Iniciativa: Rocinha Histórica
Contato: Facebook | Email
Ano de Fundação: 2014
Comunidade: Rocinha
Missão: Rocinha Histórica Tour, na favela da Rocinha, oferece a experiência de vivenciar positivamente o cotidiano da comunidade.
Eventos Públicos: Com mais de 100.000 moradores, cruzamos a pé becos e vielas. Rocinha Histórica divulga as próximas datas de passeios em sua página do Facebook; a participação pode ser agendada pelo WhatsApp (+21 99099 7006) ou pelo Facebook. No dia 19 de maio de 2018, o Rocinha Histórica comemorou a Semana de Museus com um tour pela Rocinha e uma mesa-redonda que debateu o tema “Memória/Turismos de Base Comunitária/Violações de Direitos”.
“É enorme. E a história dela é maior ainda.” Essa é a apresentação, por Fernando Ermiro, da Rocinha, a maior e uma das mais conhecidas favelas do Rio, na Zona Sul da cidade.
Se tem alguém que pode falar da história da comunidade, é ele. Nascido e criado na Rocinha–ele se auto-denomina “autóctone” da comunidade–Fernando é formado em História pela PUC-Rio. Apesar de ter frequentado uma universidade particular e seleta, Fernando encontrou falhas nas aulas de história. “Dentro do curso de história, o que me interessava? História do Brasil, História das Américas. Mas nada fazia sentido. Eu não tinha nenhuma identificação com aquela história. A História do Brasil [como ensinada] não tem nada a ver com o povo brasileiro”. A partir dessa crítica aos estudos tradicionais da história, surgiu a vontade de Fernando em concentrar-se nas histórias da sua própria comunidade, sua história social.
Fernando coordena dois projetos interligados que promovem essa missão. O mais antigo dos dois, o Museus Sankofa, foi construído por moradores da Rocinha há mais de uma década para criar uma “memória coletiva” e preservar “as pessoas, as histórias, como viviam, porquê vieram [para a Rocinha], a forma de sustento, como era a vida anterior. Tudo isso”. O Museu Sankofa nasceu de uma série de encontros para a publicação de um livro, a criação de um site e de parcerias com organizações de abrangência nacional, como o Instituto Brasileiro de Museus, e local, como o Museu da Maré e o Museu de Favela. Dessa experiência com museus comunitários surgiu a ideia de desenvolver um “museu walking” (museu de caminhada). Quatro anos depois, Fernando e seu parceiro do Museu Sankofa, Antônio Carlos Firmino, criaram o Rocinha Histórica. No entanto, as pessoas normalmente concebem a história, Fernando diz, “virtualmente, ou escrevendo, ou academicamente… [Mas] a gente faz andando”.
Os favela tours conduzidos por moradores, como o Rocinha Histórica, trabalham para substituir o “turismo de safari”, como são chamados por Fernando e muitos críticos os Jeep tours conduzidos por guias de fora da comunidade. Fernando diz ter criado o Rocinha Histórica, em parte, para “fugir desse modelo predatório” que tem se instalado desde que estrangeiros começaram a visitar a Rocinha em 1992. Isso o deixou incomodado, pois era “como se a gente fosse uma selva” onde turistas pudessem ver e fotografar de dentro de um jeep ou van. “Por isso a gente criou uma proposta para fazer uma experiência. Viva a minha vida. Não me julgue. Me julgue depois”, ele ri. Mas antes, “pelo menos conheça como é aqui”. Como no ditado popular, ele diz, “para você conhecer o sapato, você precisa calçá-lo”.
Para isto, Fernando encontra os grupos de visitantes no metrô de São Conrado. Lá ele conta os aspectos gerais da história da Rocinha e explica, geograficamente, a rota que eles farão pela comunidade. Durante aproximadamente duas horas e meia de tour, Fernando espera que o grupo sinta a “sensação” de como é estar na Rocinha, primeiro pelo impacto da dimensão e geografia do espaço e “depois, quando você entra: pessoas, barulho, motos, carros… A dinâmica do local”.
Depois de um tempo parado no começo do ano, em decorrência da insegurança e das operações policiais na Rocinha, a equipe retomou os tours no mês passado. Fernando leva os grupos até o topo da favela, e então eles caminham pelos becos, o que ele diz ser a verdadeira “experiência da Rocinha… A primeira entrada é uma experiência, mas 90% dos caminhos da Rocinha são becos”. Ele quer que os visitantes experimentem essa “imersão,” para entrar na “história social” da Rocinha, e entender as questões sobre a história da Rocinha que ele e seus vizinhos têm obtido respostas através desse processo de articulação de memória coletiva. O que significa voltar alguns séculos, aos Tupis, os povos indígenas que ocupavam esse território, e percorrer toda sua história até chegar aos atuais moradores da Rocinha? “Esta história que é mais recente entra, também, na história da Rocinha… E como a gente fala: a memória, ela é hoje. A memória não é só para atrás. Então o que está acontecendo hoje já é memória, que já vai entrar nesse roteiro… Emprego, trabalho, acesso, educação–tudo isso é memória recente. A gente tem que falar disso.”
Para isso, ele justifica que “a questão do museu não é só memória. Também é para frente. As questões sociais… Como é que eu transformo isso? Então, primeiro, captar essa memória. Depois fazer uso dela”. Através da História, antiga e contemporânea, Fernando enfatiza que “a favela é a cidade… Extremamente conectada… E sempre foi”.
Comparando o Museu Sankofa e o Rocinha Histórica, Fernando faz uma distinção. “O Museu é sempre bem recebido”, enquanto o Rocinha Histórica “nasceu com a ideia de, justamente, ser um meio para o enfrentamento à sociedade carioca”. Para ele, os cariocas são “muito preconceituosos em relação às favelas. O carioca não quer subir o morro… As pessoas vêm de São Paulo, de Minas, dos Estados Unidos, da França, mas os cariocas não querem subir”. Em resposta, Fernando diz, “a gente abriu esse caminho alternativo: venha conhecer a favela. E vem ver o que é a vida do outro lado… A gente brinca que a melhor forma de conhecer o outro lado é atravessar a ponte. Então vem ver como é aqui”. Para superar todos os preconceitos dos cariocas com a favela, Fernando acredita que “a gente tem que conversar… Abrir esse diálogo”. Ele admite que isso não é fácil. O carioca, ele diz, “resiste”. “O mundo vem [para a favela] ”, ele ri, “mas o Rio de Janeiro mantém essa distância”.
Isso não quer dizer que o preconceito contra a favela é incontornável: Fernando diz ter testemunhado um aumento do número de visitantes mais jovens, na maioria universitários de classe média. “Então daqui a cinco, dez, quinze anos, vai mudar… Enfrentamento agora, mas depois vai ter abertura”.
O foco do Rocinha Histórica na história social não serve apenas para os visitantes. Fernando tem sido capaz de responder “questões de infância [dele],” aprendendo sobre tudo, desde como as ruas da sua comunidade receberam seus nomes até porquê a sua própria casa foi construída do jeito que é. Ele diz que sempre perguntava para a mãe–que construiu a casa–por que ela demorou tanto para construí-la. Foi através do Rocinha Histórica que ele entendeu que ela recebia um “salário mínimo, era empregada doméstica, analfabeta, com sete filhos”, era impossível construir toda a casa de uma só vez. Não só os materiais de construção eram caros, como os moradores também precisavam (e ainda precisam) pagar para subir o morro com os materiais até os canteiros de obra. “Agora”, ele diz em tom de brincadeira, “eu sei tudo sobre construção conversando com as pessoas”. Apenas através de conversa, de vivência, “você acaba virando um especialista”.
Fernando enxerga o seu trabalho no Museu Sankofa e Rocinha Histórica como inerentemente político. Tornando acessível a história social da Rocinha–por “captar e distribuir essas memórias” através de vários meios–ele pode trabalhar para legitimar o passado, o presente e o futuro da Rocinha. Em suas palavras, “A Rocinha é muito grande, muito influente, há muito tempo. Só que por não ter conhecimento da própria história, acaba não vendo o valor da própria força”. Ele acredita que a recuperação dessa história é uma forma dos moradores da Rocinha reconhecerem que eles estão “em cima de um diamante na Zona Sul”. E, ele diz, “Se você conhece sua história, você vai reconhecer seu valor. Se você reconhece seu valor, você vai querer ficar.”
Veja o slideshow do fotógrafo Antoine Horenbeek de um tour do Rocinha Histórica, em 17 de maio de 2018 [também no Flickr]:
*Rocinha Histórica é um dos mais de 100 projetos comunitários mapeados pela Comunidades Catalisadoras (ComCat)–a organização que publica o RioOnWatch–como parte do nosso programa paralelo ‘Rede Favela Sustentável‘ lançado em 2017 para reconhecer, apoiar, fortalecer e expandir as qualidades sustentáveis e movimentos comunitários inerentes às favelas do Rio de Janeiro. Siga a Rede Favela Sustentável no Facebook.