No dia 17 de maio, os povos indígenas do estado do Rio inauguraram o Conselho Estadual dos Direitos Indígenas (CEDIND) no prédio da OAB no Centro da cidade. A cerimônia reuniu antigos ativistas indígenas e gerações mais novas, constituindo um marco importante numa longa história da luta indígena no Rio de Janeiro.
Uma vitória coletiva
A missão do Conselho é garantir a visibilidade e o bem-estar dos povos indígenas no estado do Rio, tanto nas áreas rurais como nas urbanas. Isto será feito fortalecendo as redes entre eles e defendendo os seus interesses, propondo políticas públicas e iniciativas governamentais numa variedade de áreas tais como proteção ambiental, educação, saúde, moradia, e direito à terra. O Conselho é o resultado de mobilizações indígenas de base do Rio, das quais a conhecida ocupação da Aldeia Maracanã (2006-2013) foi um elemento chave. “O Conselho realmente é uma luta coletiva e pertence a todos nós”, Marize Guarani observou.
Os participantes da inauguração nomearam as organizações indígenas baseadas no Rio para ocupar a metade dos lugares do Conselho. Estas organizações incluíram a Associação Indígena Aldeia Maracanã (AIAM), a Rede Grumin de Mulheres Indígenas, o Movimento Ressurgência Puri, o Instituto Dos Saberes Dos Povos Originários Aldeia Jacutinga (ISPOAJ), o Centro de Referência da Cultura dos Povos Indígenas—Aldeia Maracanã, e a Associação Universitária Latino Americana (AULA). Representantes dos indígenas Guarani do Rio e da tribo Pataxó ocupam os outros lugares. Respeitando os costumes indígenas, a nomeação deste último grupo de representantes foi uma decisão interna de cada comunidade e da sua liderança.
Rompendo com o plano original, que determinava que o Conselho elegeria um presidente, os participantes indígenas elegeram dois presidentes para representar as realidades dos povos indígenas rurais e urbanos. Carlos Tukano, atual presidente da Associação Indígena Aldeia Maracanã, representará os povos indígenas que vivem no contexto urbano. Nino Wera’i, vice-cacique da Aldeia Araponga em Paraty, no estado do Rio, representará as comunidades indígenas rurais no Rio de Janeiro.
A sugestão veio da escritora e ativista Eliane Potiguara. “A gente não precisa seguir as regras do não-indígena, a gente pode criar a nossa própria liderança”, ela afirmou ao grupo, quando os dois candidatos foram nomeados para concorrer ao cargo de presidente. “Eu posso ver que a gente tem dois tipos de grupo aqui, um da cidade e um aldeado, das aldeias. Então eu sugiro que a gente quebre as regras aqui, porque a gente que é a prioridade nesse Conselho”, ela propôs, e foi muito aplaudida. Isto reflete a maneira indígena de resolver um possível conflito, cedendo, ouvindo o ‘outro’, e encontrando uma oportunidade para dialogarem e se unirem onde outros chegariam a um impasse.
Através dos seus representantes, o Conselho irá conectar a variedade das iniciativas indígenas e dos grupos no Rio com os órgãos governamentais relevantes, incluindo as secretarias estaduais e municipais tais como a Superintendência de Igualdade Racial e a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, bem como diversas universidades públicas do Rio e a Defensoria Pública. A Secretaria Estadual dos Direitos Humanos e Políticas para Mulheres e Idosos (SEDHMI) coordenará o Conselho Estadual dos Direitos Indígenas.
Da Aldeia Maracanã para o Conselho Estadual dos Direitos Indígenas
“Este Conselho, praticamente, começou lá na Aldeia Maracanã”, afirmou Afonso Apurinã. De 2006 a 2013, a Aldeia Marcanã foi uma ocupação indígena do prédio abandonado do antigo Museu do Índio, que foi transferido para Botafogo nos 1970. Povos que representavam diferentes grupos étnicos indígenas entraram no prédio com a missão de centralizar o movimento crescente em um só lugar, criar um espaço indígena de vida e habitação coletiva, e trazer visibilidade aos povos indígenas no Rio.
Ao nível federal, o Brasil ainda não reconhece oficialmente ou atende às necessidades específicas dos povos indígenas urbanos, enquanto as comunidades indígenas continuam lutando contra a negligência do governo, desapropriação, violência e marginalização, apesar das promessas na Constituição de 1988. O Conselho torna evidente a presença e a visão política dos povos indígenas no Rio.
“A nossa luta naquele período [Aldeia Maracanã] era pela visibilidade dos povos indígenas no contexto urbano e nas aldeias do estado do Rio de Janeiro”, disse Marize Guarani. “Essa luta sempre foi por política pública”, ela continuou, “porque se você não tem visibilidade, você não tem política pública”.
Os moradores da Aldeia Maracanã foram removidos durante os preparativos para os megaeventos de 2014 e 2016 pelo ex-governador Sérgio Cabral. Antes da sua remoção em 2013, conseguiram salvar o prédio da demolição registrando-o como patrimônio histórico e parte do grupo fez um acordo com a Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro para reformar o museu abandonado e transformá-lo no Centro de Referência da Cultura dos Povos Indígenas/Universidade Indígena. O Centro de Referência será administrado em parceria entre a Associação Indígena Aldeia Maracanã, o Conselho Estadual dos Direitos Indígenas, e o Governo do Estado do Rio de Janeiro. Um item importante na agenda do Conselho, portanto, é lutar pela restauração prometida do prédio, o que ainda não aconteceu devido a restrições orçamentárias do governo.
Direitos e demandas indígenas no presente e no futuro
Nino Wera’i, co-presidente do Conselho, afirmou que uma questão prioritária para as comunidades indígenas nas áreas rurais é a educação—especialmente a formação e supervisão pedagógica dos professores comunitários. A demarcação de algumas terras indígenas ainda está incompleta e é uma outra preocupação primordial.
Na cidade, vários membros do Conselho ressaltaram a importância da implementação da Lei 11,645, que torna a cultura e história afro-brasileira e indígena obrigatória nos currículos escolares. “A educação ainda é muito eurocêntrica, não se discute as questões africanas nem as indígenas” afirmou Marize Guarani. Esta prioridade está ligada à luta contínua dos participantes do Conselho de trazer visibilidade à memória e história indígena no Brasil. Na área da saúde, a especificidade dos povos indígenas, seus tipos de conhecimento, e suas práticas de cura são outras questões a serem discutidas. Além disso, Carlos Tukano ressaltou a falta de emprego, formação profissional e oportunidades de educação superior para os povos indígenas na cidade.
Muitos participantes observaram como as realidades dos povos indígenas na cidade do Rio frequentemente coincidem com as das populações negras e pobres. Este é o caso, por exemplo, da moradia. Nas palavras da Marize Guarani, “na favela sabemos que há uma população negra, mas não falamos que também há uma população indígena lá, que é totalmente invisível apesar de sofrer a mesma violência”.
O Conselho engaja diferentes órgãos governamentais para discutir e atender a estas demandas variadas. Os representantes indígenas ressaltaram o seu compromisso de fortalecer as redes entre os povos indígenas urbanos e rurais do Rio para trazer visibilidade às suas realidades e dar voz às suas necessidades.
“Este Conselho nasce depois de 518 anos do genocídio dos povos indígenas”, ressaltou o ambientalista Sérgio Ricardo. É mais um passo para mostrar que os povos indígenas estão aqui para ficar, e que lutarão por aquilo que lhes é de direito como sendo os povos originais do Brasil.