Esta é a segunda matéria de uma série de quatro partes sobre a Prevenção de Crimes Através do Design Ambiental (CPTED).
Quando se trata das favelas do Rio, algo está claro–particularmente com o aniversário de 120 anos da favela mais antiga da cidade estar por acontecer este mês—o governo não tem proporcionado alternativas adequadas ou dedicado a atenção apropriada a elas por doze décadas, e não há sinal de que essa política vá mudar.
Como comunidades que emergiram devido à negligência do estado, as favelas sempre estiveram e continuam encarregadas do seu próprio planejamento urbano. Moradores não podem esperar que planejadores urbanos apareçam e salvem a situação quando enfrentam problemas que requerem soluções imediatas ou até não tão imediatas. Além disso, quando se trata de prevenir a violência, a experiência mostra que a intervenção do estado nem sempre é o que os moradores querem ou precisam.
Mesmo assim, os princípios de planejamento urbano e design para combater a violência geralmente são vistos como técnicos e inacessíveis, aparentemente só aplicáveis apenas por burocratas e pela polícia. Mesmo as técnicas da Prevenção de Crimes Através do Design Ambiental (CPTED), descritas na primeira matéria desta série, tornaram-se extremamente técnicas. No contexto da segurança, então, o que moradores das favelas podem fazer para assumir o controle?
Introduzindo o Urbanismo Tático
Durante os últimos anos, o urbanismo tático, especialmente nos Estados Unidos, tem sido um tópico muito debatido entre os urbanistas e os moradores frustrados pela vagarosa (ou inexistente) entrega dos serviços de planejamento e manutenção do governo. O urbanismo tático é caracterizado por intervenções imediatas, de baixo custo e bastante simples, que tornam um bairro ou uma área mais agradável, mais segura, ou mais eficiente. A natureza destes projetos varia. Alguns são implementados por moradores fartos da falta de ação do governo local, enquanto outros são implementados pelas prefeituras como projetos piloto ou mesmo medidas paliativas para aplacar os moradores.
É este método–o método rápido e acessível do urbanismo tático–que é extremamente promissor para tornar o inacessível, como a CPTED, acessível e até mudar a maneira como os cidadãos se engajam e conduzem o planejamento da cidade. Embora o conceito de segurança no urbanismo tático tenha sido relegado à segurança dos pedestres e dos ciclistas, ao expandir a sua utilização à segurança pública, o urbanismo tático pode dar apoio aos moradores na condução dos esforços de planejamento e de design para criar comunidades mais seguras e vibrantes.
Urbanismo Tático nas Favelas
Embora as favelas possam ser descritas como, na sua essência, o urbanismo tático para produção habitacional, o termo é aplicado mais frequentemente em contextos de privilégio. Ironicamente, nas favelas do Rio de Janeiro, foi o Favela Painting—um projeto liderado por dois artistas holandeses que arrecadaram mais de R$300.000 para “pintar toda uma favela”—que trouxe atenção internacional para o potencial do urbanismo tático mudar as percepções de uma área estigmatizada através de uma simples intervenção, embora o projeto em si não fosse barato nem conduzido pela comunidade.
Depois, em 2014, o Museu de Arte Moderna (MoMA) na Cidade de Nova Iorque promoveu uma exposição intitulada “Crescimento Desigual: Urbanismo Tático para a Expansão de Megacidades”. Como o título sugere, focalizava no urbanismo tático como sendo o ponto crucial da transformação urbana em seis megacidades, que incluía o Rio de Janeiro.
A mostra continha um catálogo sobre como transformar produtos do dia a dia em ferramentas para ativar espaços públicos e privados nas favelas. Os produtos em si são ou bem óbvios e já bastante aplicados–a primeira intervenção listada é o uso de cadeiras de plástico comuns para sentar nas favelas–ou impraticáveis, pois a maior parte dos materiais listados não são facilmente acessíveis (em um caso deve comprar as peças em uma escola de design em Zurique). E a utilidade dos resultados no catálogo são altamente questionáveis.
A exposição, particularmente no que diz respeito ao Rio de Janeiro, deixou clara a necessidade de uma melhor análise, assim como um engajamento mais profundo com as estratégias táticas já utilizadas pelos moradores das favelas.
Criticando e Transformando o Urbanismo Tático
O próprio urbanismo tático não tem sido imune a críticas, especialmente com referência à viabilidade para pessoas negras impulsionarem a tática. Ao olhar para os casos bem-sucedidos de urbanismo tático podemos ter a impressão que é uma forma de arte reservada na maior parte para os moradores ricos e brancos que estão impacientes com os serviços medíocres do seu governo local e têm tempo, energia e recursos para resolver os problemas sozinhos. Além disso, como a implementação destas estratégias pode significar infringir a lei ou pelo menos violar algum código de conduta previsto, o urbanismo tático traz a tona a política espacial, ou quem pode e não pode ocupar o espaço e participar de certos comportamentos sem ser condenado, expulso ou marginalizado.
Em 2015, um caso interessante em que estas dinâmicas aconteceram ocorreu no estado de Minnesota nos Estados Unidos. O caso centrou-se em torno do Nicolet Mall, um centro de restaurantes e de compras ao ar livre no centro de Minneapolis. Lá, JXTA, uma organização local sem fins lucrativos especializada em urbanismo tático, foi contratada para aprimorar a área deste centro de compras, uma oportunidade que eles aproveitaram para criar espaços não somente para os clientes da área, mas também para jovens negros e pardos e para a população sem-teto. Criaram espaços públicos de engajamento para os moradores através do fazer artístico, bolhas de sabão e jogos e pediram aos moradores a sua opinião sobre os diversos aspectos dos espaços urbanos. A JXTA fez com que a política espacial negra fosse uma parte explícita do seu trabalho e buscou normalizar a presença das populações estigmatizadas através destas intervenções táticas. Como parte do seu trabalho, também defenderam a revogação das leis contra pessoas que estivessem “cuspindo ou vagando” por lá, o que justificava legalmente a discriminação racial.
O que fez o trabalho da JXTA ser singular foi a criação de novos espaços para interação entre grupos diversos que consequentemente empoderaram os grupos marginalizados a ponto de engajar o governo local em uma mudança mais permanente com foco nos problemas de segurança. Eles buscaram desestigmatizar e descriminalizar as populações jovens e adultas que eram frequentemente expulsas dos espaços com a suposição de serem um perigo para o público, contestando acerca de quem podia e não podia ocupar aqueles espaços.
Unindo o Urbanismo Tático e a CPTED
Em um outro lugar, em Santa Cruz, na Califórnia, os moradores da Lower Ocean Street formaram um grupo informal do bairro para tratar de problemas de segurança na área. Usando os princípios da CPTED, pintaram por cima dos grafites, tiraram o lixo das ruas e proporcionaram atividades para as crianças. Tornaram-se, também, defensores e se aproximaram do governo local para a instalação de iluminação pública, para a abertura de um novo parque e para o fechamento de um bar com ligações ao crime organizado. Lower Ocean Street teve uma queda de 70% na sua taxa de crimes nos três anos após a formação do grupo do bairro.
Esta discussão se baseia no potencial de mesclar o urbanismo tático e a CPTED. Usando intervenções de pequena escala, baixo custo e em curto prazo, moradores locais podem ter o poder de atender as necessidades imediatas das comunidades, enquanto também mudam a percepção dos espaços e das pessoas que os ocupam. Estas estratégias são especialmente relevantes às favelas do Rio de Janeiro, onde os serviços municipais têm cronicamente servido mal as comunidades e onde as dinâmicas espaciais e o estigma continuam impedindo a segurança e a mobilidade econômica dos moradores.
Sem dúvida, o urbanismo tático esteve presente nas favelas do Rio desde o primeiro dia, mesmo que não tenha sido conhecido como tal. Nas partes três e quatro desta série, veremos exemplos na Babilônia e Asa Branca, respectivamente. Ao incorporar explicitamente o empoderamento dos moradores e levando em conta a democracia e a justiça social, o planejamento conduzido pelos cidadãos sob a forma da CPTED tática tem o potencial de criar novos caminhos para a segurança, crescimento e desenvolvimento urbano.
Esta é a segunda matéria de uma série de quatro partes sobre a Prevenção de Crimes Através do Design Ambiental (CPTED).
Mayu Takeda é mestranda em planejamento urbano na Harvard Graduate School of Design.