Na sexta-feira, 24 de março, a Liga Urbana Cooperativa e parceiros organizaram uma Aula Pública sobre a Medida Provisória 759/2016 (MP759). A MP 759, publicada no último mês de dezembro, foi anunciada pelo Presidente Michel Temer para facilitar a regularização de terras, facilitando o registro de moradias e terras informais. À primeira vista, a MP parece beneficiar os brasileiros de baixa renda que vivem na informalidade, pois fornece subsídios para as taxas de regularização para indivíduos de baixa renda e cria um direito à laje, especialmente aplicável às favelas, onde será permitido às pessoas receberem títulos separados para partes separadas da mesma estrutura. À segunda vista, no entanto, um número de preocupações graves, especialmente para a população de baixa renda, tornam-se aparentes. A aula pública de sexta-feira esperava trazer isso à luz.
Entre os palestrantes estavam a especialista em habitação e urbanista Regina Bienenstein da UFF, Luis Cláudio Vieira do Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro (ITERJ), professor de direito Rafael Mendonça do Instituto de Estudos Críticos do Direito (IECD), e defensora pública Adriana Britto do Núcleo de Terras e Habitação (NUTH) da Defensoria Pública do Rio de Janeiro. Após os palestrantes apresentarem as questões que identificaram quanto à MP 759, os membros do público foram convidados a falar sobre como a lei os afetaria.
Os críticos da MP 759 estão indignados com a medida, tomada unilateralmente pelo presidente interino Michel Temer, que revoga direitos conquistados pelos movimentos sociais durante décadas. O mais importante destes direitos está consagrado na Constituição Federal de 1988. Nela, a função social da terra, tanto urbana como rural, está garantida. O Artigo 5, Seção 23 da MP 759, no entanto, ameaça essa função social da terra criando uma enorme oportunidade para mover terras públicas para o âmbito privado. A professora Regina Bienenstein e defensora Adriana Britto enfatizaram isso nas suas falas durante a aula pública.
Regina Bienenstein explicou que “a Medida Provisória facilita a regularização de Áreas de Especial Interesse Social”. As Zonas de Especial Interesse Social (ZEIS) estão estipuladas na Lei 11977/2009, exigindo às cidades designar áreas, conhecidas no Rio como Áreas de Especial Interesse Social (AEIS), nos seus planos diretores. De acordo com a lei, a AEIS é “destinada predominantemente à moradia de população de baixa renda e sujeita a regras específicas de parcelamento, uso e ocupação do solo” [Art. 7, seção III].
A Lei 11977 proporcionou proteções aos ZEISs, criando efetivamente uma ferramenta legal para a preservação das favelas como moradias de baixa renda mesmo frente à gentrificação, por exemplo. Ao clicar no site federal para visualizar a lei atual, no entanto, encontra-se toda a seção da lei originária riscada, com “Revogada pela Medida Provisória No. 759, de 2016” em cada linha.
A MP 759 afeta as ZEISs de duas maneiras. Primeiro, revoga a maior parte da Lei 11977, inclusive as disposições sobre as ZEISs. Segundo, a MP 759 facilita os títulos de propriedade individuais. Muitas terras constituídas ou que seriam qualificadas para designação como ZEIS eram terras públicas ocupadas. Portanto, se estes moradores usarem a MP 759 para obter propriedade privada, perderão quaisquer proteções remanescentes das ZEIS. E, se os legisladores futuros tentarem voltar a um regime que protege as ZEIS, será difícil fazê-lo se mais terras forem privatizadas.
O advogado Rafael Mendonça explicou o argumento para a inconstitucionalidade da MP 759. Além das possíveis violações das garantias constitucionais da função social da terra, Rafael argumentou que a MP 759 em si foi promulgada inconstitucionalmente porque infringe as disposições constitucionais que dão autoridade ao presidente para emitir medidas provisórias.
O Artigo 62 da Constituição Federal de 1988 declara que “em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional”. Rafael explicou que a MP 759 aborda quatro tópicos: regularização de terras urbanas, rurais e amazonenses, e transferência de propriedade da terra do estado para o indivíduo. Todos estes quatro tópicos, no entanto, já foram abordados em leis existentes, por isso o Presidente Michel Temer não dispunha o elemento de urgência necessário para acionar a autoridade para promulgar uma medida provisória.
Membros do público que falaram após os palestrantes ecoaram as preocupações de que a MP 759 iria facilitar a movimentação da propriedade de pública para privada, ameaçando a permanência das favelas. Para eles, a MP 759 é outra maneira de trazer a propriedade para um mercado privado já injusto e desigual.
Um folheto distribuído ao público resumiu alguns argumentos contra a MP 759: