De 1 a 5 de outubro de 2018 foi realizada a Semana do Agente Comunitário de Saúde (ACS), organizada pelos próprios agentes, em conjunto com a Comissão dos Agentes Comunitários de Saúde – Manguinhos RJ (COMACS Manguinhos-RJ). O tema do evento deste ano foi “A semana do ACS é importante só para o ACS?”
Os ACS são moradores das comunidades onde trabalham, e têm papel fundamental no funcionamento do programa federal Estratégia de Saúde da Família (ESF) e nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), compondo a equipe de referência da atenção primária à saúde. De acordo com as diretrizes da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), os ACS são responsáveis por acompanhar, no máximo, 750 pessoas em sua área de atuação, fazendo visitas domiciliares periódicas, participando da construção de projetos terapêuticos, registrando dados de agravos em saúde, realizando atividades de diagnóstico demográfico, social, cultural e epidemiológico do território e da comunidade, desenvolvendo ações de integração entre equipe de saúde e população adscrita à UBS, dentre outras atribuições.
Os seminários e debates do evento Semana do Agente Comunitário de Saúde aconteceram na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). Já as ações de promoção e prevenção à saúde no território tiveram lugar no Campo da Varginha, em Manguinhos na Zona Norte, e a campanha de doação de sangue aconteceu no Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria (CSEGSF).
Os debates discutiram temas como os 30 anos do SUS, violência e saúde, direito à moradia e ao saneamento básico e desafios existentes no trabalho do ACS no SUS. A mesa A Saúde na Mira da Violência ocorreu no dia 2 de outubro, e foi composta por Anastácia Santos (COMACS Manguinhos-RJ), Jorge Nadais (COMACS Manguinhos-RJ) e Vera Frossard (Psicóloga do CSEGSF), que buscaram discutir os atuais desafios do trabalho em saúde nos territórios marcados por diversos tipos de violência, como os conflitos armados, violência de gênero e violência racial. Anastácia colocou em pauta a precarização dos espaços de convivência da favela, que fazem falta para a integração entre os moradores e para a promoção de atividades para lazer–especialmente quando se olha para as crianças. Ela também destacou que “a favela é invisibilizada, as pessoas têm medo e são silenciadas através de diversos mecanismos”.
Dando continuidade à mesa, Jorge, em meio a relatos pessoais, afirmou que “a desigualdade social é a base de todas as outras violências que a favela sofre. Crescer na favela significa dizer que você não terá um ciclo de vida comum”. Ele ressaltou o caso específico da ocupação do território de Manguinhos, que recebeu pessoas removidas de outras áreas da cidade–como dos bairros do Centro e da Zona Sul–com a promessa de que este seria um lar temporário. Com o passar dos anos, os moradores acabaram por reconstruir suas vidas no local e, no ano de 2009, sofreram outros processos de remoção, desta vez para a realização das obras do PAC.
Um dos desafios levantados por Vera, psicóloga do CSEGSFV, é a baixa quantidade de notificações de violência no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), uma vez que poucos casos são realmente registrados, levando à invisibilização destas ocorrências para o planejamento de políticas públicas na saúde. Em contraposição, os trabalhadores da saúde também cobram o retorno sobre esses casos notificados, que muitas vezes se perdem em meio aos processos de trabalho. Outro ponto bastante sensível na fala de Vera foi em relação à autopercepção das próprias pessoas que sofrem violência: “Elas se culpam pela violência que sofrem. É a violência da violência”.
Algumas considerações foram feitas pela plateia. Dentre elas, a pesquisadora do CLAVES/Fiocruz, Mayalu Matos, reforçou que “a violência não traz só o impacto na saúde, ela é também violação de direitos: de direito à vida, do direito de ir e vir”. Complementando esta fala, Fábio Monteiro, integrante da COMACS, ressaltou as consequências da rotina de violência e defendeu que “os investimentos em saúde e educação demoram para gerar retorno, o que mostra como é necessário o aumento dos recursos e olhar cuidadoso sobre seu planejamento”. Ele também insistiu na necessidade de programas contínuos de cuidados à saúde dos trabalhadores, principalmente à dos ACS, cuja demanda é urgente.
Portanto, ficou evidente que os desafios para a promoção da saúde nestes territórios são constantes e complexos, o que pode acentuar processos de adoecimento dos profissionais de saúde, em especial do ACS, cuja inserção no território se dá tanto pelo viés da moradia quanto pelo viés do trabalho. Estes processos se aprofundam com as políticas de redução de verbas para a saúde e com as mudanças feitas pela PNAB 2017–que não define o número mínimo de ACS na equipe de referência, podendo gerar assoberbamento ainda maior desta categoria profissional.
Em meio aos desafios, existe muita luta e muita vontade de gerar retornos para os moradores da comunidade. Durante a manhã e a tarde do dia 3 de outubro, os ACS programaram o dia Saúde na Favela, com ações de promoção à saúde e atividades de lazer e recreativas no Campo da Varginha, juntamente a alguns projetos comunitários parceiros da COMACS. Neste dia, foi montado um estande informativo com materiais sobre prevenção a comportamentos de risco e agravos de saúde, abordando a importância do combate ao tabagismo, a necessidade da manutenção de uma alimentação saudável e a prática do autoexame para prevenção ao câncer de mama.
Além disso, aconteceram outras atividades como: uma oficina de fuxico, ponto cruz, crochê e vagonite, ministrada pelo projeto Arteirinhas, uma iniciativa das ACS no CSEGSF; o show do grupo Música na Calçada; a apresentação do Ballet de Manguinhos; e o Coletivo Recriando Manguinhos, com enfoque nas atividades recreativas infantis envolvendo pintura e desenho. Todas estas iniciativas têm suas origens na comunidade. Durante todo o dia, as crianças também tiveram espaço para brincar no pula-pula e na piscina de bolinhas.
Elenice Pessoa, uma das colaboradoras do Coletivo Recriando Manguinhos, que completou três anos de atividade, lamentou a falta de integração da comunidade e de atividades recreativas para as crianças. “A gente se questiona como não tem dinheiro para a saúde, para a educação, e tem dinheiro para investir em armamento. Quem quer ver mudança, não se conforma com isso”, comentou. Ela também ressaltou o trabalho dos ACS, que a seus olhos, “são guerreiros, fazem muitas coisas com poucos recursos”.
Respondendo à pergunta “A semana do ACS é importante só para o ACS?”, é necessário reforçar que ela precisa ser importante tanto para outras categorias quanto para a população em geral, uma vez que ela representa a voz de quem trabalha e mora na favela. Como Fábio da COMACS reforçou, “a gente é que precisa dizer o que nós precisamos, fazendo das relações de trabalho mais horizontalizadas”. E, de fato, eles estão falando sobre o que precisam, porém não sabem se são escutados por alguém.
Todo esse contexto demonstra a força e a potência destes profissionais. O discurso mais emblemático remeteu à luta e à coesão dos trabalhadores: “O grupo precisa se fortalecer, tanto como militância quanto como categoria. Vamos continuar lutando” para encarar os novos e velhos desafios da nossa profissão e da nossa realidade.