Uma Abordagem Piramidal para Urbanização das Favelas: Superação de Lacuna, Equidade e Autoestima (Parte 6)

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Esta é a última matéria de uma série de seis sobre a aplicação da Pirâmide de Meléndez à urbanização de favelas na cidade do Rio de Janeiro. Este conceito foi concebido pela autora desta série como uma metodologia para alcançar resultados mais coerentes e sustentáveis na urbanização de favelas. Inspirada na Hierarquia de Necessidades de Maslow, a pirâmide de Meléndez é composta por dez blocos, cada um representando um conjunto de elementos indispensáveis. Principalmente com base na multidimensionalidade, interdependência e simultaneidade, a pirâmide aborda os aspectos físicos, políticos, econômicos, sociais, culturais e psicoemocionais das favelas.

Esta sexta matéria aborda os componentes psicológicos e emocionais muitas vezes esquecidos no planejamento de melhorias nas favelas. Leia a série inteira aqui.


Os últimos dois blocos da Pirâmide de Meléndez para Urbanização de Favelas abordam componentes psicológicos e emocionais, muito frequentemente esquecidos no planejamento para a urbanização de favelas. Esses dois últimos níveis são: superar a lacuna entre um projeto de desenvolvimento e progresso social; e a produção de inclusão, equidade e autoestima entre moradores das favelas.

Muitas vezes, condições locais expõem moradores a uma série de vulnerabilidades que prejudicam o florescimento humano. Telhados e paredes não são a garantia de um lar da mesma forma que edifícios não são a garantia de espaços ou de cidades. Portanto, a urbanização da favela precisa abordar aspectos que se encontram incorporados, às vezes intangíveis, que dificultam o desenvolvimento humano pleno.

Os planejadores urbanos Ivo Imparato e Jeff Ruster descreveram esse aspecto como “fechar a lacuna entre um projeto de desenvolvimento e um projeto social”. A partir de suas ideias, nossa pirâmide se propõe a superar a lacuna entre um projeto de desenvolvimento e o progresso social. Essa transição só pode ocorrer quando os processos de urbanização abordam componentes psicoemocionais, inspirando atitudes proativas que favoreçam o desenvolvimento. Quando um projeto não se transforma em progresso social, ele está ignorando a dimensão humana em tudo, pois desenvolvimento é inerentemente sobre pessoas.

Em primeiro lugar, superar a lacuna é analisar as estruturas da comunidade e trabalhar ao lado dos moradores para resolver as deficiências. Além disso, os obstáculos ao progresso social devem ser removidos (estereótipos, sexismo, violência de gênero, a falta de empoderamento feminino, baixo nível de alfabetização, deficiência na educação, falta de consciência ambiental etc.). Essas etapas são essenciais, uma vez que hábitos negativos podem dificultar a autonomia adquirida com o desenvolvimento físico.

Para que o progresso social seja alcançado, o placemaking precisa ser um elemento importante. Nossas identidades são moldadas pelas áreas em que vivemos. Portanto, superar a lacuna é encorajar que os moradores se deem conta de seu valor inerente e poder transformador, por meio de um trampolim (níveis anteriores da pirâmide) e de iniciativas psicoemocionais específicas (os dois últimos blocos da pirâmide).

Visto que o lugar onde vivemos nos molda, a urbanização de favelas deve afirmar sua missão social de cumprir a dignidade humana. Como os urbanistas ecológicos Mohsen Mostafavi e Gareth Doherty descrevem, planejadores urbanos deveriam agir como “médicos da cidade”. Dessa forma, o planejamento urbano e a urbanização garantem o respeito e o desenvolvimento da vida das favelas, humanizando-as. Essa sensibilização permite que a sociedade melhore, inclua, aumente, reconheça e valorize o valor e o potencial das favelas.

O topo da nossa pirâmide é intrinsecamente emocional, ele engloba a produção de inclusão, equidade e autoestima. Esses elementos devem ser alcançados transversalmente, ao longo do ciclo de urbanização, e complementados no final, assim que mais aspectos urgentes tenham sido atendidos.

Inclusão, equidade e autoestima surgem por meio da constituição de redes que possibilitam, entre moradores das favelas do Rio de Janeiro, o sentimento de pertencimento à sua cidade. Componentes físicos, econômicos, sociais, políticos, psicológicos e emocionais, garantidos por meio de redes de apoio—que podem ser formadas nas próprias favelas, mas idealmente envolveriam a sociedade em geral—confeririam a eles acesso a uma vida urbana mais justa, combatendo o estigma social e estimulando a coesão social.

Em termos práticos, os elementos urbanos que mais contribuem para gerar sentimentos e realidades de inclusão, equidade e autoestima são os espaços públicos, os projetos culturais e educacionais e transportes públicos dignos.

Por sua vez, os espaços públicos podem proporcionar interações em que os cidadãos estejam em pé de igualdade, rompendo estereótipos por meio da coexistência. Os espaços públicos são propícios à construção de comunidades, redes de solidariedade, melhor autopercepção e orgulho. Nesse sentido, muitas favelas do Rio são ótimas na construção desses espaços. Ao lutar contra a criminalização dos espaços públicos, os moradores criaram lugares para compartilhar e conviver. É o caso do EDUCAP, do Complexo do Alemão, e da transformação do viaduto do Realengo em parque verde.

Em relação a educação e cultura, o Rio de Janeiro tem uma vantagem natural dada sua rica e diversificada cultura popular. Apesar de uma crônica falta de provisão para cultura no município, iniciativas culturais relevantes com o objetivo de mudar as narrativas das favelas continuam a prosperar. Por exemplo, o Museu do Grafitti da Pavuna, o Teatre-se do Cantagalo e várias outras soluções de base.

Por fim, um transporte público de qualidade implica a inclusão literal, equalização e reconhecimento dos moradores das favelas. De acordo com a planejadora Daniela Fabricius, há mais de 10.000 vans informais operando no Rio de Janeiro (contra uma frota de 8.700 ônibus). Este fato ressalta o desprezo público por muitas áreas urbanas. As autoridades públicas devem cumprir sua função de prover à população, projetando iniciativas de transporte público que dignifiquem o tempo das pessoas.

Até agora, eles deram prioridade ao marketing em detrimento da funcionalidade. Por exemplo, o teleférico do Complexo do Alemão, com seus enormes custos e que exigiu remoções de moradores para criar um sistema de transporte com várias paradas, era “para inglês ver“—construído antes das Olimpíadas de 2016, mas abandonado logo depois.

Negligenciar esses componentes emocionais resultam em urbanizações incompletas, insustentáveis ou irrelevantes. O Rio deve realizar urbanizações de forma que realmente aumentem a qualidade de vida e a autoestima dos cidadãos.

A vida na favela é uma estratégia de sobrevivência, que tem produzido um trabalho incansável e recursos coletivos na tentativa de superar a negligência do setor público. Como tal, a vida na favela é uma constante reivindicação de direitos, uma crítica ao sistema atual, que demanda um Rio de Janeiro mais inclusivo, equitativo e baseado na autoestima.

Para concluir, por meio do placemaking, nossa pirâmide clama por uma mudança na narrativa da favela, em um processo no qual toda a cidade deve participar. Esse processo envolve a rejeição de estereótipos e um esforço para compreender a realidade da favela, humanizando-a. A urbanização das favelas deve ser focada nos objetivos dos moradores e em como lhes fornecer apoio, estruturas e capacidades para realizar suas aspirações.

Este é a última matéria de uma série de seis partes.

Natalia Meléndez Fuentes é mestranda em Construção e Design Urbano em Desenvolvimento na Unidade de Planejamento de Desenvolvimento Bartlett na University College de Londres. Sua pesquisa analisa os elementos psicoemocionais das favelas e da urbanização de favelas, principalmente na América Latina, e como trazê-los à tona.

*A Rede Favela Sustentável (RFS) e o RioOnWatch são projetos da Comunidades Catalisadoras.


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