Willian Preciliano é um jovem de 21 anos, morador do Morro dos Prazeres. Em julho, terminou o Ensino Médio e seus pais deram de presente para ele a chance de fazer a auto-escola. “Ele tava feliz de terminar a escola. Teve a festinha dele. A gente levou bolo, salgadinho, brigadeiro. Aí ele ia trabalhar. Ele queria tirar a carteira para trabalhar de Uber”, disse seu pai, Seu José. No entanto, quando se identificou no Detran para iniciar o processo, Willian foi detido. Sua foto teria sido reconhecida por seis policiais como um dos treze homens que teriam feito os policiais da UPP Prazeres de reféns em novembro do ano anterior e existia um mandado de prisão no seu nome desde abril.
“Ele já tinha ido no Detran no dia anterior e eles pediram pra ele voltar no dia seguinte. Não comunicaram nada para ele. Quando ele se identificou novamente eles pediram pra ele aguardar. Ele, inocente, achou que era algo normal e ficou aguardando até a Polícia Civil chegar. Aí ele ligou do celular dele e falou ‘irmã, pelo amor de Deus, me ajuda que tão me levando preso’. Disse que tava sendo levado pra Cidade da Polícia”, relata Gerlene, sua irmã. Willian foi preso preventivamente apesar de não possuir antecedentes criminais e aguarda o julgamento em um presídio em Niterói. Segundo a família, ele estava em casa quando o crime ocorreu. “Mas a justiça não aceita o álibi de mãe e pai”, lamentou a irmã.
Quando aconteceu o fato, a família procurou lideranças de projetos sociais no Prazeres, que prestaram auxílio, criaram uma petição contra a prisão que já conta com mais de 2.000 assinaturas e ajudaram a encontrar um advogado para o caso. As lideranças, inclusive, conhecem bem o Willian, que atuava em alguns dos projetos sociais mais conhecidos na comunidade, e citam que sua frequência escolar, com somente cinco faltas no último ano, e seu bom desempenho seriam incompatíveis com envolvimento com atividades criminosas. Além disso, a ausência de antecedentes não justificaria sua prisão preventiva.
“Ele é um menino muito bom. Não gosta de problema. Obediente aos pais. Dava até pena de brigar com ele”, falou o pai. “A gente sempre aconselhou ele, ele sempre tinha uma boa índole. Não se envolvia, não usava nada, não saía sem avisar. Nunca deu trabalho”, colocou a irmã. “Quando eu tava construindo minha casa, eu chamava ele pra me ajudar e ele aparecia na hora. Não tinha uma vez que ele não ia quando alguém pedia ajuda dele”, completou ela.
Na década de 80, seu pai veio de Pernambuco e sua mãe veio do Maranhão para trabalhar no Rio de Janeiro, onde se conheceram. Seu José trabalha como vigia noturno em um prédio em Botafogo. A mãe, dona Maria Gorete, é dona de casa. “Willian é um menino gente boa, que nunca deu trabalho. O que ele precisava eu ajudava ele. Ajudava não, ajudo”, falou o pai. “Ele é muito dedicado à família, frequenta muito a casa dos tios, primos. Se você ver as fotos, em todas as reuniões de família ele tá junto. Não gosta de bagunça. Gosta de ir a praia, shopping, que nem qualquer garoto da Zona Sul“, disse por sua vez Gerlene.
“A família é muito grande, imensa. Por parte de mãe eles moram no Maranhão, a gente sempre viaja pra visitar.” Era nessas viagens que o Willian treinava a direção: “Ele só falava disso. Meu esposo que tava ajudando ele a aprender”, conta a irmã. “Também sempre participou de projetos sociais. Minha mãe sempre botou, em todo projeto que tinha. Judô, futebol. Era o final de semana todo. Domingo ele queria descansar e minha mãe: ‘não, agora você vai pra Igreja'”. Esses projetos incluíram o Caminho do Grafite Prazeres, a construção e implantação de um jardim comunitário, um mapeamento de riscos socioambientais, entre outros projetos do Grupo PROA (Prevenção Realizada com Organização e Amor). “A gente tinha condição de ele só estudar pra se no futuro ele quisesse fazer uma faculdade. Ele queria fazer Educação Física, dar aula em colégio. Ele fazia muito esporte, ia na pracinha onde tem equipamento público tipo academia. Mas o sonho mesmo dele era ser jogador de futebol. Vivia entre o futebol, a escola e a casa”, lembra ela.
No ano passado, Willian participou da gravação do filme Pacified, um filme independente ainda não lançado que foi escrito e dirigido pelo diretor americano Paxton Winters e filmado no Morro dos Prazeres. Na trama, Willian interpreta um traficante da gangue de Nelson, que é solto da prisão logo antes dos Jogos Olímpicos do Rio 2016 e decide não reassumir o seu posto de dono do morro. “Ele tava muito feliz, muito empolgado quando me contou que ia participar de um filme. Os amigos até ficaram zoando ele, que a participação dele era só de figurante. ‘Se eu engrenar nisso aí vou ser um grande ator’, ele respondia pros amigos. E até ganhava um trocadinho por participação”, lembrou Gerlene. Animado, ele postou em seu Facebook fotos da figuração, em que posa com uma réplica de uma arma.
A família acredita que essa foto possa ter sido usada para incriminá-lo e ter sido a foto por meio da qual os policiais alegaram tê-lo reconhecido. Não faz sentido alguém que nunca teve passagem pela polícia ter sua foto em álbum de delegacia a não ser que essa tenha sido tirada de seu Facebook, eles alegam. “Ele tava radiante. Ele nem imaginou que isso podia acontecer. Essa reviravolta na vida dele. Parar naquele lugar horrendo. A gente não consegue saber por quê. Pra mim foi a foto do filme”, disse Gerlene.
“Eu consigo vê-lo uma vez por semana. Levo comida. A gente almoça junto. Conversamos bastante. Ele tá bem, tá tranquilo. Mas emagreceu bastante. Em casa ele comia biscoitinho, arroz, feijão, bife e batata frita. Ainda era meio criança, né. Ele não tá sendo mal tratado, só reclama da comida”, disse a irmã. Gerlene diz que o processo de visita é muito burocrático, é preciso levar documentação para dar entrada em uma carteirinha. Além disso, homem tem que dormir na fila de um dia para o outro porque eles só liberam 25 senhas. Os amigos querem ir vê-lo, mas eles não podem faltar o trabalho. Além disso, todos os visitantes têm que dar entrada na documentação para uma carteirinha. Mesmo o pai e a mãe ainda não foram visitá-lo. “Não consegui fazer a carteira ainda. E se eu o vir eu acho que passo mal. Eu tenho problema de hipertensão”, disse Seu José.
“Minha mãe tá emocionalmente mais controlada que o pai do Willian. O pai tá muito abalado. Ela tá abatida, mas tentando ser forte. Eu falo que eles têm que ser forte pra eles poderem me ajudar para eu poder ajudar o Willian. Se eles adoecem acabam complicando tudo”, desabafa Gerlene. “O próximo passo é o julgamento de mérito, que deve ser essa semana ainda, pra ver se ele pode responder em liberdade. A gente tá confiante que esses desembargadores vão ser favoráveis.”
“Todo mundo pergunta por ele. Até os traficantes, que sabem que ele não deve nada, não tinha nada a ver. O Willian não tem um inimigo. Todo mundo de velho a novo gosta dele lá. Menino bom, bom mesmo. Ele fugia de briga, tinha medo de tiro”, disse o pai. “No dia que ele foi preso eu fui procurá-lo na Cidade da Polícia. Fiquei rodando por quase uma hora. Quando encontrei ele, ele chorava muito, muito abalado. ‘Irmã, me tira daqui.’ E eu vou tirar. Eu não vou descansar enquanto não provar a inocência do meu irmão. Eu vou fazer tudo que tiver ao meu alcance. Sei que não é da noite pro dia, mas vou tirar. Ele não vai pagar por algo que ele não fez”, finalizou Gerlene.