Em outubro de 2017, três pequenas casas em construção foram marcadas e posteriormente demolidas em Araçatiba, Barra de Guaratiba, destruindo o investimento físico e financeiro das famílias e deixando diversos indivíduos sem ter onde morar. Menos de um ano depois, os moradores estão em pânico novamente depois de receber a notícia que o governo federal está iniciando um processo para destruir mais três casas na comunidade, possivelmente abrindo caminho para colocar um total de 60 casas em risco. A história de Araçatiba é longa e complexa, com o controle da terra passando por diversos órgãos governamentais durante várias décadas. No entanto os moradores–muitos dos quais vivem na área há mais de 40 anos–acreditam que a lei 13.465 de 2017 que permite a regularização de lotes em terras federais irá ajudá-los na sua luta para permanecer.
Araçatiba está localizada numa luxuriante área verde em Guaratiba, na extrema Zona Oeste do Rio de Janeiro à beira da Reserva Biológica Estadual de Guaratiba agora administrada pelo Instituto Estadual do Meio Ambiente (INEA). Para chegar à comunidade, muitos moradores do Rio teriam que tomar uma combinação de ônibus ou metrô e ônibus, mas provavelmente a área é mais familiar do que se supõem. Em 1977, o conglomerado de mídia Globo começou a usar a área para gravar as suas famosas novelas, e o local pode ser visto em Kubanacan, Rei do Gado, e América, entre outras. Isto continuou até 1986, e grande parte da infraestrutura daqueles dias foi simplesmente deixada na região. A área, controlada pelo Exército naquela época, foi sendo usada durante anos por alguns para assentar novos moradores realocadas para lá pelo próprio Exército.
Em 2006, as terras foram transferidas do Exército para o controle do governo federal e posteriormente passaram a estar sob a administração do recém-formado INEA. Araçatiba foi deixada fora dos limites oficiais da Reserva. Moradores lutaram para obter títulos dos seus lotes e em 2012 o governo federal começou a registrar as moradias, o passo inicial no processo de titulação. Entretanto, enquanto a maioria das casas foi registrada, algumas ficaram de fora e as casas construídas posteriormente nem foram registradas. Em 2014, o governo federal iniciou um processo para remover vários moradores da área, mas o processo parou depois de três meses e não retornou. Ao passo em que o município mandou que os moradores parassem todas as novas construções, o então prefeito Eduardo Paes prometeu que não haveria mais remoções na comunidade. Os moradores encontraram-se em um limbo; acreditavam que havia um fundamento legal para estarem lá, mas temiam desenvolver e melhorar a sua comunidade no caso de não dar em nada.
Com um novo prefeito eleito em 2016, o pesadelo da remoção tornou-se realidade em 3 de outubro de 2017 quando três casas foram demolidas. A equipe da demolição até se enganou, destruindo uma casa que não deveria ter sido destruída. Desde então, a comunidade está ativamente lutando contra a ameaça da remoção, mas os horrores daquele dia estão marcados na sua memória coletiva. “O Ministério Público Federal nunca veio conversar com a comissão dos moradores”, lembrou Ana Frimerman, membro da nova Comissão dos Moradores de Araçatiba. Ela explicou que o governo federal avisou apenas a um homem que se dizia presidente da Associação dos Moradores na época, e que deixou de repassar a informação. A partir de 18 de abril de 2018, o governo federal novamente iniciou um processo de remover moradores. Até agora, três casas estão enfrentando a demolição, com o governo federal citando risco ao ecosistema local como motivo para a remoção.
“Seria necessário remover o bairro inteiro de Guaratiba, não apenas uma parte. É uma ação totalmente sem sentido. Não e só Araçatiba que não tem saneamento básico. Barra de Guaratiba toda quase não tem saneamento básico”, afirma Ana.
Moradores dizem que o governo federal está pressionando a Light a cortar a eletricidade na comunidade numa tentativa de retirá-los. “Isso é uma forma de tirar deles a opção de continuar no local. Tirar o fornecimento é fazer com que desistam de lutar. É pura covardia”, afirmou Marcello Cláudio Nunes Deodoro, um morador da favela Indiana na Tijuca e membro do Conselho Popular que representou Araçatiba numa audiência pública em Brasília em 24 de maio.
No entanto, os moradores têm esperança. A lei federal aprovada em 11 de julho de 2017 pelo Presidente Michel Temer promove a regularização de lotes em terras federais. Os moradores de Araçatiba e o seu representante na Defensoria Pública têm citado esta lei como um meio para os moradores receberem a titulação da terra. Infelizmente, o advogado encarregado de tratar do caso em nome do governo federal, Raphael Carneiro da Rocha Filho, não demonstra sinal algum de estar interessado em explorar as opções para garantir a permanência da comunidade. Ao invés disso, o governo federal está tentando algo um tanto absurdo: de acordo com os documentos da Defensoria Pública entregues aos membros da comunidade de Araçatiba, o governo federal planeja usar a terra, que ficaria vazia após a atual remoção dos moradores, para reassentar 17 famílias que atualmente moram dentro dos limites da Reserva Biológica Estadual de Guaratiba. O governo cita proteção ambiental como justificativa para a remoção destas 17 famílias da Reserva.
A Polícia Federal deve chegar à comunidade ainda esta semana para entregar a notificação de despejo, mas os moradores esperam que algo seja feito para parar o processo. Ana concluiu: “Em momento algum veio uma autoridade conversar, trazer projetos, fazer melhorias. As pessoas dizem que somos invasores, mas a maioria daqui juntou tudo que tinha e comprou os antigos lotes. Não é justo. Não é justo o Ministério Público Federal se basear em leis antigas, leis ultrapassadas. A gente quer justiça, justiça real”.