Esta é a primeira matéria de uma série de quatro partes sobre a Prevenção de Crimes Através do Design Ambiental (CPTED).
As cidades estão enfrentando desafios sem precedentes, e em lugar algum isso é mais evidente do que nas favelas do Rio de Janeiro. À medida que a atenção do mundo se transferiu para outros lugares, no ano seguinte aos Jogos Olímpicos do Rio de 2016, a cidade tem vivenciado uma escalada de violência. Para os moradores das favelas, parece haver um ciclo insidioso no qual são negligenciadas pelo Estado e criminalizados pela sociedade, deixando suas comunidades como alvos fáceis para o crime organizado, o que, por sua vez, produz um estigma usado para justificar a negligência contínua, por um lado, e a repressão, por outro.
O contexto dominante do Rio de hoje é, portanto, uma situação de negligência e repressão do Estado como políticas para as favelas, o que apenas aumenta a insegurança e o perigo para moradores e cidadãos em geral. Essa realidade produz uma sensação de desesperança, que somente alimenta o desespero e, provavelmente, o crime. Alguma coisa pode ser feita?
Essas questões foram colocadas no contexto dos Estados Unidos por cidadãos-ativistas na década de 1960. Jane Jacobs está entre as mais conhecidas ativistas, e ela ajudou a criar um movimento de base contra a renovação urbana e a limpeza social. O princípio em torno do qual planejadores defensores (advocacy planners) e ativistas-cidadãos atuavam era que, num contexto de desigualdade e violência, os planejadores urbanos deveriam buscar mecanismos de empoderamento dos moradores, que lhes permitissem resistir às pressões do desenvolvimento, exigir melhorias comunitárias necessárias e aproveitar esses benefícios no futuro.
Uma ferramenta de planejamento desenvolvida nesse período se chama Prevenção de Crimes através do Design Ambiental ou CPTED. O CPTED surgiu na década de 1960 como um método de criação de comunidades mais seguras, através de planejamento de base e intervenções de design, como melhor iluminação, remoção adequada de lixo e promoção de um senso de propriedade que facilite a vigilância de espaços públicos pelos moradores. O conceito começou com a noção de Jane Jacobs da eficácia de estabelecer “olhos na rua”.
Nas últimas décadas, entretanto, o CPTED passou a representar uma teoria obscura e inacessível, usada por especialistas em segurança e policiamento. Em vez de promover a segurança e a vitalidade dentro das comunidades, os críticos apontaram para o uso excessivo de câmeras de vigilância, cercas, portões, alarmes e guardas de segurança, que isolam os moradores e reduzem as oportunidades para interagir, bem como intervir e impedir o crime.
Recentemente, os planejadores urbanos procuraram reverter essa tendência, retornando às raízes do CPTED, defendendo uma maior ênfase no uso de suas técnicas para melhorar a conexão e programação social, em vez de se concentrar apenas em aspectos físicos do meio ambiente. Assim, ao invés de confiar apenas no uso de portões, alarmes e outros dispositivos para aumentar o controle sobre o espaço, o CPTED tem o potencial de usar design e programação para aumentar a apropriação do espaço e a conexão entre os moradores, o que leva à maior segurança.
Embora não seja conhecido como tal, o CPTED já é amplamente aplicado nas favelas do Rio de Janeiro, particularmente em comunidades que mantêm com sucesso a segurança ou resistem aos conflitos. Moradores da Asa Branca, uma favela de tamanho médio no bairro Curicica do Rio de Janeiro, perto do Parque Olímpico, mantiveram a comunidade livre de ocupação por narcotraficantes ou milícias, através de uma combinação de intervenções físicas, como ruas perpendiculares à rua principal sem saídas adicionais ou vielas (tornando impraticáveis esconderijos e rotas de fugas) e intervenções sociais, como eventos regulares que reúnem moradores. Eventos incluindo competições de futebol da comunidade, desfiles de carnaval, festas, churrascos e muito mais, estão constantemente em andamento.
Enfatizar os aspectos sociais do CPTED tem o potencial de armar moradores com uma nova ferramenta para enfrentar a violência e a desigualdade dentro das comunidades. Poderia ser usada como parte de um modelo de planejamento inclusivo, que aumenta a vigilância pelos próprios moradores, ao invés da presença policial imposta pelo Estado, o que no Rio é frequentemente contraproducente. As técnicas CPTED que criam espaços públicos compartilhados e programação complementar também podem aumentar a conexão e a solidariedade entre os moradores, fortalecendo sua capacidade de prevenir problemas antes que surgem ou enfrentá-los à medida que surgem.
Essa é a postura adotada pela Associação de Moradores da Babilônia, em resposta a uma recente renovação da violência na comunidade: os moradores estão planejando intervenções em quatro praças comunitárias, com o propósito de obter mais “olhos na rua”, através de novas oportunidades sociais.
Por mais promissor que seja o CPTED, no entanto, existe o risco de exagerar o impacto que pode ter na prevenção da criminalidade, ao encobrir as desigualdades que estão na raiz do crime e da violência. No contexto específico do Rio de Janeiro, grande parte do desafio decorre da desigualdade, algo que não pode ser abordado apenas pelo design. A desigualdade severa no Rio pode ser vista no sistema educacional muito injusto em todos os níveis, na criminalização dos moradores de baixa renda e dos sem-teto, bem como no racismo, que contribuem para uma escassez de oportunidades para a população impactada, sendo alguns consequentemente atraídos para o crime.
O CPTED deve ser usado como uma ferramenta complementar para outras reformas muito necessárias, mas sua promessa reside no fato de que pode proporcionar aos moradores o controle sobre o planejamento urbano da comunidade e o apoio aos esforços de governança comunitária. Ao projetar e criar seus próprios espaços, os moradores estão em uma posição mais forte para exigir certos serviços municipais–como melhor iluminação e serviços de coleta de lixo–ao mesmo tempo em que reivindicam maior domínio sobre a comunidade, através da programação e uso de seus espaços públicos.
Para líderes comunitários e planejadores urbanos que procuram usar o design para melhorar áreas que enfrentam injustiça e conflitos, o objetivo principal é sempre aumentar a conexão e o senso de comunidade. O CPTED tem o potencial de reunir os membros da comunidade de forma a promover o conhecimento sobre planejamento, a apropriação do espaço e a segurança. À medida que os moradores implementam programas e disponibilizam mais espaços para a interação da comunidade, há um maior potencial para comunidades mais fortes, mais seguras e mais resilientes.
Esta é a primeira matéria de uma série de quatro partes sobre a Prevenção de Crimes Através do Design Ambiental (CPTED).
Mayu Takeda é mestranda em planejamento urbano na Harvard Graduate School of Design.