O RioOnWatch está publicando, no decorrer desta semana, uma série de notas sobre o trágico incêndio que destruiu o Museu Nacional neste domingo. A presente nota foi postada no Facebook, em inglês, por Bryan McCann.
Como todos que são interessados no Brasil, história ou museus, fico entristecido e enfurecido com o incêndio do Museu Nacional. Muitos falaram eloquentemente sobre o que significa a perda para o Brasil (Theresa Williamson, Cecilia Azevedo, Edésio Fernandes, Rafael Soares Gonçalves, Mario Brum, para citar alguns…). As reflexões de Eduardo Viveiros de Castro têm a combinação de raiva, tristeza e insight que parece apropriada.
Não posso acrescentar muito, exceto minha própria experiência pessoal relativamente pequena e pensamentos sobre as contribuições de um ilustre colega. Em 2006-07, passei várias semanas realizando pesquisas na biblioteca de Antropologia Social do Museu Nacional. Tomei o metrô para a estação de São Cristóvão (sempre lotada, pois é um ponto de traslado para o metrô e trens urbanos), atravessei os trilhos pela passarela, passei pelos portões de ferro forjado e entrei no parque da Quinta da Boa Vista–uma transição instantânea de um dos cruzamentos mais agitados do Rio para uma de suas reservas mais serenas. Quase sempre, encontrava um grupo de crianças em idade escolar em um passeio de turma para o museu na mesma trajetória. Enquanto corriam em direção à entrada principal, fui para a parte de trás, para a biblioteca de antropologia.
Eu passava o dia lendo as teses e dissertações produzidas no programa de Antropologia Social no final da década de 1970 e início da de 1980, quando esse programa era um dos muitos centros da redemocratização do Brasil que estava descobrindo e documentando sua própria pluralidade e pressionando por uma cidadania ampliada. Não foi por coincidência que o mesmo programa produziu algumas das melhores teses sobre favelas do Rio de Janeiro e populações indígenas do distante Acre– tudo fazia parte da mesma onda de pesquisa esperançosa e comprometida–a construção de cidadania através do saber. Essas teses faziam parte de uma biblioteca de milhares de volumes, a maioria deles raros, alguns deles únicos. Tudo agora perdido no fogo, que eu saiba. Em teoria, essas teses devem estar entre as coisas mais fáceis de substituir após o incêndio, certo? Em teoria, somente, pois eu temo que em muitos casos não haverá outras cópias existentes.
A maior parte do que foi perdido é completamente insubstituível, como o crânio de 12.000 anos de Luzia, encontrado em uma caverna nos arredores de Belo Horizonte nos anos 70. A pobre Luzia morreu pela segunda vez, vítima de negligência abusiva.
Na minha mais recente viagem ao Rio, em julho deste ano, tive a honra de fazer parte de um comitê da Associação de Estudos Brasileiros (BRASA), que concedeu o Prêmio Lifetime Contribution (Contribuição Vitalícia) a Anthony Seeger, por sua longa e notável carreira a serviço dos Estudos Brasileiros no Brasil e nos Estados Unidos. Entre suas muitas realizações, Anthony foi diretor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social no Museu Nacional em 1981-82, uma parte fundamental dessa onda de pesquisa pioneira. Celebramos Anthony e a influência desse programa, incluindo tudo o que ele fez para demonstrar que o indígena do Brasil não é apenas parte de um passado congelado, mas uma parte vital de um presente contestado.
É triste pensar que quando os próximos pesquisadores forem ao Rio, não visitarão a biblioteca do Museu Nacional. É difícil imaginar que ele abra de novo, como algo parecido com a mesma forma. E as crianças da escola não visitarão o museu. E o trabalho que estávamos celebrando há apenas seis semanas, como uma dos alicerces de estudos e ensino superior brasileiro, está agora em ruínas. O Museu Nacional reunia todos esses tópicos díspares, e eles agora estão separados.
Tantas coisas estão irreparavelmente perdidas. As conexões, ou pelo menos os interesses compartilhados–entre crianças em idade escolar, pesquisadores passados e presentes, todas as pessoas variadas que cruzam a Quinta da Boa Vista–possam talvez ser reconstruídos, embora a atual situação política do Brasil tenda a destruir ou obstruir tais conexões e interesses compartilhados. Ao cortar essas conexões, o fogo destrói e atomiza, promovendo isolamento em vez de interesses compartilhados. O Brasil construiu a cidadania das cinzas antes. Espero que isso possa acontecer novamente.
Bryan McCann é professor de história brasileira na Universidade de Georgetown. Ele atuou como presidente da Associação Brasileira de Estudos de 2016 a 2018. Seu trabalho recente, Tempos Difíceis na Cidade Maravilhosa: Da Ditadura a Democracia nas Favelas do Rio de Janeiro (Duke, 2013) explora a relação política entre as favelas do Rio e os governos municipais e estaduais. Atualmente, Bryan faz parte da diretoria da Comunidades Catalisadoras, organização que publica o RioOnWatch.