Pintor da Rocinha Promove Empoderamento Negro na ‘Igreja da Arte’

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Maxwell Alexandre é um pintor de 27 anos nascido e criado na Rocinha. Sua exposição individual–intitulada ‘Pardo é Papel‘, devido à cor do papel em que pinta e aos temas raciais que explora–teve lugar no último fim de semana no Complexo Esportivo da Rocinha. O artista faz parte de um pequeno coletivo que iniciou sua própria igreja–embora seja uma igreja de um tipo incomum. Alexandre coloca de forma simples: “É uma igreja da arte. Apenas isso”. Alternativamente, referido como a Igreja do Reino da Arte, ou às vezes A Noiva–uma espécie de oferenda simbólica à divindade da arte.

A exibição de Alexandre fez parte de uma série de exposições mensais organizada pelos artistas e designers da A Noiva para mostrarem seus trabalhos, sempre aberta ao público. Eles nomearam a série de exposições de “Dízimo”, já que 10% das doações são reinvestidas na igreja. Cada exposição está em um espaço de escolha do artista e apresenta obras de sua escolha. “Pardo é Papel” foi o segundo Dízimo de Alexandre, que durou apenas um dia. Designer e membro fundador de A Noiva, Raoni Azevedo, estende a analogia da “Igreja da Arte” com uma referência bíblica que enfatiza a natureza coletiva do trabalho: “A Noiva só existe quando nos reunimos. Como está na Bíblia: ‘Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles’. Mateus. 18:20′”.

Alexandre tem pintado há três anos, mas sua trajetória era bastante diferente antes de se tornar um artista. Ele tinha 18 anos quando se alistou no exército como exigido por lei e, após um ano de serviço, ele se tornou um patinador inline profissional. Interessado em arte, ele tentou combinar ambas atividades: “Comecei com a pintura abstrata, porque foi uma transição da minha carreira em patins para arte”. Ele explica que “colocava tinta no chão” e fazia manobras de patins sobre a tela, criando linhas abstratas rápidas, de modo que ele “não teria muito controle sobre o desenho ou a pintura”. Trata-se de tentar imitar os movimentos de patins com a tinta. “Minha questão era como eu poderia colocar o mesmo sentimento na minha pintura”, explica ele.

Hoje em dia, o estilo de Alexandre floresceu. Ele exibe seu trabalho em espaços como a galeria A Gentil Carioca, no Centro, e na prestigiada galeria Carpintaria no bairro Jardim Botânico. Regina Casé, atriz e apresentadora de televisão que esteve presente na exposição, expressou sua apreciação pelo trabalho e disse no Instagram Stories que Alexandre “é a coisa mais importante acontecendo no Rio no momento”.

Geralmente, ele exibe sua arte em espaços reminiscentes da teoria do cubo branco–espaço branco minimalista, muitas vezes preferido para apresentar arte abstrata e contemporânea–neste caso, Alexandre escolheu realizar esta exposição em seu antigo estúdio no Complexo Esportivo da Rocinha. “Meu primeiro estúdio era no Complexo, então estou terminando meu ciclo lá. Começou há dois anos, foi minha primeira experiência em um estúdio. Foi o meu momento mais intenso como artista”. Ele continua: “A minha decisão de fazer a minha [mostra] foi para dar uma chance às pessoas que me conhecem [assistirem], e [afirmar] a minha prática de conhecer meu lugar [na Rocinha]. Foi uma chance de honrar e terminar o ciclo”.

Na verdade, a escolha do espaço é incomum. Entre ringues de boxe, manobras de skates e o persistente cheiro de esgoto, Alexandre exibiu 11 de suas maiores peças, todas com 4,75 x 3,60 metros. A exposição levou cerca de nove horas para ser montada e apenas 30 minutos para ser desmontada.

As peças eram simplesmente impressionantes, tanto pelo tamanho quanto pelo conteúdo. As peças representavam cenas da vida cotidiana na Rocinha, como por exemplo: a codificação da presença policial e de escolas públicas misturando-as com imagens poderosas. Alexandre acredita que “esta série é tão importante porque trata de uma questão realmente contemporânea, o empoderamento dos negros“. Ao ser questionado se deveria se unir aos movimentos de protestos como, por exemplo, a recente marcha pela paz realizada pelos moradores da Rocinha e Vidigal, ele respondeu: “Eu acho que é importante com certeza, mas porque sou tímido e solitário, não me sinto à vontade para fazer parte dessa luta”. Ele continuou: “Precisamos ter ambos os tipos para ir à guerra. Quando você vai ao protesto gritar, isto é imediato. Minha pintura é mais duradoura. Eu acredito que às vezes temos que criticar o racismo face a face, mas não tenho coragem de [realmente] socar o rosto de alguém, então minha pintura é um soco na cara”. É assim que ele vê a exposição Pardo é Papel. “Eu prefiro a pintura, porque a pintura não é imediata”, ele reflete.

Embora suas pinturas abordem temas locais, o artista sente que o tipo de arte contemporânea que ele faz, não é muito presente ou apreciado nas favelas. Ele diz com um meio sorriso: “As pessoas olham para mim como se eu fosse louco, elas não respeitam meu trabalho”. Ao ser questionado se é afetado por isso, ele responde: “É claro que isso me afeta… Afeta minha prática, meu comportamento”.

“A arte é um privilégio”, ele explica. Ele é crítico em relação ao mercado de arte no Rio de Janeiro, pois considera um campo que parece apenas acessível aos moradores privilegiados, de classe alta, da Zona Sul e é, potencialmente, até mesmo deliberadamente mantido dessa forma. “É dito que a arte é para todos, a arte vai salvar o mundo, mas não é verdade… Se você pensar sobre isso, é muito importante para o mercado de arte manter a arte como um privilégio. Penso que este é o maior problema do mundo da arte, porque o processo criativo se perde nesta luta”.

Por exemplo, o público da mostra de arte incluía alguns visitantes da Rocinha, mas haviam mais curadores de galeria, colecionadores e agentes de arte do asfalto. Alexandre suspeita que “vieram poucas pessoas da comunidade, porque eram pinturas e os códigos da pintura são de uma área privilegiada”.

É aqui que entra a igreja A Noiva. O coletivo de artistas e designers–com moradores de favelas e do asfalto–está simultaneamente ultrapassando os limites do mercado de arte e tocando questões de igreja e religião. “Eu acho que A Noiva é importante porque temos a chance de fazer coisas que não temos chance de fazer em um sistema institucional de arte. Por exemplo, em A Noiva criamos uma área onde se pode apresentar trabalhos inacabados”, explica Alexandre. Um co-fundador de A Noiva, Raoni, ecoa Alexandre quando reflete: “Uma vez que a maioria dos encontros artísticos são realizados por instituições de arte bem estabelecidas, A Noiva tenta criar uma cena alternativa, mais acessível, onde qualquer um pode mostrar seu trabalho e todos são bem-vindos”.

Então, como se faz parte dessa igreja, esse reino da liberdade artística? Como Alexandre responde: “É como qualquer outra igreja, você só precisa aparecer”.

O trabalho de Maxwell Alexandre estará em exibição na galeria A Gentil Carioca até 10 de março e será apresentado em uma mostra coletiva na galeria Carpintaria em abril. Confira seu trabalho no Instagram e saiba mais sobre A Noiva enviando um e-mail para a.noiva.igreja@gmail.com.