Haddad e Bolsonaro, candidatos à presidência que disputarão o segundo turno no próximo domingo, têm posições bastante distintas com relação à moradia e urbanização em favelas, e com relação à segurança pública e manutenção da vida de seus moradores. Suas ideologias distintas se refletem em uma relação distinta com a favela. Enquanto Haddad visitou a Rocinha e a Maré em campanha, Bolsonaro visitou a UPP da Cidade de Deus e a sede do BOPE, na Tavares Bastos, assim conversando com os policiais que trabalham, e não os moradores que vivem, no local.
Confira abaixo propostas e posicionamentos de cada candidato com relação às favelas:
Fernando Haddad (PT)
1. Valorização da vida
Manuela D’Ávila (PCdoB), vice de Haddad, disse na visita que os dois fizeram ao Complexo da Maré que “o segundo turno é sobre democracia, mas para a população de periferia e favela, é sobre vida”. Foram convidadas a falar ao lado deles duas mães que perderam seus filhos para a violência policial, inclusive Bruna Silva, mãe do menino Marcos Vinícius, morto pela polícia com o uniforme da escola no caminho de volta para a casa, após sua escola ter sido fechada devido a uma operação policial. “Ele estava no caminho certo, no lugar certo e na hora certa”, disse a mãe. Manuela e Haddad colocaram-se como a Chapa da Vida, em oposição ao outro candidato, e Haddad comentou mais tarde no mesmo dia que é preciso que os políticos voltem o olhar para a periferia e retomem o trabalho de base.
2. Fim dos autos de resistência e redução da mortalidade da juventude negra e periférica
O candidato Haddad propõe um modelo de segurança pública cidadã, com políticas que garantam que o Estado não chegue nas favelas somente por meio de seu braço armado, que promovam a “repactuação das relações entre polícias e comunidades” e que “tragam atenção à situação de crianças, jovens, negros, mulheres e população LGBTI+, com prioridade para a juventude negra que vive nas periferias”, visando ao fim dos autos de resistência e a manter os jovens negros vivos. Pretende para isso implementar um Plano Nacional de Redução da Mortalidade da Juventude Negra e Periférica, apostar na investigação e na inteligência policial no combate ao tráfico, implementar política de controle de armas, acabar com os poderes armados nas favelas, desmilitarizar a polícia e valorizar o profissional de segurança. Promete investir na geração de trabalho e renda e provisão de educação e cultura como alternativa aos mercados ilegais e à violência.
3. Combate à especulação imobiliária e regularização fundiária
O plano de Haddad se propõe a combater a especulação imobiliária e garantir o cumprimento da função social da propriedade. Para isso, irá apostar em aluguel social, na produção de novas unidades de habitação de interesse social especialmente em áreas centrais, na requalificação de prédios subutilizados, na assessoria técnica popular à construção e na revisão da Lei nº 13.465/2017 e em uma nova Política Nacional de Regularização Fundiária. Em um encontro com o Arcebispo do Rio de Janeiro e a Pastoral de Favelas no mesmo dia do encontro na Maré, Haddad formalizou seu compromisso para com a regularização fundiária, ponto central do trabalho da Pastoral.
Na sua visita à Rocinha durante o primeiro turno da campanha, o Haddad anunciou também sua intenção de retomar o Programa PAC Urbanização de Assentamentos Precários (incluindo a implantação de infraestrutura, a eliminação de risco, a recuperação ambiental e a garantia do direito de permanência e posse dos moradores). A retomada das obras de integração urbana, muitas abandonadas após os Jogos Olímpicos, também seria uma resposta ao desemprego e à violência nas áreas vulnerabilizadas, segundo ele. Seu plano de governo propõe, ainda, investir no Minha Casa Minha Vida em locais mais próximos a áreas de infraestrutura consolidada e de empregos, incluindo o fortalecimento da modalidade MCMV-Entidades.
4. Recursos específicos para cultura da periferia
Haddad reconheceu que manifestações culturais importantes nasceram nas favelas, incluindo o samba, o hip hop e o funk, em sua visita à Maré, que ocorreu no Centro de Artes da Maré. Prometeu replicar o que fez enquanto prefeito de São Paulo, com um Programa de Fomento à Cultura da Periferia, no formato de democratização do acesso e recursos específicos do orçamento do Ministério da Cultura para a produção cultural em território vulnerabilizados.
5. Bolsa permanência e transformação de escolas em favelas em laboratórios e polos de cultura
Haddad propõe um convênio entre o governo federal e os estados que transfere para a união a responsabilidade sobre escolas em áreas de alta vulnerabilidade, isto é, com “elevados índices de violência (sobretudo contra a juventude negra)” e baixo rendimento escolar. O convênio inclui um projeto pedagógico pautado no reconhecimento de saberes e a reforma da estrutura física das escolas (com a construção de laboratório, biblioteca e equipamentos desportivos e culturais). Também inclui uma bolsa permanência para jovens do Ensino Médio em situação de pobreza e a transformação das escolas em polos de cultura e lazer para a comunidade do entorno.
6. Fim da guerra às drogas
Haddad propõe a superação do paradigma de guerra às drogas, por meio do foco na prevenção via educação, de “políticas sociais e de desenvolvimento nas comunidades hoje criminalizadas”, do combate ao tráfico via Polícia Federal e da transformação do problema das drogas em uma questão de saúde pública (incluindo assistência psicossocial e políticas de redução de danos).
Jair Bolsonaro (PSL)
1. Carta branca para a polícia matar
Bolsonaro afirma em seu plano de governo que “apenas 2% de mortes violentas no Brasil [estão] associadas com ações policiais”, mas quer garantir que os assassinatos e outros crimes cometidos por policiais em serviço não sejam julgados nem mesmo pela justiça militar, de forma a protegê-los judicialmente da consequência de seus atos. “Se o Bolsonaro ganhar, pode preparar os sacos pretos, porque vai ter muito inocente para entrar dentro deles”, sentenciou Bruna, mãe do Marcos Vinícius.
2. Criminalização de ocupações sem título da terra
Bolsonaro vai na contramão das políticas de regularização fundiária e titulação, propondo em seu programa de governo que uma pessoa que viva em uma terra e não possua o título dela, como frequentemente ocorre em favelas, seja considerada terrorista. Além disso, seu plano prevê a retirada “da Constituição qualquer relativização da propriedade privada, como exemplo nas restrições da EC/81”. A Emenda Constitucional n°81, a que ele se refere, prevê a desapropriação de terras onde seja feito uso de trabalho escravo ou plantio de drogas, e sua destinação para a reforma agrária ou para habitação popular. Retirar essa emenda reforça o compromisso de Bolsonaro com a terra como propriedade privada, seja qual for o seu fim, e não com a sua função social, garantida pelo Estatuto das Cidades. Seu plano não tem nenhuma menção à moradia, habitação ou urbanização.
3. Educação à distância e restrição do acesso à universidade
A principal proposta de Bolsonaro para a educação é a educação à distância para os ensinos fundamental e médio, com apenas aulas práticas e provas presenciais. Além da queda na qualidade do ensino, isso vai na contramão da escola não só como espaço para a educação formal, mas como espaço de socialização (onde a criança aprende a viver em sociedade) e como ocupação do tempo dos jovens, que com muito tempo em casa têm mais chances de se envolver com atividades como o tráfico. A escola também tem um papel de proteção social de identificar violências que as crianças possam estar vivendo em casa. Os filhos em casa são ainda um fardo a mais para as famílias que não têm com quem deixá-los e precisam trabalhar fora, além de um fardo financeiro, visto que a merenda escolar tem importante papel na nutrição das crianças.
Outra intenção sinalizada pela equipe do Bolsonaro no que diz respeito à educação é a cobrança de mensalidade nas universidade públicas, o que reduziria o acesso daqueles que não podem pagá-la, na direção contrária das ações afirmativas que visam democratizar o acesso ao ensino superior. Bolsonaro já se pronunciou contra as cotas, por, segundo ele, reforçarem a divisão entre as pessoas e o que ele chama de ‘coitadismo’ de mulheres, gays, negros e nordestinos.
4. “Quem vai mandar no Brasil são os capitães”
Bolsonaro pretende não só usar forças armadas no combate ao crime organizado–como vem ocorrendo no Rio de Janeiro sob a intervenção federal, o que elevou o número de mortes–mas levar os militares a posições de poder na política, sinalizando um governo com “um montão de ministro militar”, em suas palavras. Em uma visita ao BOPE, no morro da Tavares Bastos, no Rio de Janeiro, declarou que “quem vai mandar no Brasil são os capitães” e que “teremos um dos nossos lá em Brasília. Caveira!”, citando o controverso grito de guerra do batalhão. A visita, inclusive, foi questionada por poder configurar crime eleitoral, visto que a legislação proíbe atos de campanha em prédios públicos.
Além do próprio Bolsonaro, capitão reformado do exército, e de seu vice, General Mourão, ele já confirmou Augusto Heleno, general da reserva, para o Ministério da Defesa (Temer foi o primeiro a nomear um militar para o Ministério desde sua criação em 1999) e apontou interesse em nomear Marcos Pontes, tenente-coronel aposentado da Aeronáutica e astronauta, para o Ministério da Ciência e Tecnologia. “Pretendo ter 15 ministros. Um vai ser homem, o da Defesa, um oficial-general. O resto pode ser tudo mulher, tudo gay, tudo afrodescendente”, disse ele em entrevista à CBN.
5. Priorização do policial em detrimento do morador
Bolsonaro passou duas vezes por favelas em campanha, uma ainda antes da campanha oficial, em fevereiro desse ano, na Cidade de Deus, onde visitou a sede da UPP e posou para fotos na frente de um caveirão. No mesmo dia, horas após a visita, Natacha Aparecida Cruz, de 19 anos, foi atingida por uma bala perdida durante um confronto entre PMs e traficantes. A segunda foi durante a campanha para o segundo turno, na Tavares Bastos, onde visitou a sede do BOPE. Simbolicamente, em ambas as vezes ele fez contato com policiais, e não com os moradores do local.
6. Liberação do porte de armas
Bolsonaro defende a permissão do uso de armas para legítima defesa, defesa dos familiares e da propriedade. O candidato considera que armas podem igualmente ser utilizadas para matar ou para salvar vidas, dependendo da índole da pessoa que a está segurando.