Desde 2008, quando a primeira UPP começou a ocupar a favela Santa Marta, o governo estadual do Rio de Janeiro emprega políticas agressivas para combater o crime organizado relacionado ao tráfico de drogas e manter as favelas sob o controle formal do governo, o que resultou nas mortes de milhares de civis, frequentemente pelas mãos da polícia. Quase dez anos após o primeiro esforço de pacificação das favelas, choques violentos entre a polícia e traficantes só têm aumentado e resultaram em danos colaterais, principalmente em comunidades das zonas Norte e Oeste do Rio.
Apesar de um grande número de mortes e de inúmeros abusos de direitos, cidadãos que vivem fora das áreas de UPP permanecem em grande parte indiferentes aos fracassos desta política e de suas consequências para os civis. A fim de combater esta indiferença e incorporar uma porção maior da população do Rio na busca de soluções para estas questões, o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da PUC-RJ promoveu um debate para discutir a Guerra Contra as Drogas no Rio no dia 7 de junho. O debate reuniu Orlando Zaconne da Associação dos Agentes da Lei contra a Proibição (LEAP Brasil), Vivi Salles, socióloga e moradora da Cidade de Deus, Tatiana Lima, jornalista e moradora do Complexo do Alemão e Victoria de Sulocki, professora de Direito Penal e Processual, e doutora em Direito pela PUC-Rio, que compartilharam as suas perspectivas e conhecimento em um fórum aberto. Após uma breve discussão por estes palestrantes, o fórum foi aberto para perguntas dos participantes.
Uma das principais falhas da guerra contra as drogas debatidas pelo grupo, é a inconsistência e claro preconceito demonstrado pela abordagem do governo quanto à repressão às drogas. O tráfico de drogas envolve uma ampla rede de produtores, distribuidores e consumidores, bem como um sistema financeiro robusto para a lavagem de milhões de dólares por ano. No entanto, a polícia foca os seus esforços somente nas comunidades de baixa renda com populações historicamente marginalizadas. Orlando Zaconne perguntou: “Quem está por trás do grande tráfico de drogas? O sistema financeiro, eles lavam todo esse dinheiro. Eles guardam a quinta maior economia do mundo debaixo de um colchão”. Este enfoque seletivo à repressão às drogas perpetua a violência das drogas, falhando na abordagem das principais fontes do mercado de drogas como os intermediários financeiros, distribuidores e consumidores que muitas vezes moram em bairros mais nobres. Além disso, estas ações servem para reforçar estereótipos falsos quanto aos moradores das favelas e criam um sistema de repressão violenta motivado pelo preconceito racial e de classe. Orlando Zaconne continuou a descrever este enfoque seletivo como “um dos pilares da discriminação”.
Moradores de favelas, que são afetados desproporcionalmente pelas políticas de repressão às drogas, frequentemente são vítimas do sistema judicial brasileiro violento e não confiável. Apesar de não ter pena de morte no Brasil, centenas de moradores do Rio morrem todos os anos nas mãos da repressão legal. Em 2016, a polícia matou pelo menos 920 pessoas no Rio e aparenta estar a caminho de matar ainda mais em 2017. O número anual de mortes é tão elevado que a polícia do Rio é conhecida como a mais violenta do mundo. Durante o debate Orlando Zaccone comentou, “a pena de morte no Brasil embora não existe (oficialmente), é amolgada e legitimada pelos políticos do Estado”, referindo-se ao diálogo político que frequentemente justifica a violência policial como sendo um mal necessário.
Enquanto a autodefesa é frequentemente alegada como sendo a razão destas mortes, a Anistia Internacional e o The Guardian ambos documentaram múltiplos casos nos quais policiais colocaram armas e drogas nas vítimas para evitar serem punidos pelo uso excessivo da força. Enquanto isso, os suspeitos que são detidos entram no sistema mal regulamentado das prisões, onde os abusos de outros presos bem como dos funcionários contribuem para o ciclo da opressão. Até agora em 2017, já houve pelo menos 140 mortes nas prisões brasileiras, que em grande parte são controladas por facções. A repressão legal perpetua estas tendências não somente por, efetivamente, falhar na prevenção da violência nas prisões, mas também por contribuir neste processo com o uso de tortura aos suspeitos, violando a lei brasileira e os direitos humanos.
Mulheres que não praticaram atos violentos e são detidas por porte de drogas mais do que por qualquer outro crime, são especialmente vulneráveis ao abuso sexual e outras formas de abuso pelos detidos e funcionários. Orlando Zaconne descreve a experiência das mulheres no sistema prisional brasileiro: “Quando você encarcera uma mulher você coloca essa mulher em uma casa de tortura, porque os presídios no nossa pais são casa de tortura”.
Após quase dez anos de políticas que falharam e violência sistêmica como resultado da guerra às drogas pelas UPPs, uma grande parte da sociedade do Rio tornou-se complacente quanto aos abusos de poder, aceitando as sérias falhas nas políticas contra as drogas. A mídia nacional contribuiu para esta apatia criando um divisor social através de reportagens inexatas e distorcidas sobre as favelas. A fim de combater a dessensibilização e criar reformas que permitam políticas mais eficazes e maior respeito pelos direitos humanos, a sociedade civil usa os recursos das mídias sociais para manter-se informada sobre a guerra contra as drogas, combater as narrativas inexatas criadas pelas autoridades e pela mídia nacional e para gerar solidariedade com as comunidades afetadas como recurso e em defesa de avanços. Tatiana Lima comentou sobre o papel crucial da sociedade civil ao preencher a lacuna da narrativa deixada pelo governo e pela mídia nacional: “Nós somos mídia. Cada um aqui tem Facebook, Twitter, Tumbler e todas essas coisas. Produzimos discursos, compartilhamos histórias e assim começamos a construir o Rio”. Ela continuou a salientar a importância de gerar relacionamentos entre as favelas e as comunidades formais para cultivar a empatia e a conscientização.