No dia 22 de dezembro de 2016, o Presidente Michel Temer aprovou a alteração da lei que regulariza terras urbanas e rurais de propriedade do governo federal, notadamente eliminando as exigências de implantação de infraestrutura nessas áreas. Recentemente, a Medida Provisória foi aprovada pelo Senado no dia 24 de maio, sem que houvesse uma consulta aos grupos afetados, especialistas no assunto ou órgãos responsáveis pela regularização do solo. No dia 30 de maio, o Diretório Central dos Estudantes da PUC-Rio sediou o debate “A Regularização Fundiária no Brasil e os Retrocessos na Luta no Campo e na Cidade” para discutir e conscientizar sobre as mudanças ocorridas.
As alterações promovidas pela Medida Provisória 759/16 têm trazido grande preocupação para ativistas do direito à moradia e para grupos ligados ao meio ambiente e direitos humanos por todo o Brasil. Removendo barreiras para que empresas nacionais e estrangeiras privatizem e explorem terras públicas, a lei impactará diretamente o meio ambiente e a biodiversidade de grandes áreas, especialmente a Amazônia.
Já no contexto urbano, a nova lei enfraquece o direito à terra nas favelas, concedendo igual prioridade ao interesse privado e criando condições para exploração comercial em áreas hoje ocupadas por comunidades de baixa renda.
No painel do evento promovido pela PUC estavam presentes: Maria Lúcia de Pontes, defensora pública do Núcleo de Terras e Habitação do Rio de Janeiro (NUTH); Fernanda Vieira, professora e advogada do Centro de Assessoria Popular Mariana Criola; Alexandre Nascimento, graduado em ciências sociais pela PUC-Rio e pós-graduado em gestão ambiental pelo IBPNUMA / Escola Politécnica – UFRJ; e Pedro Paulo Cruz, cientista social, ex-técnico de regularização fundiária do ITERJ (Instituto de Terras do Estado do Rio de Janeiro) de 2000 a 2010.
Pedro Paulo Cruz iniciou a discussão contextualizando a nova medida em relação aos marcos legais históricos em torno dos direitos territoriais no Brasil. O Artigo 5 da Constituição federal determina que as áreas públicas devem atender à sua função social em benefício da população. Para o Rio de Janeiro especificamente, esses requisitos também são mencionados na constituição do Estado. No entanto, as alterações promovidas pelo governo Temer demonstram uma ruptura com os valores e proteções estabelecidos na Constituição, negligenciando o direito de trabalhadores rurais e famílias de baixa renda, para os quais a necessidade de habitar de forma confiável em uma determinada área mostra-se muitas vezes como mais relevante do que o direito de vender sua terra.
Pedro Paulo argumentou ainda que o legado da escravidão é um fator histórico que permite aos políticos brasileiros continuarem a negligenciar as necessidades dos cidadãos: “Essas populações continuam sendo afastadas do Centro onde muitos trabalham e ganham a vida”. Nos períodos que antecederam a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, mais de 77.000 pessoas foram removidas de suas comunidades em todo o Rio de Janeiro, enquanto muitos outros também foram forçados pelo mercado a se deslocarem, em razão da especulação e renovação urbana ocorrida no período.
Fernanda Vieira seguiu as críticas de Pedro Paulo. Ela explicou que no Brasil tem havido uma guerra crescente contra os ativistas do direito à terra e que a nova MP contribui para o aumento do exercício de condutas militaristas utilizadas pelo governo para silenciar a oposição.
Assim como Pedro Paulo, ela aponta que as práticas econômicas moldadas pelas grandes economias mundiais resultaram e continuam gerando políticas públicas inconstitucionais e contrárias aos direitos dos trabalhadores. “Esse projeto de uma cidade inclusiva e democrática, que atende os pilares da dignidade humana, está cada vez mais afastado de nosso horizonte. Por isso, estes debates são fundamentais”, explicou Fernanda.
No caso das favelas, a nova MP incentiva a venda de lotes ao invés da urbanização. “É uma lógica perversa dentro de uma ótica neoliberal que não garante os direitos ou o acesso à cidadania plena, com dignidade para grande parte da população, o que significa que essas famílias vão experimentar uma pressão brutal do capital e a probabilidade dessas famílias manterem seus territórios é quase nula”.
Alex Nascimento voltou seu foco para os impactos sociais da nova legislação. Muito embora as disputas por terras sejam comum desde o Brasil colonial, segundo ele o debate sobre a terra se tornará um fator esmagador no que diz respeito à capacidade de sobrevivência das comunidades indígenas e quilombolas. Seguindo a filosofia da soberania, Alex destacou que a regularização do direito à terra é um elemento-chave dentro do direito, não só no sentido de proteção contra forças externas mas também de garantia do próprio sustento. O conflito que o Brasil enfrenta não é novo e trata de terras, como a chave para que as pessoas reivindiquem a soberania, sustento e sobrevivência. “Entendemos com essas leis, que sobre tudo, não só estamos perdendo terras. Estamos perdendo moradias, nossa cultura e nossa biodiversidade”, disse Alex.
A última palestrante do painel, Maria Lúcia de Pontes, apontou o quão vulnerável o Brasil pode se tornar para os interesses estrangeiros nos próximos anos. Da mesma forma que os governos Lula e Dilma foram criticados por colaborar fortemente com empresas internacionais, a nova MP vai permitir que entidades estrangeiras comprem áreas públicas à despeito dos direitos sociais dos brasileiros. Esse movimento foi visto pelos palestrantes como uma clara demonstração do desinteresse da atual administração em melhorar a vida dos moradores de favelas. “Têm pessoas que não sonham em ter o carro do ano, eles sonham em ter segurança com relação às suas terras, e esse sonho está ameaçado”, insistiu Maria Lúcia.
Todos os oradores criticaram as recentes negociações que prejudicam o acesso da população de baixa renda à terra e à moradia, e convocaram os membros da plateia a permanecerem vigilantes e ativos em respostas aos rumos e políticas atuais.