Após algum tempo parado, o OsteRio, evento que propõe debater o futuro do Rio de Janeiro e cujo atual anfitrião é Manuel Thedim, diretor executivo do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (IETS), retorna em novo endereço, no Jardim Botânico, Zona Sul da cidade. Na edição do dia 28 de maio, discutiu-se sobre “Planejamento urbano, arquitetura e a segurança na cidade”, tema de especial interesse em um cenário de aumento do medo e da narrativa de insegurança que justificou até uma intervenção federal militar na cidade. O ponto que perpassou de alguma forma todas as falas foi o reconhecimento de que questões de segurança pública e de desenvolvimento urbano são intimamente interligadas e se materializam muito fortemente nas favelas e que ambas as dimensões precisam estar a serviço da redução das desigualdades.
Pedro da Luz, atual presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil-Rio (IAB-Rio), falando sobre o impacto para a segurança do planejamento urbano e do impacto da segurança para o planejamento urbano, relembrou o papel histórico do IAB na luta pela urbanização de favelas e por sua integração, sem que hajam remoções, nas cidades, além da experiência na escolha dos arquitetos responsáveis por programas como o Favela-Bairro, o Morar Carioca e o Plano Diretor da Rocinha. No caso desse último, ele lembrou que o escritório vencedor organizou dois seminários na Rocinha, um inclusive com crianças para que desenhassem o que queriam para a comunidade–antes mesmo da escolha e com o risco de não vencerem o concurso–de forma que criaram uma mobilização interna na comunidade. O poder público, no entanto, mudou as diretrizes do projeto de modo autoritário e, em vez dos quatro planos inclinados previstos no projeto para melhorar a mobilidade, que custariam cerca de R$70 milhões (incluindo os reassentamentos necessários), anunciou um teleférico ao custo de R$700 milhões, que foi amplamente resistido pelos moradores.
A Rocinha, em particular, é uma favela que está frequentemente em evidência, não só pelas intervenções urbanas como as já descritas, mas pelos conflitos que a marcaram nos meses que antecederam a intervenção militar-federal. Para Pedro, um dos motivos da falha das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) na garantia da segurança na comunidade é que a lógica da UPP é uma lógica espacializada, de forma que ela não poderia ter sido transplantada nos mesmos moldes de uma favela pequena como Santa Marta para favelas como a Rocinha.
“As favelas do Rio são um potencial incrível. Durante minhas caminhadas não param de passar vans que param no Prazeres, no Fallet para tirar fotos. E distribuem uma série de panfletos de bares e restaurantes para os turistas! E eles vão!”, disse ele. “A cidade nunca viu [as favelas] de maneira positiva. É preciso ver como potência, como resistência. Como uma população que consegue dessa forma morar perto do trabalho, como uma economia que roda. Sem romantizar, reconhecendo os problemas. Será que queremos continuar sendo essa cidade partida? Que tem esse grau de urbanização tão diferente entre Ipanema e São Gonçalo?”
Já Pedro Strozenberg, secretário-executivo do Instituto de Estudos da Religião (ISER) e ouvidor-geral da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, comentou sobre o retorno do cenário percebido nos anos 90, de medo e insegurança, mas também de renovação e esperança, de intervenções urbanas inovadoras e criativas. Criticou soluções urbanas rasas para a segurança pública, como foi o caso da prefeitura de Nilópolis que propôs construir muros em torno de vias expressas–“segurança para quem?”, questionou. Para ele, o planejamento urbano não pode ser um mecanismo de exclusão: “Óbvio que a ordem é importante. Mas como que essa ordem convive com a liberdade, com a não exclusão?”.
Para ele, os desafios da segurança estão na gestão por parte do Estado–visto que grande parte das mortes são cometidas pelo próprio Estado–na inclusão da participação social em sua concepção e na redução das desigualdades. E disse que o desafio mais geral para os tomadores de decisão é o equilíbrio entre a ênfase nas políticas de segurança e nas outras dimensões da gestão pública: “Quando você gasta mais com o sistema prisional e de segurança em detrimento da saúde e da educação, você determina o tipo de cidade que iremos ter”. No caso específico das políticas de urbanismo, ele disse ser preciso atentar para a linha tênue que separa um planejamento urbano pautado pela segurança, que reproduz desigualdades e violências de Estado, e um planejamento urbano que inclui a segurança.
Washington Fajardo, arquiteto e urbanista e colunista de O Globo, por sua vez, ressaltou que nem todos os cidadãos estão utilizando o espaço público da mesma forma e que um grande contingente populacional, notadamente os negros, ficam frequentemente excluídos dele. “Se a favela representa uma solução para [essas pessoas] que não tiverem o Estado, precisamos corrigir esse passivo, mas também garantir que essa juventude acesse os espaços internos das cidades”. Para ele, é preciso que a cidade seja um espaço de verdadeiro diálogo e não só uma conversa entre iguais.
Ele destacou também que o desenvolvimento no Rio têm se dado “por soluços, não por continuidade”, fazendo referência aos sucessivos programas de urbanização, que se sobrepõem sem levar em consideração o conhecimento produzido pelo anterior. Além de uma continuidade entre as políticas, ele disse ser preciso incluir a noção de agência nas políticas habitacionais, de monumentos, no planejamento urbano.
Manuel Thedim, em sua posição de mediador da conversa, conectou as falas afirmando que, para ele, o futuro será pautado por valores de diversidade, de empatia e de encontro, todos vistos a partir de um viés territorial. Para ele, é o encontro de diferentes no território e a circulação no território que podem nos levar mais perto de uma solução.