Milhares de pessoas foram às ruas de Copacabana no domingo, 17 de setembro, para participar da 10ª Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa e exigir tolerância religiosa e respeito à luz da violência contínua contra os praticantes e os locais de culto das religiões afro-brasileiras como Candomblé e Umbanda. Múltiplos grupos religiosos de toda a região metropolitana participaram para mostrar uma frente unida contra a intolerância e a violência baseada no ódio. “A passeata é para a gente poder mostrar nossa cara, combater a intolerância e fazer com que as pessoas saibam que cada um tem seu espaço, que ninguém é melhor nem pior que ninguém, e principalmente todos têm a liberdade para expressar seu dogma, sua religiosidade, sua forma de pensar”, refletiu Saulo D’Iemanjá, um praticante de Umbanda da Zona Norte do Rio.
A manifestação anual foi realizada devido a um aumento de 40% nos casos relatados de intolerância religiosa de 2016 a 2017. De fato, somente nos últimos meses, houve uma onda de manchetes sobre vários crimes baseados na intolerância, especialmente na Baixada Fluminense. Um caso, especialmente intenso, envolveu o apedrejamento à uma mulher idosa que ficou muito machucada. Incidentes como este têm aumentado em sua frequência. Grupos armados com ligações ao tráfico têm destruído locais e objetos religiosos, machucando e ameaçando indivíduos, em nome do cristianismo.
Como Saulo notou, “estes ataques não são novos”. Porém, enquanto ataques violentos já acontecem durante anos, há algo novo no fenômeno: “A gente está agora sob administração municipal de um bispo, que vestiu uma outra cara, uma outra pele, durante a campanha, falando de igualdade. A gente está começando a ver que já existe uma diferença”. O Prefeito Marcelo Crivella é um bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, uma denominação neopentecostal cristã acusada de intolerância religiosa, entre outros crimes, em lugares por todo o mundo. De fato, durante o seu tempo como prefeito, ele já presidiu um decreto que muitos criticaram como sendo preconceituoso em relação às religiões afro-brasileiras. O seu decreto, que criou uma plataforma para o licenciamento de eventos na cidade, dá à sua administração mais poder na decisão sobre quais os eventos que serão realizados e apoiados pelo governo municipal. Enquanto eventos religiosos são frequentemente rapidamente licenciados, eventos “culturais” não são; e em muitos casos os eventos religiosos afro-brasileiros são tratados pela prefeitura como culturais ao invés de religiosos e têm sido atacados por autoridades do governo. “O próprio exemplo é essa caminhada aqui. Até essa semana agora, não havia sido autorizada. Na verdade nem sei se houve [autorização] de fato”, lembrou Saulo.
Os líderes religiosos e ativistas decidiram realizar a manifestação apesar de não contar com a aprovação oficial da administração do prefeito e organizaram uma passeata bem-sucedida. Sendo ou não que grupos armados se sentem encorajados com as convicções do prefeito, o simples fato é que estes crimes baseados no ódio estão aumentando e envolvem não apenas discriminação religiosa, mas também discriminação racial. De janeiro de 2016 a maio de 2017, 1.828 casos de injustiça racial foram registrados no estado do Rio de Janeiro; as mulheres negras foram o alvo em 60% destes casos. As decisões e as atitudes de líderes políticos têm um impacto direto sobre como as comunidades e os grupos se comportam. Isto pode ser visto em lugares em todo o mundo en locais onde grupos de ódio estão crescendo com pouca reação política. Se o prefeito do Rio se manter no silêncio, estes ataques contra alguns dos mais vulneráveis da sociedade continuarão a crescer, trazendo à tona não apenas o estado da tolerância religiosa no Rio de Janeiro, mas também as predisposições morais do próprio prefeito.