Em julho de 2017, os legisladores federais transformaram a controversa Medida Provisória 759 na Lei 13.465–conhecida como a Lei de Regularização Fundiária–aprovando medidas que simplificam o processo de regularização fundiária em áreas urbanas e rurais. Moradores de favelas e especialistas legais levantaram sérias preocupações sobre o conteúdo da nova legislação, com críticas centradas no fracasso da lei em atender às necessidades de moradores e de comunidades em risco de remoção. Para muitos, a lei incentiva a especulação imobiliária e agrava a crise de moradias acessível no Rio de Janeiro e em outras cidades brasileiras. Esta matéria avalia brevemente a Lei de Regularização Fundiária e seu impacto nas favelas, um ano após a promulgação da reforma.
A Lei 13.465 tem amplos impactos porque a legislação trata da regularização fundiária urbana e rural. Antes da promulgação da nova lei, o uso e posse da terra nas cidades e no campo eram tratados separadamente, através de diferentes mecanismos legais e instituições. Em contraste, a nova lei reúne diretrizes para a regularização fundiária, previamente dispersas, em uma única estrutura legal. Superficialmente, a lei efetivamente torna a regularização fundiária mais eficiente, evitando processos judiciais prolongados e facilitando os processos de usucapião e de titulação de terras.
No entanto, a lei permanece altamente controversa. Desde a sua aprovação, uma série de contestações legais foi levada ao Supremo Tribunal Federal (STF), alegando que aspectos da reforma são inconstitucionais. Processos judiciais para derrubar artigos da lei foram iniciados pelo ex-Procurador Geral Rodrigo Janot em setembro de 2017, legisladores do PT em outubro de 2017, e do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) em janeiro de 2018. Em defesa da lei, o governo do Presidente Michel Temer respondeu essas contestações através do Gabinete do Procurador Geral (AGU), afirmando sua constitucionalidade, destacando sua importância para a “racionalização” do uso da terra e para a promoção do direito à propriedade, alegando que a lei avança os direitos sociais.
Movimentos sociais, bem como os defensores dos direitos à moradia e à terra, continuam críticos em relação à nova lei. A lei facilita a privatização de terras públicas ocupadas, levando os críticos a rotular a Lei 13.465 como a Lei da Grilagem em referência à prática histórica de adquirir ilegalmente terras públicas falsificando documentos legais. Nas áreas rurais, isso significa que os agricultores que ocupam terras públicas podem ganhar títulos de propriedade. Na Amazônia e nas zonas de fronteira, isso beneficia principalmente os grandes proprietários de terra, o que ameaça as áreas de conservação e exacerba a concentração da propriedade da terra nas áreas rurais. Defensores da reforma agrária e movimentos sociais influentes como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) manifestaram claramente sua oposição à lei.
Embora as demandas dos movimentos sociais urbanos sejam diferentes das demandas dos movimentos rurais, eles compartilham preocupações semelhantes sobre a Lei de Regularização Fundiária. Além de regularizar as terras públicas ocupadas, onde muitas favelas estão localizadas, a lei facilita o usucapião e reconhece o direito real de laje–que codifica que andares separados de um prédio com entradas privadas podem ser reconhecidos como uma unidade independente com um dono e um título separados do edifício principal. Para muitos moradores de favelas, esses são mecanismos potenciais para obter títulos de terra e garantir o direito de permanecer em suas comunidades. Mas os defensores da moradia acessível e do acesso à terra temem que a privatização da terra pública possa estimular a especulação imobiliária, elevando os preços das moradias e acelerando o processo de gentrificação.
A defensora pública do Rio de Janeiro, Maria Lúcia de Pontes, comentou sobre o impacto da nova lei na cidade, afirmando: “Até o presente momento não tem facilitado os processos de regularização fundiária para os territórios populares, que já estavam sendo negligenciados por razão da grande especulação imobiliária na cidade com a preparação para os eventos esportivos internacionais desde o Pan Americano”. Maria Lúcia destacou o papel da administração do ex-prefeito Eduardo Paes em viabilizar esses processos. Ela continuou descrevendo que a lei “veio reforçar a dificuldade já existente para a regularização de territórios populares, especialmente as favelas, visto que definiu ser do município a atribuição de instaurar e aprovar o procedimento de regularização fundiária, retrocedendo em relação à lei anterior”.
Para as famílias que vivem em favelas no Rio de Janeiro, a regularização fundiária é um ponto de séria disputa. Para alguns, receber títulos de terra representaria o cumprimento da demanda por segurança da posse da terra. No entanto, o alto custo de vida em cidades como o Rio de Janeiro e o processo de gentrificação faz com que os outros desconfiem dos benefícios dos títulos de propriedade. O advogado e professor Rafael Soares Gonçalves, do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio, acredita que o governo perdeu legitimidade, piorando a relação entre os moradores de baixa renda e o governo local, e reduzindo as demandas por criação e melhoria de programas governamentais. Rafael observou que, nesse contexto, “A política de regularização no Rio fica muito esvaziada”.
No ano passado, de acordo com dados do governo e reportagens da mídia, parece que a Lei de Regularização Fundiária aumentou a taxa de titulação em áreas rurais no Brasil. O contexto urbano permanece mais complexo, pois a responsabilidade pela regularização recai sobre os governos municipais, que têm capacidades políticas, técnicas e fiscais variadas. No Rio de Janeiro, a história recente de regularização e remoções da prefeitura demonstrou que estabelecer e aprovar o processo de regularização fundiária está intimamente ligado aos interesses de desenvolvimento imobiliário e à indústria do turismo. Ao simplificar o processo de regularização para a entrega de títulos de propriedade individual, a Lei de Regularização Fundiária pode ajudar os moradores individuais a obter direitos de propriedade. Como tal, a Lei de Regularização Fundiária pendeu a balança para a propriedade privada individual e se afastou da função social da terra estipulada no Artigo 184 da Constituição Brasileira. Ao fazê-lo, a legislação não adota modelos alternativos de regularização que melhor atendam às necessidades dos moradores da favela, garantindo a acessibilidade permanente.
Ezra Spira-Cohen é doutorando em Ciência Política. Sua pesquisa foca nos impactos das políticas fundiárias e da intervenção estatal sobre a segurança fundiária no Brasil.