Em uma rua tranquila, na Barrinha, um sub-bairro da Barra da Tijuca, há uma pequena e encantadora favela de 51 famílias. Inicialmente estabelecida para alojar empregados para um grande conglomerado hoteleiro, o pequeno pedaço de terra se desenvolveu, com casas que foram passadas de um membro da família para outro, e tornou-se um pequeno “pedaço do céu” longe do trânsito intenso e barulhento que é a regra na Barra da Tijuca. No entanto, é aqui que a mais recente luta contra a remoção começou. Há pouco mais de duas semanas, a comunidade recebeu uma notificação oficial de despejo declarando que poderiam ser removidos a qualquer momento, sem aviso, sem opções alternativas, e sem indenização. Com um golpe de caneta, mais 51 famílias foram lançadas em um estado de purgatório, sem saber se ou quando as suas vidas serão completamente viradas de cabeça para baixo, com suas propriedades e lares destruídos.
Há cerca de 45 anos, estas terras eram um aterro de lixo, infestado por ratos. Foram estas terras que a empresa hoteleira, Rede Gândara, decidiu alugar como espaço de moradia para os seus empregados, que previamente moravam a horas de distância. De acordo com os moradores, a empresa eventualmente parou de pagar o aluguel e posteriormente acertou os pagamentos em atraso com o senhorio. Desde este acordo, no entanto, pouco tem sido feito oficialmente a respeito destas terras e os seus habitantes continuaram vivendo as suas vidas lá. Parece que de repente o proprietário resolveu que as terras têm valor–talvez influenciado pela especulação imobiliária na região ao redor–e que os moradores devem sair. Os moradores não conhecem a identidade do dono atual das terras, e veem a prefeitura agindo a favor do proprietário pois a prefeitura tem sido o ator visível no processo até agora.
“Eu estou me sentindo muito mal, muito triste, o tempo todo chorando. Qualquer coisa dá vontade de chorar, o tempo inteiro. A gente lá em casa não dorme direito, qualquer barulho nos deixa nervosos, porque eles falaram que a qualquer momento eles podem chegar aqui e colocar tudo no chão. Pode ser até agora. Estou chegando no ponto de depressão“, refletiu Janine Castro, uma moradora antiga da comunidade. Ela não está sozinha. Muitos moradores manifestaram condições de saúde deterioradas e alto nível de estresse. “Eu tive que falar para meu filho de nove anos que, infelizmente, poderiam vir máquinas e derrubar nossas casas”, lamentou Adriana Fagundes. Há aproximadamente 50 crianças vivendo na comunidade. Há, aproximadamente, o mesmo número de moradores jovens, de idade produtiva e idosos. O “fantasma” da remoção iminente, como é chamado por eles, tem impacto sobre todos.
Embora a situação seja complicada, uma coisa é certa: assim como a comunidade do Horto que também está enfrentando a remoção, os moradores da Barrinha vivem nestas terras porque lhes foi permitido mudar para lá. “Nós tivemos permissão para vir para cá, a gente não invadiu. Trabalhava na empresa, eu era funcionária da empresa. Eles me autorizaram a fazer casa aqui, a ficar aqui. Meus filhos nasceram aqui, se criaram aqui, tenho cinco filhos. A gente dorme com a porta aberta. O melhor lugar aqui no Rio de Janeiro, o mais tranquilo, é aqui nesse lugar”, refletiu Marinalva Rodrigues da Silva.
A comunidade está trabalhando com uma defensora pública, que irá recorrer ao extenso corpo de leis municipais, estaduais e federais estabelecidas para proteger as favelas e as comunidades de baixa renda contra as remoções. Até agora, a prefeitura não se comunicou efetivamente com a comunidade e não forneceu nenhum plano de moradia para eles.
Politicamente falando, muitos membros da comunidade sentem-se traídos. Vários frequentam a igreja do Prefeito Marcelo Crivella, e inclusive seu pastor mora exatamente no mesmo condomínio do prefeito. “Eu sinto muito, porque eu fui toda arrumada para votar no Crivella, no primeiro, e no segundo [turno], confiando por ele ser um homem de Deus, por ele conhecer a palavra. E agora Crivella está fazendo isso com a gente. Nós estamos lutando porque a gente não tem uma moradia digna, como o Crivella tem”, afirmou a ex-presidente da Associação dos Moradores, Maria Geni Andrade Costa. Ela não fui a única moradora a votar no Crivella, a acreditar na sua retórica de cuidar dos pobres e necessitados. “O nossa prefeito disse que vai cuidar das famílias, mas hoje está tentando tirar as pessoas. Acho que ele falou uma coisa, agora está cumprido outra”, declarou Delson Jorge.
Outra pessoa para o qual os moradores apontam é o atual Secretário Municipal de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação, Índio da Costa, um político de carreira que pretende candidatar-se a governador do estado nas próximas eleições em 2018. Um representante da prefeitura informalmente contou à comunidade que o mandato de remoção encontrava-se na mesa de Índio aguardando assinatura, e explicou: “O papel para assinar está na mesa do Índio. Na hora que ele escrever, não tem como, é demolição na certa”. Índio da Costa já agiu contra os princípios do seu próprio cargo arrancando inúmeras árvores e construindo a sua mansão na floresta com vista para o bairro do Jardim Botânico.
Também há boatos circulando que o colégio particular pH está de olho na terra. Os moradores dizem que a empresa atualmente é proprietária das terras diretamente ao lado da comunidade e tem lentamente comprado as propriedades vizinhas ao longo dos anos. Acreditam que a empresa educacional agora está buscando mais terras.
Ao enfrentar a remoção, a habitação alternativa é obviamente uma preocupação imediata para os moradores. A presidente atual da Associação dos Moradores, Jaqueline Andrade Costa, observou com preocupação que sob o Presidente Michel Temer o governo federal drasticamente cortou os investimentos no programa Minha Casa Minha Vida este ano. Além disso, o orçamento federal atualmente não conta com outros investimentos no programa para 2018. A indenização não parece estar na mesa.
O prefeito promove a sua capacidade de cuidar do povo, porém esta remoção iminente demonstra o contrário. Adriana Fagundes acrescentou: “Somos famílias. Eles mandaram uma notificação para a gente, como se não fossemos nada. Mandaram uma notificação dizendo que irão demolir nossas casas, isso é imoral. Nós somos pessoas, vamos fazer o quê? Vamos embora? Não é assim. Ele [Crivella] tem que tratar as pessoas como seres humanos, como igual, e ele não esta fazendo isso. Tanta coisa que Crivella tem que fazer, tanta coisa faltando aqui nesse estado, e eles querem demolir casas de pessoas trabalhadoras”.
Como no passado e em outros casos de ameaças em curso no Rio, parece que as pessoas são as últimas a serem consideradas nas mentes das autoridades públicas; o dinheiro e as promessas políticas estão em primeiro lugar. O povo sofre. Como o morador Marcos Antonio refletiu: “Cresci aqui dentro. É isso que eu conheço como moradia, como o meu lugar. Nesse momento estou me sentindo traído porque não tem nada mais sagrado, nada mais seguro [do que o nosso lar]. Pessoas que contaram com nossos votos, estão querendo tirar nossas casas, e não te dão uma perspectiva de nada, não te dão segurança nenhuma”.