Essenciais, Catadores de Recicláveis Ficam Sem Renda ou Expostos ao Coronavírus #ApoieUmCatador

Catadora carrega uma carroça. Foto: Cícero R. C. Omena

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Esta é a nossa mais recente matéria de uma série gerada por uma parceria, com o Digital Brazil Project do Centro Behner Stiefel de Estudos Brasileiros da Universidade Estadual de San Diego na Califórnia, para produzir matérias sobre direitos humanos e justiça socioambiental em favelas.

Durante a pandemia do coronavírus, um dos segmentos mais afetados é o dos catadores de materiais recicláveis. Eles estão entre as categorias mais vulnerabilizadas e sujeitas ao preconceito social em nosso país. Dependentes da renda oriunda da coleta dos materiais, sem outras fontes, poucos sentem-se capazes de se isolar durante a quarentena. Também vivem desafios com a venda dos resíduos coletados e os riscos da exposição ao vírus a partir do contato com os materiais. Enfrentando condições de trabalho adversas, catadores são responsáveis por cerca de 90% da reciclagem no Brasil e, apesar de invisibilizados, realizam uma atividade essencial para a sustentabilidade e salubridade das nossas cidades.

Edson Freitas, presidente da Associação dos Recicladores do Estado do Rio de Janeiro (ARERJ) e fundador da ONG EccoVida, explica que “o lixo, quando coletado pelo catador, vira matéria prima, gera milhares de empregos e renda, traz economia para cofres públicos, poupa recursos naturais e ainda preserva o meio ambiente”. Dados do Anuário da Reciclagem 2017-2018, analisando a operação de 260 organizações de catadores, indicam que em 2018 cada catador gerou uma renda média de R$969 e coletou em média 1,6 toneladas de material reciclável a cada mês—prevenindo que o material fosse parar em aterros ou lixões. Além disso, cálculos do mesmo relatório indicam que o incentivo ao funcionamento dessas organizações resultou em uma economia superior a R$67 milhões para as prefeituras envolvidas e na redução de emissões de 64.613 toneladas de gás carbônico.

Hanna Rodrigues, fundadora da Teiares, empresa de gestão de resíduos sólidos para estabelecimentos comerciais baseada na remuneração do trabalho de cooperativas de catadores, complementa: “É através da mão [de obra] dessa categoria que esse material retorna à indústria recicladora. Sem o trabalho dos catadores não existe de fato a economia circular”. Estima-se haver entre 400.000 e 800.000 catadores no Brasil, responsáveis pela realização desse serviço essencial.

Catadores da cooperativa de reciclagem Coopfuturo. Foto: Teirares.

Apesar da importância da categoria, catadores enfrentam condições adversas, exacerbadas durante o período da pandemia. Sejam eles independentes ou participantes de cooperativas, catadores geram sua renda dia a dia, recolhendo e separando materiais para serem reaproveitados. “São pessoas que dependem e vivem da venda desses materiais recicláveis e não têm outra fonte de renda para sustentar a si e suas famílias”, declara Edson.

Há preocupação em especial com catadores em situação de rua, que tem menos facilidade do que catadores cooperados em acessar iniciativas ou instituições que estão mobilizando apoios. Mesmo o recebimento dos auxílios oficiais é dificultado, pois esses trabalhadores muitas vezes não têm os meios, como celular e acesso à internet, para solicitar, acompanhar e receber o benefício.

Durante a pandemia, as pessoas que seguem coletando estão se deparando com uma situação inviável. Com o fechamento de indústrias, os compradores dos materiais recicláveis ou pararam de comprar ou estão pagando preços bem abaixo do padrão. Gilberto Batista, morador do Salgueiro, na Zona Norte, e fundador da organização de coleta de resíduos Comunidade Limpa Só Lazer explica. “Plástico era R$1 o quilo, agora tá 70 centavos. No ferro velho estão cobrando 50 centavos o quilo, antes era de 85 a 90 centavos”, lamenta Gilberto.

“Os impactos foram muito fortes. Como as indústrias de reciclagem pararam de comprar, os preços despencaram em média 50%, desestimulando a coleta de vários materiais”, explica Edson, ressaltando também que alguns depósitos e cooperativas fecharam por não terem como armazenar grandes volumes de materiais.

Além da questão econômica, há grande preocupação com a saúde dos catadores. Segundo Edson, “mesmo em tempos normais os materiais vêm muito sujos e às vezes contaminados até com materiais hospitalares”. Como os cidadãos não têm costume de dar tratamento adequado aos materiais antes do descarte, “nesse período de pandemia muitos desses materiais podem vir contaminados com o vírus, já que ele permanece por alguns dias nos materiais”. 

Recomenda-se fazer a higienização dos materiais recicláveis antes do descarte, com água e sabão ou cloro. No caso de materiais que não podem ser lavados, como o papelão, as opções são de descartá-los junto com o lixo comum ou deixá-los isolados por um período de 5 dias antes de fazer o descarte. O Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) também faz um alerta especial em relação a luvas, máscaras e EPIs, que devem ser descartados no lixo comum. E caso alguém da sua família esteja com sintomas da Covid-19, todos os materiais devem ser descartados no lixo comum, embalados por duas camadas de sacolas plásticas. De qualquer forma, a recomendação é de que catadores trabalhem sempre com equipamentos de proteção.

Para catadores, a exposição ao vírus é agravada por alguns fatores. “A maioria das cooperativas é composta por pessoas do grupo de risco, muitos são idosos ou têm problemas de saúde”, lembra Hanna. Ela aponta também que a maioria dos catadores vivem em condições de saneamento precário e tem pouco acesso a serviços de saúde.

Na cidade do Rio de Janeiro, cooperativas seguem autorizadas a atuar, com a recomendação de uso de equipamentos de proteção e dispensa de trabalhadores que sejam parte do grupo de risco—estimados em 15% da força de trabalho dos catadores cooperados pelo Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). Na prática, mais de 50% da cooperativas que recebem materiais da COMLURB suspenderam suas atividades para proteger os cooperados.

“Por mais que por decreto federal esse serviço seja considerado essencial—por fazer parte da cadeia de tratamento de resíduos—eu acredito que manter atividades, considerando a realidade em que as cooperativas e os catadores estão inseridos hoje, deixa este grupo extremamente vulnerável”, reflete Hanna. “Se fosse uma cooperativa que tivesse só catadores jovens, que tivessem condições de se manter num distanciamento maior, todo mundo com luva, com máscaras, higienizando as mãos com frequência, deixando o resíduo de quarentena talvez uma semana antes de processá-lo, pensaria que seria viável retomar as atividades. Mas a gente sabe que essa não é a condição atual da maioria [das cooperativas].” Hanna sugere que cada cooperativa avalie o quão vulnerável são seus catadores e o quanto podem ser expostos, além de considerar a viabilidade econômica da retomada das atividades.

Gilberto aponta um agravante na situação dos catadores de forma geral. “Catador é pago pelo material mas não pelo serviço. E a mão de obra dele? Ninguém paga, ninguém vê.” Para agir sobre esta questão diretamente, a Teiares está estudando a possibilidade de criação de um serviço de coleta de recicláveis—seguindo todos os procedimentos de segurança sanitária necessários no momento—em que cidadãos paguem para terem seus recicláveis encaminhados diretamente para cooperativas, que serão remuneradas pelo serviço. A empresa está realizando uma pesquisa online para determinar a viabilidade da iniciativa.

Para ter renda, em abril, catadores recorreram ao auxílio emergencial do Governo Federal, mas muitos encontraram dificuldade em acessá-lo. Gilberto explica a situação dos catadores com quem trabalha no Salgueiro: “Tentamos milhares de vezes utilizar o aplicativo Caixa Tem, mas não funcionou da forma que deveria. Demorei mais ou menos um mês pra [conseguir] tirar o dinheiro da conta online e passar pra minha conta”. 

Edson ressalta o fato de que muitos catadores não têm acesso à internet e sugere que cidadãos se disponham a auxiliar catadores no cadastramento para receber auxílio. “É um exército de pessoas necessitadas. Os catadores, principalmente os que vivem nas ruas, vivem em uma situação de pobreza extrema o que nos deixa muito preocupados. Muitos deles não têm acesso a informações ou condições para acessar os benefícios ou assistência dos poderes públicos.” 

Agora há possibilidade de maiores desafios no recebimento, pois o presidente da República, Jair Bolsonaro, vetou a inclusão da categoria de catadores de materiais recicláveis entre os beneficiários do auxílio emergencial. O veto precisa ainda ser aprovado ou derrubado pelo Congresso Nacional.

Já o Governo Estadual do Rio de Janeiro aprovou a provisão de uma renda mínima emergencial para empreendedores da economia popular solidária cadastrados no Cadastro Nacional de Empreendimentos Econômicos Solidários e Comércio Justo (CADSOL), que contempla alguns dos catadores de recicláveis cooperados. Até o momento a forma como este auxílio será distribuído ainda não foi regulamentada.

Enquanto isso, diversos movimentos solidários se mobilizam para apoiar catadores durante a pandemia. Ana Santos, coordenadora do Centro de Integração na Serra da Misericórdia (CEM), aponta que “se não fossem as mobilizações comunitárias, muitas pessoas teriam morrido de fome”. Veja abaixo como apoiar estes movimentos solidários.

Ana, Hanna, Edson, Gilberto e muitos outros estão se unindo através do Grupo de Trabalho de Resíduos Sólidos da Rede Favela Sustentável no Rio de Janeiro para a realização de uma campanha unificadora a ser lançada no início de junho que apoiará todos os movimentos em prol dos catadores abaixo, e outros, na cidade, além de estimular a sociedade a tomar consciência sobre o seu lixo neste momento em que tantos estão em casa em contato direto com ele. Fique de olho nas redes sociais da Rede Favela Sustentável pelo Facebook ou Instagram de olho na campanha #ApoieUmCatador e o desafio #MostreSeuLixo.

Iniciativas e Campanhas de Apoio Aos Catadores

Iniciativa: A Cooperativa Transvida está em busca de apoio para a compra de produtos de limpeza e alimentos básicos para proteger as famílias da fome. A cooperativa, formada por dezenas de catadores trabalhando desde 2011 com a coleta de materiais recicláveis no Complexo da Penha, está com suas atividades suspensas por causa do risco de contaminação dos resíduos. A cooperativa é integrante da Rede Favela Sustentável e, além de coletar resíduos, estimula a educação ambiental nas favelas.
Doações: aqui

Iniciativa: Coopfuturo, Coopama, ACAMJG, Coopercaxias, Coopernovaera e Associação Bela Amizade são cooperativas de reciclagem compostas em grande parte por pessoas do grupo de risco da Covid-19. Com as atividade paradas, elas buscam garantir cestas básicas e materiais de higiene para seus cooperados. Esse é um financiamento coletivo com reembolso em uma moeda social chamada MUDA.
Doações: aqui

Iniciativa: O Fórum Municipal Dos Catadores E Catadoras Do Rio De Janeiro, integrado por 21 cooperativas de catadores do estado, criou uma campanha de financiamento coletivo para destinar 300 cestas compostas por alimentos e kit de limpeza para catadores cooperados.
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Iniciativa: O Movimento Nacional Eu Sou Catador de Materiais Recicláveis (MESC) está arrecadando recursos para comprar cestas básicas e kits de higiene para as famílias de 740 catadores autônomos e cooperados, que fazem parte do movimento.
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Iniciativa: Um grupo de 19 cooperativas de catadores de materiais recicláveis distribuídas em seis estados do Brasil se juntou para arrecadar recursos, com apoio da consultoria Visões da Terra. A proposta é garantir uma renda mínima de R$300 para um total de 352 cooperados, até que seja possível retomar as atividades.
Doações: aqui

Iniciativa: A Associação Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (ANCAT), o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) e a União Nacional de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis do Brasil (Unicatadores) estão realizando, em parceria com diversas instituições, a campanha Solidariedade Aos Catadores para proporcionar segurança alimentar e bem-estar para catadores. As doações serão transformadas em um crédito de R$200 através de um cartão vale-alimentação, permitindo às famílias comprar o que mais necessitam e apoiar os pequenos comerciantes locais. Catadores autônomos e cooperativas podem se inscrever para receber os auxílios.
Doações: aqui
Cadastramento: de cooperativas aqui e de catadores autônomos aqui

Iniciativa: As iniciativas Cataki e Pimp My Carroça criaram um financiamento coletivo para garantir uma renda mínima para catadores autônomos registrados na plataforma Cataki. Os recursos arrecadados serão distribuídos igualmente entre os quase 3 mil cadastrados.
Doações: aqui

*Tanto o RioOnWatch quanto a Rede Favela Sustentável são iniciativas da Comunidades Catalisadoras.


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