1º Festival Favela Sustentável ‘Favela no Centro das Soluções’ Recebe 1.100 Pessoas Vivenciando a Potência Socioambiental das Favelas

Aconteceu no sábado, 19 de outubro, o primeiro evento aberto ao público após sete anos de atuação da Rede Favela Sustentável (RFS)*. O 1º Festival Favela Sustentável: Favela no Centro das Soluções reuniu 1.100 pessoas de todo Grande Rio, na Lapa, coração da cidade. O evento contou com 100 atividades gratuitas protagonizadas por mobilizadores de mais de 90 favelas, entre elas intervenções artísticas, oficinas manuais para adultos e crianças, rodas de conversa, exibição de filmes, exposições, estandes, feira, terapias e práticas de cura individuais e coletivas.

A Rede Favela Sustentável se estabeleceu em 2017 e desde então vem ampliando a sua atuação em territórios de favelas e periferias do Grande Rio. Hoje em dia, é formada por 700 integrantes mobilizadores comunitários de mais de 300 favelas e aliados técnicos. A RFS trabalha de forma a integrar a luta pela justiça climática amplificando o potencial das favelas como modelos de comunidades sustentáveis.

No 1º Festival Favela Sustentável (FFS), na Fundição Progresso, estes coletivos de favelas e demais aliados, realizaram um grande encontro, com o foco em soluções socioambientais, num diálogo entre os integrantes da Rede Favela Sustentável e o público geral. Foram numerosas apresentações culturais, oficinas manuais e rodas de conversa, exposições, estandes, feira e terapias de cura coletivas. Conheça aqui a extensa programação que rolou durante um dia inteiro de atividades.

Essa programação reflete uma construção de conhecimentos e de tecnologias ancestrais que vem acontecendo em territórios de favela, o que possibilitou no festival, uma grande troca de experiências. Ao longo do dia, esses territórios se colocaram em evidência, no Centro da cidade, com suas soluções, como locais que elaboram e viabilizam infraestruturas, geram tecnologias, promovem pesquisas e atuam em incidência política nas áreas de justiça climática, educação socioambiental, políticas participativas, cultura e memória local, soberania alimentar, saúde coletiva, economia solidária, saneamento básico, justiça energética, transporte justo e moradia sustentável.

Abertura oficial do Festival Favela Sustentável por Theresa Williamson e Gisele Moura. Foto: Alexandre Cerqueira
Abertura do Festival Favela Sustentável com Theresa Williamson e Gisele Moura. Foto: Alexandre Cerqueira

O evento foi inaugurado por Theresa Williamson, diretora executiva da Comunidades Catalisadoras (ComCat)*, que mantém a equipe de gestão da RFS, e por Gisele Moura, coordenadora da equipe gestora da Rede Favela Sustentável, que contextualizou a organização do evento que iria transcorrer ao longo do dia.

“Hoje, a gente tá aqui nessa grande confluência de soluções. São mais de 90 favelas com mais de 100 propostas de soluções ao longo do dia, entre rodas de conversa, atividades, exposições, cineclube, oficinas… Vocês ganharam um panfleto com a programação. Então, circulem, fiquem à vontade para viver essa diversidade que a favela está proporcionando. A gente está aqui hoje no Centro da cidade, ocupando esse espaço com as nossas soluções. A gente está mostrando pro mundo o que é que a gente vem discutindo nos nossos lugares. Então, fiquem à vontade pra trocar. Tem muita gente incrível aqui e queria que vocês aproveitassem demais esse espaço.” — Gisele Moura

Apresentações Culturais

Durante todo o dia, foram realizadas apresentações culturais no palco do Festival Favela Sustentável, dentre elas: Música Pela Paz (Ponto de Cultura Aos Pés do Santa Marta), Eu Nasci na Escravidão do balé com coreografia baseada na História de Zumbi dos Palmares (Cia. de Dança Juliana Coelho/Cordovil), Sarau Ciranda com Poesias e Danças (Sarau Ciranda/Rocinha), Coral Dançante Interpretativo (Instituto de Restauração Humana Vivarte/Rocinha), Apresentação Cultural e Oficina de Ervas Sagradas (Centro de Integração Social Inzo Ia Nzambi-CISIN e Ponto de Cultura Preservando Raízes/Nova Iguaçu), Batalha do Grau (Pedala Queimados/Queimados), Funk e Meio Ambiente (#estudeofunk), Oficina de Dança e Percussão Afro (Afro Orunmilá/Mineira) e o Samba de Roda do Afoxé Filhos de Angola (Ofareré Cultural/Tijuquinha).

Pierre Avila, do Música Pela Paz, explica como nasceu o projeto que ajuda a construir na favela do Santa Marta, em Botafogo, na Zona Sul:

“A nossa comunidade, antes, não podia fazer eventos culturais, porque toda sexta-feira a gente tinha a polícia invadindo para que não houvesse cultura dentro da comunidade… Então, a gente resolveu fazer o Música Pela Paz. E, hoje, eu vou começar aqui com um repertório bem bacana pra vocês… Nosso lema é mais música, menos armas.”

Apresentação do Bloco Afro Òrúnmilá e grande público no Festival Favela Sustentável. Foto: Bárbara Dias/ComCat
Apresentação do Bloco Afro Òrúnmilá e grande público no Festival Favela Sustentável. Foto: Bárbara Dias

As apresentações do bloco Afro Òrúnmilá e do samba de roda Afoxé Filhos de Angola animaram bastante o festival, possibilitando que o público presente pudesse estar em contato com manifestações culturais de resgate e preservação da ancestralidade africana e afro-brasileira. Essas atrações, originadas a partir dos terreiros e das tradições religiosas afrodiaspóricas, como o Candomblé e Umbanda, conectaram os artistas e o público, que pôde participar de apresentações com raízes ancestrais por meio da música, da dança e dos ritmos, num fortalecimento da identidade negra e de luta antirracista.

Rodas de Conversa

As rodas de conversa foram um dos grande destaques do Festival Favela Sustentável. Algumas delas foram: “Mulheres Negras Empreendedoras das Favelas” (FAFERJ, CRIAR e REAFRO), “E a Água, Cadê? A Luta pelo Direito à Água no Rio de Janeiro” (Rede de Vigilância Popular em Saneamento e Saúde), “Transição Energética Justa: Papel Social da Energia Solar (Revolusolar/Babilônia e Chapéu-Mangueira), “Circularidade e Ancestralidade Literária: A Literatura Afro como Ponte para a Educação Antirracista” (Coletivo Afro Literário Circularidade e Ancestralidade/Bangu), “Vivência Reconectiva com a Natureza” (Coletivo de Banho de Floresta do RJ), e “Roda de Conversa sobre Tuberculose” (Cooperativa de Trabalho Transvida/Vila Cruzeiro, Complexo da Penha; Movimento de Mulheres Vitória Régia/Campo Grande; Associação Centro Social Fusão/Jacutinga, Mesquita; Associação de Mulheres da Ilha do Governador (AMUIG) e Movimento de Mulheres Maria Pimentel Marinho/Itacolomi, Ilha do Governador).

“Circularidade e Ancestralidade Literária A Literatura Afro como Ponte para a Educação Antirracista” promovida pelo Coletivo Afro Literário Circularidade e Ancestralidade, de Bangu, na Zona Oeste carioca. Foto: Alexandre Cerqueira/ComCat
“Circularidade e Ancestralidade Literária A Literatura Afro como Ponte para a Educação Antirracista” promovida pelo Coletivo Afro Literário Circularidade e Ancestralidade, de Bangu, na Zona Oeste. Foto: Alexandre Cerqueira

Telma Pires é presidente do Movimento de Mulheres Vitória Régia da Zona Oeste e faz parte da Rede Comunidades Saudáveis e do Fórum de Tuberculose do Estado do Rio de Janeiro. Ela relatou que:

“Nós estamos aqui nesse evento enorme para falar sobre a prevenção da tuberculose, que é o melhor remédio. E nós temos que ter também a expertise de mostrar para as pessoas [as medidas de] cuidado, porque [muitas] residências nas favelas não são [bem] ventiladas.”

Roda de conversa “Educação Ambiental sobre Coleta Seletiva”, com Claudete Costa, que acontecera durante o 1º Festival Favela Sustentável. Foto: Bárbara Dias

Irapuan Tupinambá, funcionário da CEDAE e membro do coletivo Aldeia Maracanã, durante as rodas de conversa, distribuiu mudas de plantas nativas, dentre elas o urucum,

“Estou aqui hoje nesse evento, um evento belíssimo, que une tanta coisa interessante e que está tudo entre nós e a gente quase não vê. Daí a grande importância desses eventos, que concentram em um só lugar tanta coisa para se ver. E [daí] a gente começa a ter noção de fato de um pedacinho da nossa diversidade. A gente na CEDAE tem um programa chamado Replantando Vida, que consiste em produzir florestas com mão de obra prisional… Nós, graças ao Pai Tupã, conseguimos ao longo desses 21, 22 anos alcançar a marca de produzir em torno de 2 milhões de mudas por ano. Nós temos mais de 4 milhões de mudas plantadas e dos que a gente produz, não produzimos só para as nossas tarefas e para as nossas compensações ambientais. Produzimos para que a sociedade possa levar esse sentimento para onde quer que seja, levando as nossas mudas para serem plantadas. Hoje em especial, eu enquanto indígena Tupinambá, estou me sentindo muito feliz porque uma das espécies mais doadas foi o urucum. É aquela fruta que tem sementes vermelhas, usada por nós indígenas para fazer as nossas artes, nossos grafismos, nossas pinturas na pele.” — Irapuan Tupinambá, CEDAE e Aldeia Maracanã

Irapuan Tupinambá, de verde ao centro, distribui mudas de plantas nativas, dentre elas o urucum, durante o Festival Favela Sustentável. Foto: Alexandre Cerqueira
Irapuan Tupinambá, de verde ao centro, distribui mudas de plantas nativas de projeto da CEDAE, dentre elas o urucum, durante o Festival Favela Sustentável. Foto: Alexandre Cerqueira

Ao meio-dia, a história dos Arcos da Lapa foi contada por Vilson Luiz, do Frente Penha, e Alexandre Pessoa, da EPSJV da Fiocruz.

Uma roda de conversa, que atraiu um grande público na parte da tarde, foi coordenada pela Rede de Vigilância Popular em Saneamento e Saúde.: “E a Água, Cadê? A Luta pelo Direito à Água no Rio de Janeiro” reuniu mais de 40 pessoas para discutir o direito à água no estado, em meio a denúncias da piora da distribuição pela concessionária Águas do Rio.

Participantes da Roda de Conversa “E a Água, Cadê? A Luta pelo Direito à Água no Rio de Janeiro” durante o 1º Festival Favela Sustentável. Foto: Bárbara Dias/ComCat
Participantes da Roda de Conversa “E a Água, Cadê? A Luta pelo Direito à Água no Rio de Janeiro” durante o 1º Festival Favela Sustentável. Foto: Bárbara Dias

Vários representantes de favelas puderam dar seus depoimentos sobre as dificuldades de acesso a esse direito básico. Nill Santos, da Associação Mulheres de Atitude e Compromisso Social (AMAC), em Duque de Caxias, explicou que os moradores se encontram organizados para evitar qualquer tipo de situação abusiva de cobrança.

“[Águas do Rio] falaram que vieram me visitar para pedir licença para entrar na nossa comunidade… Mas eu disse para eles, que eles não iam encontrar uma comunidade desinformada porque a gente informa a nossa comunidade através de rodas de conversa… Só que ninguém ia assinar documento nenhum enquanto eles não entrassem lá e conversassem com a comunidade, fizessem uma reunião com todos os moradores, para que as pessoas entendessem qual é o processo… Nosso maior problema com [Águas do Rio] são as contas absurdas… [Se eles tiverem] resposta pra isso… o espaço da AMAC está aberto para… conversarem com todos os moradores.” — Nill Santos

O “Jogo de Educação Ambiental Climática AP5” do Defensores do Planeta de Guaratiba, trouxe um jogo de tabuleiro onde as peças eram os próprios participantes. Mauro Pereira, biólogo, diretor executivo da ONG, explica a importância de participar do Festival para ele e para os jovens.

“Nós estamos aqui com 20 jovens de comunidades da Zona Oeste… que estão trazendo um pouco da nossa realidade, de uma Zona Oeste abandonada pelo poder público, [e que] infelizmente, [é] considerada uma zona de sacrifício da cidade. Então, as maiores empresas poluidoras—nós temos uma siderúrgica às margens da Baía de Sepetiba—essas empresas vêm poluindo e aumentando as emissões de gases de efeito estufa, impactando muito o nosso território. Então, esses jovens se reuniram, pensaram em uma forma de falar com eles mesmos. Pensaram naquele antigo jogo de tabuleiro, de pião, só que eles se colocam enquanto protagonistas desse jogo. Esse jogo foi chancelado pela Unicef como uma ideia inovadora e está rodando na Zona Oeste para mostrar e falar sobre as mudanças climáticas.” — Mauro Pereira

Crianças jogam o jogo “Educação Ambiental Climática AP5” durante o 1º Festival Favela Sustentável. Foto: Bárbara Dias

Oficinas Manuais

Muita criatividade e soluções sustentáveis foram compartilhadas nas oficinas manuais, pensadas tanto para adultos, quanto para crianças. Algumas das oficinas foram: “Estamparia com Pigmentos da Terra” (Terra Afetiva/Éden, São João de Meriti), “Receita de Vó na Roda” (Cozinha Solidária/Nova Campinas, Caxias), “Estêncil” (Museu da Maré), “Ervas e Oficina Sensorial” (Erveir@s do Salgueiro), “Quintais Erveiros e Ervas Medicinais” (Coletivo de Educação Popular e Libertária/Vila Parque da Cidade, Gávea), “Saberes e Aromas Sustentáveis” (Projeto Espaço Verde Horta/Niterói), “Brinquedos, Invenção e Infância: O Que Pode a Imaginação?” (Instituto Educacional Araújo Dutra/Palmeirinha), “A Importância das Cores na Alimentação Saudável” (Associação Mulheres da Parada/São Gonçalo), “Lixo que Se Transforma” (Ciclo Orgânico/Rocinha), “(Vermi)compostagem” (Minhocário Arboreum/Guaratiba), “Educação em Solos” (Embrapa Solos/Chapéu Mangueira) e “Como Montar uma Pesquisa Popular pelo Kobotoolbox” (Instituto Decodifica). 

Durante a oficina “Troca de Idéias com Teto Verde Favela” do Teto Verde Favela, Luis Cassiano, da favela do Arará, explicou a eficácia dos telhados verdes na redução da temperatura das casas. Ele compartilhou como era o processo de montagem da manta de bidim para fixação das plantas, além de citar algumas espécies bastante funcionais para os tetos verdes, que sobrevivem a esse tipo de montagem, às altas temperaturas e à alta incidência de luz solar. Ele chamou duas voluntárias para demonstrar, nas suas “casinhas”, como funciona um telhado verde.

Oficina do Teto Verde Favela, uma das 100 atividades que aconteceram durante o Festival Favela Sustentável. Foto: Alexandre Cerqueira

Lidiane Santos, coordenadora do projeto EcoRede, da instituição de base comunitária Alfazendo, da Cidade de Deus, desenvolveu a oficina “CriAção Sustentável” e falou sobre a importância da participação no Festival.

“A gente participa da Rede Favela Sustentável desde 2018. Para a gente é uma conquista muito importante estar aqui, comungando com todos esses projetos de favela, estar se reencontrando, se fortalecendo, vendo que esses projetos continuam resistindo e compartilhando os aprendizados desses anos. É muito bom estar aqui inspirando novas criações, podendo estar aprendendo com o pessoal, vendo que algumas agonias são compartilhadas pelos territórios e que eles também criaram soluções parecidas e tão criativas quanto a nossa. Então, é realmente um momento de aquilombamento, um momento de comunhão entre os favelados, de superação do racismo ambiental.” — Lidiane Santos

Dona Josefa e participante mostram o produto da oficina de forno solar, realizada durante o 1º Festival Favela Sustentável. Foto: Bárbara Dias

Dona Josefa Maria, educadora ambiental, agricultora agroecológica da Pedra do Sapo, no Complexo do Alemão, deu a oficina de produção de forno solar, e explicou a importância desse tipo de solução ambiental de reaproveitamento, para mitigar a insegurança alimentar de pessoas em vulnerabilidade social, já que o mesmo pode ser utilizado para cozinhar alimentos, sem o uso do gás de cozinha, a partir da energia do sol.

“Muitas vezes a pessoa nem tem condições de comprar um gás de cozinha, e aí pode fazer um fogão desse e usar. Claro que você [vai ter que fazer] hoje pra comer amanhã. Porque vai demorar três horas e meia pro feijão na panela de pressão e três horas pro arroz. Outras comidas você vai adquirindo [conhecimento sobre como cozinhar] no processo do aprendizado… Eu tive a ideia de fazer a caixa de papelão e aproveitando também o isopor.” – Josefa Maria

Espaço Feirante

A feira aconteceu ao longo de todo o dia com 50 barracas dedicadas à trocas de informação, venda de produtos, oficinas e exposições, valorizando experiências de diversos coletivos populares.

Expositoras da Feira do 1° Festival Favela Sustentável vendem diversas plantas, ervas e preparados com diversas propriedades. Foto: Barbara Dias/ComCat
Expositoras da feira do 1° Festival Favela Sustentável vendem e doam diversas plantas, ervas e preparados com diversas propriedades. Foto: Barbara Dias

Alguns dos expositores, perguntados sobre a importância de participarem do 1° Festival Favela Sustentável, responderam que é, além de tudo, uma ótima oportunidade de divulgar seus trabalhos. Em sua movimentada barraca, “Artesanatos da Nete”, Isanete Bernardo da Silva, 66, moradora de Acari, contou um pouco sobre a sua participação na feira.

“Eu trabalho com reciclagem. Tudo o que se possa imaginar, eu reciclo. Esse espaço é muito importante porque a gente divulga o nosso trabalho. Muita gente não conhecia… [e] estão encantadas de ver o meu tipo de trabalho… É muito importante ver as pessoas reconhecendo o meu trabalho. Eu estou amando a feira, amando mesmo.” — Isanete Bernardo da Silva

Dona Nete, da barraca “exposição de artesanatos recicláveis”, mostra seu trabalho durante o 1º Festival Favela Sustentável. Foto: Bárbara Dias/ComCat
Dona Nete, da barraca “Exposição Artesanato Reciclável”, mostra seu trabalho durante o 1º Festival Favela Sustentável. Foto: Bárbara Dias

Ainda na feira, houve um momento de emoção e empoderamento de jovens pretas, que estavam paradas na barraca Luminosidade das Ialodê, onde Anailda Charmite conversava com as mesmas. Algumas das falas ouvidas: “Eu quero estar mais bonita… Eu quero ser engenheira… Eu quero ser médica… Eu quero ir pra psicologia… A gente quer ser, a gente vai avançar, a gente está onde a gente quer”.

Dona Anailda Charmite, posa com meninas em frente a sua barraca “Luminosidade das Ialodes”, após contar sua história de lutas no Movimento Negro. Foto: Bárbara Dias

Pedi para que Dona Anailda pudesse explicar um pouco do trabalho de empoderamento, além das vendas que ela estava fazendo em seu empreendimento, e a resposta foi toda uma história de vida dedicada à as lutas do Movimento Negro.

“Eu fui modelo e manequim na época de 1970 e, com todas as dificuldades existentes, eu terminei seguindo um outro caminho, dando aula… Surgiu um bloco afro em Madureira com o nome de Agbara Dudu. E nesse bloco afro, só pessoas negras frequentavam. E ali eu comecei a dar aula e fazer um trabalho de autoestima, de passarela, de fotografia, de maquiagem, de fazer com que as pessoas soubessem andar de salto alto. E isso fez com que eu também buscasse outras maneiras de que eles pudessem ver o cabelo deles. Eu estava conversando sobre essa autoestima na década de 1970, 1980, 1990. Nós íamos para as comunidades, dentro das escolas públicas, e eles desfilavam… para que mostrasse quanto nós éramos belos.” – Anailda Charmite

Menina posa em espelho com formato do mapa da África na barraca “Luminosidade das Ialodes” de Dona Anailda Charmite. Foto: Bárbara Dias/ComCat
Menina posa em espelho com formato da África na barraca “Luminosidade das Ialodes” de Dona Anailda Charmite. Foto: Bárbara Dias

Outro destaque da feira foi o espaço de doações de mudas de ervas medicinais dos Erveiros do Salgueiro.

Espaços de Cura

Um dos espaços mais procurados do Festival Favela Sustentável preocupava-se com o autocuidado e reflexões sobre saúde física, emocional e mental. Nos Espaços de Cura, aconteceram, por exemplo: “Roda de Conversa Saúde da Mulher Preta” (Centro Humanitário Abebé de Ouro-CHAO), “Saúde nas Favelas em uma Perspectiva Antirracista” (Movimento Negro Unificado – Saúde), “Orientação para Alimentação Saudável” (Ações em Nutrição/Ramos), “Ação de Saúde Mental e Cuidado com o Corpo” (Centro Social Mulheres Conexão Feminina) e uma atividade sobre “Banho de Floresta” (Coletivo de Banho de Floresta do RJ).

Além das rodas de conversa, os participantes do Festival puderam aproveitar espaços de relaxamento e cuidado ancestral com chás naturais, massagens e escritas de poesias: prática de saúde popular (Casa Arte Cura e Agroecologia), Cuidado Coletivo – Técnica de Redução de Estresse (TRE) para Ativistas (Clara Simas Ferraz), Toque como Ferramenta de Cura (Terapia Movimento Corporal), Escrevivências Poéticas (Coletivo In-Put Ambiental), Spa: Cuidado com Ervas Medicinais (Providência Agroecológica), Terapias Nativas (Aldeia Rochedo Puri/Instituto Genivaldo Nogueira), Terapia AcuSphera Healing (Museu de Favela/PPG) e Terapia Prânica (Museu de Favela/PPG).

Mãe Jaci, ao centro, conduz a Roda de Conversa Saúde da Mulher Preta, uma das atividades que aconteceram nos espaços de cura, durante o 1º Festival Favela Sustentável. Foto: Bárbara Dias

Na “Roda de Conversa Saúde da Mulher Preta” (Centro Humanitário Abebé de Ouro-CHAO), Mãe Jaci, propôs uma reflexão com as participantes, colocando a questão de raça na centralidade da discussão. Discutiram sobre a saúde das mulheres pretas, das sobrecargas e dificuldades de existir. Apesar de ser um tema que mexe com as emoções, Mãe Jaci conduziu com muita delicadeza a roda. Ao final da roda de conversa, ela falou da importância de trazer sua atividade para o festival.

“Nós trouxemos para o Festival Favela Sustentável, a roda de conversa sobre a saúde da mulher preta no contexto da maturidade, que não é só sobre as doenças, sobre o acesso à saúde pública, mas também sobre todo o sofrimento da pobreza, das perdas que a gente sofre todos os dias. Nós viemos falar da importância do coletivo na vida dessa mulher, onde essa mulher não se cura sozinha. O Festival está lindo! E abriu a possibilidade de um cantinho muito aconchegante pra gente. A gente conseguiu se reunir, se ouvir. É um espaço de cura, de acolhimento. Eu estou muito emocionada. Eu esperei muito esse dia da gente conseguir sair do terreiro! Esse é um projeto de um terreiro de Candomblé, lá em Itaipuaçu, onde eu já atendo a comunidade há cinco anos. E a gente conseguir sair da nossa comunidade e falar pra mais gente o que a gente já faz, é tão bonito, tão bacana. Tem tanta gente que precisa ser ouvida, tem tanta coisa que ainda precisa ser dita. A gente não quer mais falar das dores, a gente quer dizer que a cura é possível, mas só é possível através de um abraço de quem entende o que você está sentindo. E, hoje, este Festival é exatamente sobre isso.” — Mãe Jaci

No “Spa: Cuidado com Ervas Medicinais” (Providência Agroecológica), os frequentadores podiam fazer uso de chás com ervas medicinais ou relaxantes, além do escalda pés. Num espaço intimista e agradável, o clima era calmo e os aromas de bem estar eram perceptíveis para quem se aproximava da sala, onde a atividade era realizada.

Spa: Cuidado com Ervas Medicinais, do Providência Agroecológica, uma das terapias de relaxamento que aconteceram nos espaços de cura, durante o 1º Festival Favela Sustentável.Foto: Bárbara Dias

Outro estilo de terapia foi promovido pela oficina de “Escrevivências Poéticas” (Coletivo In-Put Ambiental), onde Thoth Takita e seus colegas trouxeram a proposta de escrita de poesia como forma de expressão e alívio de sentimentos e dores cotidianas, além do incentivo da escrita como uma forma de registros das vivências.

“Cada vivência é única e especial. Então, o que é a escrita? Ela é importante [porque] às vezes temos um monte de ‘corres’ no dia-a-dia, que a gente não resolve com amigos, ou com esposa, com marido, com namorado… E a gente fica guardando aquilo, então isso tem que ser colocado para fora… O escrever poético, ajuda a desaguar todas essas nossas energias.” – Thoth Takita

Ervas medicinais, do Providência Agroecológica, uma das muitas terapias de relaxamento, que aconteceram no espaço de cura, durante o 1º Festival Favela Sustentável.Foto: Bárbara Dias/ComCat
Ervas medicinais, do Providência Agroecológica, uma das terapias de relaxamento, que aconteceram nos espaços de cura, durante o 1º Festival Favela Sustentável.Foto: Bárbara Dias

Cineclube e Exposições

No cineclube, pela manhã foram realizadas as atividades: “Audiovisual a Serviço do Social” (Samba Literário/São João de Meriti), além de debates e reflexões sobre resistências de uma zona de sacrifício, com os filmes Histórias de Pescador e Baía (pelo Ecomuseu de Sepetiba) e os curtas Saúde na Perspectiva Antiracista e Todo Mundo Pode Brincar (por Manguinhos Solidário).

A tarde teve oficina com pesquisadores crias das favelas e periferias (LEDUB/CPX do Lins/Vidigal/Maré), a apresentação do filme Seguramos o Céu Contando Histórias pelo Favela Cineclube do Morro da Providência, e a oficina de montagem de formulário de pesquisa no Kobotoolbox com o Instituto Decodifica.

Cineclube onde aconteceram várias projeções e debates durante o 1º Festival Favela Sustentável. Foto: Alexandre Cerqueira

Entre as exposições, estiveram presentes: Memória Climática das Favelas; A História dos Rios e da Mata Machado: Desvendando a História da Comunidade Mata Machado (Coletivo Favela Jovem/Casa Favela); Memórias do Cerro Corá (Cerro Corá Moradores em Movimento); Imagens de Memória e Luta (Museu das Remoções/Vila Autódromo) e Horta Social para Terceira Idade e Segurança Alimentar e Sustentabilidade (Movimento de Mulheres do Parque Horácio Cordeiro Franco/Benfica).

O espaço de exposições, trouxe uma série de possibilidades, de aprofundamento sobre histórias e memórias das favelas, durante o 1º Festival Favela Sustentável. Na foto a exposição Memória Climática das Favelas da RFS. Foto: Alexandre Cerqueira

O 1º Festival Favela Sustentável se consolida como um evento de sustentabilidade criado pela favela e para a favela, aberto a todos os interessados, cuja apresentação de soluções socioambientais inovadoras durante um dia intenso de trabalho destaca as favelas no centro das soluções para os crescentes desafios socioambientais, reafirmando dessa forma, o protagonismo desses territórios como agentes fundamentais na construção de um futuro mais justo e sustentável. Em um espaço repleto de saberes compartilhados, o Festival promoveu uma troca de saberes e o fortalecimento dos laços comunitários entre as favelas e também outras áreas da cidade. Um evento como este, tem não só o potencial de transformar esses territórios, mas toda a sociedade.

Guarde a data! A Rede Favela Sustentável já comunicou a previsão do 2o Festival Favela Sustentável ser marcado para 18 de outubro de 2025. Vale a pena já marcar na agenda.

Veja as Fotos Oficiais do 1º Festival Favela Sustentável no Flickr:

1o Festival Favela Sustentável, 19 de outubro de 2024

*A Rede Favela Sustentável (RFS), o Termo Territorial Coletivo (TTC) e o RioOnWatch são iniciativas gerenciadas pela organização sem fins lucrativos, Comunidades Catalisadoras (ComCat).

Sobre a autora: Bárbara Dias, cria de Bangu, possui licenciatura em Ciências Biológicas, mestrado em Educação Ambiental e atua como professora da rede pública desde 2006. É fotojornalista e trabalha também com fotografia documental. É comunicadora popular formada pelo Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) e co-fundadora do Coletivo Fotoguerrilha.


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