“A favela não é só um lugar”, explica Ricardo Rodrigues, do Cerro-Corá, comunidade que fica abaixo do Cristo Redentor, na Zona Sul do Rio. “É uma ideia de construção de vida, de superação, de se entender como parte do espaço.”
Vestindo uma camiseta onde se lê “Favela Carioca”, que ele mesmo desenhou, a roupa de Ricardo é tão notável quanto suas idéias, pois fala da inspiração para sua exposição “Favelando”, que foi exibida no Centro Cultural Oduvaldo Vianna Filho de 23 de junho a 5 de agosto.
O espaço que abriga a exposição, comumente conhecido como Castelinho do Flamengo, fica no Flamengo, em frente ao Aterro, um dos maiores espaços de recreação pública da Zona Sul do Rio. A decadente mansão foi originalmente construída por um renomado arquiteto italiano do século XX para um rico empresário português. Hoje, ela serve como um centro cultural que exibe inúmeras exposições culturais e uma grande variedade de apresentações de artistas locais.
A exposição de Ricardo desafia não apenas as percepções dos espectadores sobre os moradores das favelas, mas também sobre o lugar das favelas na cidade. Ao apresentar obras de arte que não apenas retratam favelas, mas vem das favelas–e são produzidas pelos seus moradores–no que historicamente é um espaço de elite, Ricardo inverte o lugar da favela na arte: de objeto (favelado) para sujeito (favelando).
A exposição continha dois grandes espaços: um com a própria obra de Ricardo, pinturas coloridas da vida cotidiana em uma favela e lembranças de sua infância e, no outro, uma enorme maquete de uma favela, construída de papelão, corda e outros materiais obtidos através de crianças de favelas locais. Pendurada na parede, próxima à maquete, está uma foto das crianças, com idades entre seis e doze anos, construindo a maquete.
As pinturas de Ricardo são visualmente impressionantes e merecem ser visitadas pessoalmente. No entanto, fica claro que sua maior paixão é trabalhar com crianças, inspirando-as a criar, enquanto também se inspira na criatividade delas. Aqui, a missão de Ricardo é tão social quanto artística. Ele valoriza a arte não apenas pelo produto final, mas pelo processo de criação, que ele vê como um veículo para um desenvolvimento saudável e transformador, especialmente para as crianças.
“A arte foi um instrumento de resgate, para que eu conseguisse tanto não me envolver quanto evitar que os amigos se envolvessem, que as crianças se envolvessem com caminhos errados, com o tráfico, e com outras coisas. Eu acho que a arte tem esse poder, muito positivo, de dar outro rumo, outra direção. Na vida, as pessoas em certo tempo vão ser adolescente, e quando elas conhecem arte antes disso, elas conseguem ser uma pessoa diferente.”
Mas para Ricardo, a arte não é apenas crucial para o desenvolvimento infantil, mas também é um escape muito necessário. Em muitas das favelas do Rio–onde as crianças frequentemente precisam navegar pela dinâmica de poder entre uma força policial militarizada e traficantes de drogas, onde até os uniformes escolares não os protegem da violência policial–a infância e o conceito de “brincadeira” costumam ser passageiros.
“Todo mundo cresceu, e eu quis continuar criança, brincar com isso”, explica Ricardo. “A gente consegue dar novos rumos para essas crianças… E elas não precisam ‘crescer’.”
Nas últimas semanas da exposição, as crianças que criaram a maquete visitaram o Castelinho e viram seus trabalhos expostos para o público. Tendo vindo de várias favelas, incluindo do lar de Ricardo, Cerro Corá, as crianças puderam se ver representadas em um ambiente inesperado. Como Ricardo e um funcionário do Castelinho explicaram, as crianças puderam ver: “Eu pertenço a este lugar, e este espaço me pertence. Eu sou parte dessa história”. A visita e o projeto “Favelando” em geral, explicou o funcionário, proporcionaram uma ponte para atravessar a linha divisória entre o “morro” e “o asfalto”, entre a favela e a cidade formal.
Para Ricardo, a divisão é superficial. “Tudo vem da favela… A favela tem uma importância muito grande [na cidade].”