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O Jardim Botânico do Rio de Janeiro vem ameaçando de remoção a comunidade do Horto, a mesma que tem cuidado da “área mais conservada” da Floresta da Tijuca por duzentos anos. Recentemente, os moradores do Horto foram avisados por uma fonte confiável de que o presidente do Jardim Botânico, Sérgio Besserman Vianna, tinha pedido o suporte da Polícia Militar para fazer remoções, e a comunidade se mobilizou em resposta mais uma vez. A comunidade tem sobrevivido à remoção relâmpago, tropa de choque e especulação imobiliária. O RioOnWatch conversou com seis moradores do Horto sobre a luta de 32 anos pela permanência na terra.
Emerson de Souza, o Presidente atual da Associação de Moradores e Amigos do Horto (AMAHOR), é o neto de João Batista de Souza Santos, um dos bibliotecários e jardineiros originários do Jardim Botânico.
Emerson: “A realidade é que a gente vive na parte mais preservada da Floresta da Tijuca. E essa parte mais preservada não é assim atoa. Teve motivo. E o motivo foi a própria existência da comunidade aqui porque ela foi criada para isso.
Então, na época dos meus avós, dos meus pais, eram essas as pessoas que iam para a floresta apagar incêndio, e quando tinha algum problema ambiental. Enfim, remanejamento florestal, todas essas coisas sempre foram feitas aqui pelas pessoas dessa comunidade, o Horto Florestal.”
Seu Jorge é jardineiro formado no Palácio do Catete, ele trabalhou no Jardim Botânico e deu aula de plantio no Horto. No seu ver, o Jardim Botânico tem sido irresponsável ao trazer espécies de plantas não nativas à área, como a biribá e o jamelão, e ao jogar fora mudas que poderiam ser doadas.
Emerson: “O Jorge é alguém que trabalha com isso, e todo mundo o conhece. A gente passa no lugar, cheio de terra, desmatado, e depois passa no mês seguinte, e tá lá, cheio de plantas, tudo bonito. Mas aí as pessoas acabam não relacionando aquelas plantas à atividade de uma pessoa que foi lá e plantou. Que rega todo dia. Temos bons projetos, temos bons profissionais aqui na localidade.”
Jacqueline da Silva é neta do Folha Seca, o primeiro jardineiro de carteira assinada do Jardim Botânico do Rio de Janeiro falecido esse ano. O pai dela morreu trabalhando para o Jardim Botânico, ao cair de uma árvore coletando sementes.
Jacqueline: “Quem foi que plantou aqui essas duas palmeiras, aquela mangueira, aquele pau mulato, pau ferro? Foi a elite do Jardim Botânico que está aqui há 10 anos? Foi o novo presidente do Jardim Botânico? Não. Foi eu, foi meu pai, foi minha mãe, foi o avô do Emerson. Aquela mangueira ali quem plantou foi a Tia Elza. Não foram eles que vieram aqui arborizar o Horto. Quem arborizou o Horto foram os moradores do Horto. Então vamos para a luta. E não vamos permitir que injustiças sejam feitas com os moradores do Horto.”
Para chegar à sua casa centenária, Pedro Paulo Marins Maciel tem que entrar pelo portão do Jardim Botânico. Pedro herdou a casa do avô, que era jardineiro do Jardim Botânico e construiu a casa com a autorização do então diretor do Jardim Botânico. Na época, a casa ficava no meio do mato para que os moradores pudessem estar de vigília 24 horas caso caísse um balão, ou se o mato pegasse fogo num verão forte. Mas em 2005, a administração do Jardim Botânico colocou um muro para aumentar os limites do parque. A casa do Pedro acabou ficando dentro do Jardim Botânico, isolada do resto da comunidade.
Pedro: “Eles me colocaram dentro do parque. Os invasores são eles. Não eu. Eles que invadiram meu território. O verde deles não é o verde da natureza não, isso é balela. É o verde do dólar. É a ganância. Os moradores amam o parque. Aí o que acontece é um misto de amor e ódio. Porque você acaba ficando com ódio do parque por causa dos administradores. Mas os administradores passam. O parque fica. E o parque é nossa raiz, é nossa história.”
Seu Zeca mostra o apito do avô, que era um dos antigas guardas do Jardim Botânico.
Seu Zeca: “Eles roubaram muitas árvores nativas para fazerem as mansões. A burguesia insiste em tirar a comunidade pobre dessa área. Eu acho que eles não deveriam nem pensar nesse aspecto. O quê que eles poderiam fazer era uma organização para preservação e para manter essa comunidade organizada e limpa.”
Seu Otacílio veio morar no Horto em 1942, quando seu pai começou a trabalhar no Jardim Botânico e recebeu a autorização para construir sua casa no terreno. Otacílio considerava aquele lugar, e a casa de um quarto onde morava com o pai, a mãe e os cinco irmãos, um paraíso. Disse que já passou muitos dias no mato das sete horas da manhã até quatro horas da tarde, só andando. “Já não tem lugar pra entrar dentro do mato”, seu Otacílio lamenta. “Está cheio de casarão”.
Seu Otacílio: “Qual é o chefe de família que vai ter tranquilidade ao imaginar que vai trabalhar e que a qualquer momento pode tocar o telefone e ouvir que ‘a polícia está lá na sua casa querendo tirar todo mundo’? Nós não somos bichos. E não estamos matando árvores nem nada aqui.”
Como parte da luta pela moradia, o AMAHOR tem organizado cursos de costura e cerâmica gratuitos para toda a comunidade. O curso serve para fortalecer a comunidade, reaproveitar materiais e gerar uma renda alternativa para os alunos no futuro, a partir da economia solidaria. Como explica Emília de Souza, anterior presidente do AMAHOR:
“A sociedade, a imprensa, essa mídia formal, o quê que eles fazem? Eles tentam a todo momento criminalizar a comunidade, chamando de invasores, depredadores do ambiente. Teve inclusive um jornalista que fez uma matéria bastante depreciativa dizendo que a comunidade só servia para reproduzir como se fôssemos animais.
Esse projeto, ele é uma ação também de fortalecimento da comunidade, porque com essas ações a gente está mostrando que tem potencial, que a comunidade tem potencial para estar se inserindo de uma forma solidária, sustentável. Com isso, a gente vai passo a passo conscientizando as pessoas que não existe essa coisa de invasores depredadores. Que a gente está aqui para construir e contribuir com a sociedade.”