tiveram assistência do governo para a compra de uma nova casa, ou aluguel social, até que os prédios estivessem prontos. Aqueles que escolheram esperar receberam um dos 144 apartamentos.
Dado o histórico de remoções forçadas pelo atual governo, a alegação de que o processo foi consensual exigiu investigação. A busca por moradores originais dos edifícios demolidos foi difícil, pois a maioria já havia comprado casas em outro lugar ou vendido seus novos apartamentos após a mudança. Moradores próximos aos prédios confirmaram que os trabalhadores do PAC cadastraram os que moravam nos locais por onde o projeto passa, e nenhum entrevistado reclamou ou ouviu reclamação sobre tratamento injusto ou pagamento insuficiente.
A principal reclamação dos moradores é que o PAC na Rua 4 desapareceu logo após a conclusão das obras, e com isso não ha manutenção: existem já paredes rachadas e falta de água. Tudo agora depende dos moradores, embora as casas não tenham sido construídas por eles e serem edificações públicas. Os jardins e os espaços públicos são mantidos pela Associação de Moradores da Rocinha e cada prédio tem um síndico pago por todos. Embora parece haver um consenso positivo sobre a Rua 4, os moradores estão preocupados com os projetos inacabados do PAC que foi suspenso por tempo indeterminado em julho. Se a manutenção for incorporada no projeto, a Rua 4 pode servir de exemplo de habitação integrada e respeitosa, mas isso vai depender da Prefeitura cumprir suas promessas de melhorias de infraestrutura, saneamento e manutenção.
Fotos por Anthony Mendiola.
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