Adeus ‘Aglomerados Subnormais’ Parte 3: Epistemologia Periférica no Desenho do Censo e a Apresentação de uma Nova Nomenclatura

No terceiro dia de seminário, lideranças pautam as epistemologias faveladas como pressuposto de pesquisas comunitárias e públicas que se proponham a ter capilaridade em favelas e comunidades urbanas. Na foto, uma roda de conversa entre, da esquerda para a direita, Flávia Feitosa (UFABC); Polinho Mota (data_labe); Iná Odara Cholodoski Monteiro Torres (LabJaca); e Dalcio Marinho Gonçalves (Redes da Maré). Foto: IBGE
No terceiro dia de seminário, debatedores pautam as epistemologias faveladas como pressuposto de pesquisas comunitárias e públicas que se proponham a ter capilaridade em favelas e comunidades urbanas. Na foto, uma roda de conversa entre, da esquerda para a direita, Flávia Feitosa (UFABC); Polinho Mota (Data_labe); Iná Odara Cholodoski Monteiro Torres (LabJaca); e Dalcio Marinho Gonçalves (Redes da Maré). Foto: IBGE

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Esta é a terceira matéria de uma série de três sobre um seminário inédito do IBGE que discutiu a mudança do termo “aglomerado subnormal” a partir da perspectiva de favelas e assentamentos populares.

Entre os dias 25 e 28 de setembro de 2023, lideranças de favelas, comunidades urbanas, marés, alagados, mangues, palafitas, vilas, vales, morros, assentamentos autoproduzidos, assentamentos populares, invasões, grutas, bairros, ocupações, quebradas, grotas, baixadas, ressacas, mocambos, loteamentos formais e informais, e vilas malocas (como eles mesmo se identificaram), junto de funcionários do IBGE e pesquisadores se reuniram online e em Brasília, na sede do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para o I Encontro Nacional de Produção, Análise e Disseminação de Informações acerca das Favelas e Comunidades Urbanas do Brasil. Com a presença diária presencial de aproximadamente 80 pessoas, o evento também foi assistido online por centenas de interessados.

Produção de Informações sobre as Favelas e Comunidades Urbanas Brasileiras para Além dos Órgãos Oficiais

Abrindo o terceiro dia, esta roda teve como cerne debater experiências comunitárias de levantamentos de dados e produção de estatísticas. Pretendeu-se, igualmente, discutir o que a produção de estatística de órgãos oficiais como o IBGE aborda sobre favelas e comunidades urbanas e o que não é abordado, contemplado só por pesquisas populares.

Da esquerda para a direita, Flávia Feitosa (UFABC); Polinho Mota (data_labe); Isabella Nunes, a mediadora; Dalcio Marinho Gonçalves (Redes da Maré); e Iná Odara Cholodoski Monteiro Torres (LabJaca). Foto: IBGE
Da esquerda para a direita, Flávia Feitosa (UFABC); Polinho Mota (data_labe); Isabella Nunes, a mediadora; Dalcio Marinho Gonçalves (Redes da Maré); e Iná Odara Cholodoski Monteiro Torres (LabJaca). Foto: IBGE

Dalcio Marinho Gonçalves, pesquisador da Redes da Maré e da Uniperiferias, ambas no Rio de Janeiro, compartilhou com os presentes um histórico da experiência da Redes da Maré na produção comunitária de estatísticas, possibilitada por parcerias com organizações da sociedade civil e públicas.

  • 2010 – Censo Maré: Foi uma iniciativa da Redes da Maré e do Observatório de Favelas que teve suas bases lançadas em 2010, tocado por moradores: 93 pessoas como pesquisadores de campo, 53 na coordenação, supervisão, revisão ou análise e 12 na digitação. A primeira ação do Censo Maré foi a revisão das informações cartográficas disponíveis. Para tal, foi necessária uma parceria com o Instituto Pereira Passos (IPP) da Prefeitura do Rio de Janeiro, que compartilhou a base cartográfica atualizada, e com as 16 associações de moradores do Complexo da Maré;
  • 2012 – Guia de Ruas da Maré: Derivado desta revisão cartográfica, o Guia de Ruas da Maré foi o segundo produto do projeto estatístico da Redes em parceria com o Observatório de Favelas e com o IPP. O principal objetivo desse trabalho foi produzir conhecimento sobre essas áreas, de modo a enfrentar estereótipos sobre a vida no conjunto de favelas. Este Guia foi instrumental para reivindicar, por exemplo, que as ruas da Maré ganhassem um Código de Endereçamento Postal (CEP), o que muitas favelas não têm. O projeto foi tão bem sucedido que, em 2014, a 2ª Edição do Guia de Ruas da Maré foi lançada;
  • 2014 – Censo de Empreendimentos Econômicos: Esta terceira etapa teve início na fase de conclusão do censo e foi voltada para o mapeamento de empreendimentos comerciais e para a produção de conhecimento nesse campo—o que será fundamental para a elaboração e realização de políticas públicas na área econômica. Este foi o primeiro mapeamento de empreendimentos comerciais da região, pensada para guiar um projeto de desenvolvimento que melhore a qualidade de vida dos moradores;
  • 2019 – Censo Populacional da Maré: Trata-se da pesquisa censitária mais recente da Redes da Maré em parceria com Observatório de Favelas e as associações de moradores. Esse estudo visa analisar a Maré em toda a sua diversidade populacional, social, e econômica. É o maior estudo já realizado por essas instituições, contando com a participação de moradores ao longo de todo o processo.
Censo da Maré. Foto: Redes da Maré
Censo da Maré. Foto: Redes da Maré
Polinho Mota, coordenador de dados do data_labe. Foto: IBGE
Polinho Mota, coordenador de dados do data_labe. Foto: IBGE

Após a exposição de Dalcio, Polinho Mota, coordenador de dados do data_labe, organização também baseada na Maré, e Iná Odara Cholodoski Monteiro Torres, do LabJaca no Jacarezinho, dialogaram sobre como é importante discutir os conceitos, indicadores e parâmetros de análise com os moradores quando se pensa em uma pesquisa relevante. Segundo Polinho, o IBGE não vai incorporar diretamente esses dados produzidos por iniciativas como do CocôZap e LabJaca, mas esses dados certamente deveriam influenciar a chegada de políticas por órgãos públicos.

Existia uma barreira, mas hoje começamos a furar ela para estar aqui… Processos universalizantes causaram um distanciamento das pessoas e um distanciamento do retrato que dá conta melhor da realidade que uma pessoa vive. Os aspectos simbólicos importam e só quem entende dessa simbologia é quem vive..” — Polinho Mota

Desafios Operacionais de Mapeamento, Coleta e Supervisão em Favelas e Comunidades Urbanas

A quinta roda de conversa, sobre as dificuldades na prática censitária em territórios de favela e análogos, teve a mediação de Jaison Cervi, chefe do Setor de Territórios Sociais do IBGE, que começou sua fala afirmando que o IBGE, desde o primeiro censo que pesquisou favelas, nos anos 1950, vem tentando aprimorar seu desempenho estatístico, metodologias e abordagens.

“Foi necessário treinamento específico para as favelas e comunidades… O treinamento como um todo não capta as particularidades das favelas e comunidades.” — Jailson Cervi

Wellington Fernandes (Quebrada Maps); Andréa Pulici (IPP); Jaison Cervi (IBGE), mediador; Clístenes Mendonça; e Vanessa Freitas (ONU-Habitat). Foto: IBGE
Wellington Fernandes (Quebrada Maps); Andréa Pulici (IPP); Jaison Cervi (IBGE), mediador; Clístenes Mendonça; e Vanessa Freitas (ONU-Habitat). Foto: IBGE

Andréa Pulici, do IPP, também pensando nas dificuldades do censo nas favelas, provoca: “culturas diferentes, formas diferentes, como conseguir manter a mesma metodologia de coleta?” Para ela, é necessário adaptar a metodologia e a abordagem a cada território, às vezes, com pesquisadores de campo locais trabalhando em seus próprios territórios.

“Há a necessidade de capacitar… trabalhadores dentro das comunidades, capacitar entrevistadores e gerar renda dentro da comunidade. Têm sempre pesquisas acontecendo dentro das comunidades… em muitos casos, o jovem do território tem trajetos específicos, casa, escola, etc. e não conhece de fato o território como um todo. Então, antes tiveram que identificar domicílios com jovens moradores e capacitar esses jovens no pertencimento e conhecimento do território… De início, tiveram dificuldade de usar o tablet mas se deram bem ao longo do processo.” — Andréa Pulici

Outra questão levantada por Andréa é a densidade populacional de alguns territórios, como a Rocinha, que dificulta ter-se certeza de que todos os domicílios sejam visitados. Segundo ela, a única forma de solucionar isso é com a participação comunitária na realização do censo, não só respondendo, mas em todas as etapas. Ela acrescenta que “cada morador responde como ele quiser interpretar a sua realidade”, já que a “liberdade arquitetônica” muitas vezes torna complicado para um não-local individualizar as casas e listar logradouros.

Vanessa Freitas, analista de programas da ONU-Habitat Brasil, diz que a ONU se utiliza dos termos que os moradores, lideranças e parceiros adotam para a nomenclatura do território em que moram ou atuam. Ela vai além ao dizer que a ONU trabalha de maneira interativa com lideranças e moradores de favelas. Segundo ela, esta é a pré-condição para que se obtenham dados representativos da pluralidade das favelas e de comunidades urbanas análogas. A partir do mapeamento das comunidades, com esses microdados em mãos, é possível lutar com maior legitimidade por políticas públicas—mobilidade urbana, sustentabilidade, inclusão social, etc.

Em seguida, Wellington Fernandes, idealizador do Quebrada Maps e educador popular, remarca que, na luta das favelas, a “construção [deve ser] coletiva, pois não fazemos nada sozinhos, principalmente vindo de onde a gente vem”. Argumento reforçado por Clístenes Mendonça, servidor da Secretaria de Saúde Distrito Federal, ao analisar o caso da territorialização das diretrizes de ação e mapeamento feito pelos agentes de saúde no Distrito Federal das áreas análogas à favela: “Agente Comunitário é sempre do território. Surgiu como uma forma de facilitar o diálogo dos órgãos de saúde com a população”. 

Uso, Apropriação e Expectativas em Relação às Informações Produzidas pelo IBGE sobre as Favelas e Comunidades Urbanas Brasileiras

No último dia, as atividades foram abertas com uma roda de conversa cujo objetivo foi levantar temas de grande relevância para as favelas na atualidade, mas que ainda não estão sendo abarcados pelas pesquisas do IBGE, levando em consideração que as informações disponibilizadas pelo IBGE são muitas vezes um passo fundamental para a obtenção de políticas públicas.

Alan Brum, coordenador do Centro de Pesquisa, Documentação e Memórias do Complexo do Alemão (CEPEDOCA), cofundador e diretor-presidente do Instituto Raízes em Movimento e coordenador do Plano de Ação Popular do CPX. Foto: IBGE
Alan Brum, coordenador do Centro de Pesquisa, Documentação e Memórias do Complexo do Alemão (CEPEDOCA), cofundador e diretor-presidente do Instituto Raízes em Movimento e coordenador do Plano de Ação Popular do CPX. Foto: IBGE

Segundo Alan Brum, coordenador do Centro de Pesquisa, Documentação e Memórias do Complexo do Alemão (CEPEDOCA), cofundador e diretor-presidente do Instituto Raízes em Movimento e coordenador do Plano de Ação Popular do Complexo do Alemão, falta pensar estratégia. É preciso construir uma rede de organizações que já produzem dados das favelas e mapear tudo isso. Dessa forma, os dados produzidos pelas favelas podem ser apropriados pelo IBGE e incorporados nas pesquisas públicas. Além disso, o sociólogo do Complexo do Alemão diz que é preciso que as pessoas sejam o centro de tudo e não o processo de mapeamento em si. 

“Definitivamente, há uma subnotificação dos dados do IBGE sobre as favelas e periferias urbanas no Brasil porque não há capilaridade… A gente [precisa] avançar na qualidade do que nos é perguntado… absorver [nas perguntas das pesquisas censitárias] a qualidade dos serviços nas favelas… não só sobre o acesso… Acho que temos que mudar de ‘acesso a serviços básicos’ para a ‘utilização de serviços básicos’… O que ocorre muito é que os dados mostram que há, por exemplo, uma Clínica da Família no território, então, parece que está tudo bem, estatisticamente falando. Mas, na verdade, o tempo de espera é tão longo que muitas famílias saem da favela e peregrinam a outras clínicas fora do bairro para conseguirem utilizar o serviço… A pesquisa tem que se centrar nas pessoas, e não na localização geográfica.” — Alan Brum

Cleandro Krause (IPEA), Alan Brum (Instituto Raízes em Movimento), Larissa Catalá (IBGE), Camila D’Ottaviano (USP, Observatório das Metrópoles e ANPUR) e Júlia Lins Bittencourt (Secretaria Nacional de Periferias). Foto: IBGE
Cleandro Krause (IPEA), Alan Brum (Instituto Raízes em Movimento), Larissa Catalá (IBGE), Camila D’Ottaviano (USP, Observatório das Metrópoles e ANPUR) e Júlia Lins Bittencourt (Secretaria Nacional de Periferias). Foto: IBGE

Favela É o Centro: Debates e Perspectivas a partir do Seminário do Museu das Favelas

Laís Borges e Renata Furtado, ambas do Museu das Favelas, em São Paulo, levantam algumas questões sobre a socialização e a história das favelas e como elas são potência. Segundo elas, é preciso que a favela ocupe tudo, desde o IBGE até os palacetes do centro de São Paulo.

“O Museu das Favelas é muito recente, estamos localizados no palácio no centro de São Paulo. Muita gente questiona: ‘por que um palácio?’… e a gente pensa que as favelas merecem um palácio e devem ocupar o que quiserem… assim esse espaço claramente colonial pode virar um lugar de confluência de várias periferias e favelas.” — Renata Furtado

Indicando Novos Nomes para as Favelas e Comunidades Urbanas Brasileiras nas Pesquisas do IBGE

Finalizadas todas as discussões, foram publicizados na plenária de encerramento do evento os resultados da pesquisa feita durante a semana através do formulário online, que obteve 55 respostas: as prévias dos nomes mais populares e as mudanças nas definições mais votadas. Nesta etapa, os participantes também analisaram e editaram, em conjunto, a carta que resume todos os consensos do seminário.

Audiência na plenária de encerramento do seminário do IBGE. Foto: IBGE
Audiência na plenária de encerramento do seminário do IBGE. Foto: IBGE

Servidores do IBGE iniciaram a apresentação em dois blocos: (1) nomenclatura atual e nomenclatura proposta, como estava no formulário; (2) critérios que o IBGE adota para classificação de favelas e áreas análogas.

O nome proposto pelo grupo consultivo foi Favelas e Assentamentos Populares. O grau de satisfação com esse conceito foi de 3,45, em média, sendo a escala de 1 a 5. Com relação à apresentação das propostas de mudança no conceito, ela está dividida em três partes: 

  1. Definição do que são favelas e comunidades análogas;
  2. Apresentação de um trecho novo, visto como necessário pelos presentes, que exalta a favela como solução coletiva e autoproduzida de direito à moradia, como geradora de uma identidade e do sentimento de pertencimento;
  3. Inclusão dos 24 principais nomes pelos quais favelas e comunidades urbanas correlatas se identificam, apontadas pelas lideranças presentes.

Atualmente, a definição é:

(1) “Aglomerado Subnormal é uma forma de ocupação irregular de terreno de propriedade alheia pública ou privada para fins de habitação em áreas urbanas, em geral, caracterizados por um padrão urbanístico irregular, carência de serviços públicos essenciais e localização em áreas de restrição à ocupação.”

A proposta de mudança estabelece que:

(1) “Favelas e Assentamentos Populares são territórios urbanos surgidos das diversas estratégias utilizadas pelas camadas populares para viabilizar, geralmente de forma autônoma, suas necessidades de moradia e usos associados: comércio, serviço, lazer, entre outros, diante da insuficiência e inadequação das políticas públicas e investimentos privados voltados à garantia do direito à cidade.”

O grau de satisfação com essa proposta dos participantes do seminário foi de 4,13, em escala novamente entre 1 e 5.

Na segunda parte, foi proposto pelos participantes do seminário um complemento a esse conceito: 

(2) “Em muitos casos, Favelas e Assentamentos Populares, devido à sua origem compartilhada na luta por direito à moradia e por serviços básicos, pelas suas relações de vizinhança, engajamento comunitário e pelo intenso uso de espaços comuns, constituem identidade e representação comunitária.”

A satisfação com esse adicional foi de 4,30.

Além desses dois pontos, a terceira parte reconhece a diversidade dos nomes através dos quais favelas e comunidades urbanas são identificadas Brasil afora. Hoje em dia, a definição oficial traz dez nomes:

(3) “No Brasil, esses assentamentos irregulares são conhecidos por diversos nomes, como: favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, loteamentos irregulares, mocambos, palafitas, entre outros.”

A proposta é expandir essa definição, tornando-a bem mais diversa, plural e exata:

(3) “No Brasil, esses espaços se manifestam de diferentes formas e nomenclaturas, como: favelas, ocupações, comunidades, quebradas, grotas, baixadas, alagados, vilas, ressacas, mocambos, palafitas, loteamentos informais, vilas malocas, entre outros, expressando diferenças regionais, históricas e culturais na sua formação. Essa diversidade é a expressão de diversas estratégias, demandas e formas de acessar a cidade e seus recursos, bem como a materialidade de práticas, usos e identidades plurais observadas em todas as regiões do país.”

O grau de satisfação dela foi 4,40. Sendo assim, das três partes em que se dividiu a revisão do conceito de aglomerados subnormais, esta terceira foi a que obteve melhor avaliação entre as lideranças.

Passada a apresentação dos resultados sobre as mudanças no conceito, iniciou-se a discussão sobre como, a partir de agora, pode ser feita a identificação de uma área de Favelas e Assentamentos Populares. A proposta, novamente, aposta na potência e não no estereótipo: 

“Favelas e Assentamentos Populares, ou o nome que venha a ser, expressam a desigualdade socioespacial da urbanização brasileira, retratam a incompletude no limite à precariedade das políticas governamentais, investimentos privados, dotação de serviços públicos, equipamentos coletivos e proteção ambiental aos sítios onde se localizam, reproduzindo condições de vulnerabilidade. Essas se tornam agravadas com a insegurança jurídica da posse que também compromete a garantia do direito à moradia e a proteção legal contra despejos forçados e remoções.”

Essa reformulação foi bem aceita, obtendo uma média de 3,96. Durante essas discussões, várias lideranças sugeriram a inclusão da insegurança jurídica da posse como parte da proposta.

Apesar dessa instância de escuta e troca finalmente ter sido aberta junto ao IBGE, funcionários do instituto remarcaram às lideranças, por diversas vezes, que as conclusões tiradas neste evento serão rediscutidas e podem ou não ser adotadas. Vários moradores e pesquisadores periféricos disseram ser fundamental identificar novas formas de representação comunitária e de cooperação para coleta de informações ainda não captadas pelo IBGE em favelas e assentamentos populares. Buscar aprimorar e tornar territorialmente específicas as abordagens, linguagens, metodologias, ferramentas de coleta e de supervisão de operações estatísticas e geoespaciais em favelas e assentamentos urbanos para que tenham mais efetividade. 

Além disso, foi citado como crucial o aprimoramento e a velocidade na atualização do mapeamento nas favelas e assentamentos populares, que são dinâmicos e, em geral, estão em crescimento, com novos logradouros sendo abertos. Isso é importante porque muitos moradores querem ter um endereço, mas não têm, pois suas ruas, becos e vielas nem estão no mapa.

É só com a inclusão da favela e de assentamentos populares em todas as instâncias do fazer estatístico, do design, até a coleta e o tratamento dos dados, que se pode falar em uma democratização do censo. Só tornando-o popular, é possível a capilarização de suas atividades ao nível esperado.

“Não podemos tapar o sol com a peneira, não podemos romantizar, ainda mais para a prática de políticas públicas. Tem um verso do Brown que diz: ‘até o IBGE passou aqui e nunca mais voltou. Numerou os barracos, fez uma pá de perguntas, logo depois esqueceram’. Isso significa que a visita e o questionário não trouxeram acesso a políticas públicas… é fundamental refletir junto a esses atores.” —  Guilherme Simões

Esta é a terceira matéria de uma série de três sobre um seminário inédito do IBGE que discutiu a mudança do termo “aglomerado subnormal” a partir da perspectiva de favelas e assentamentos populares.

Sobre o autor: Julio Santos Filho é bacharel em Relações Internacionais (UFF) e mestre em Sociologia (IESP-UERJ). Homem negro da Ilha do Governador, trabalha desde 2020 como editor no RioOnWatch. Em 2021, foi editor do Enraizando o Antirracismo nas Favelas, projeto medalha de prata no The Anthem Awards. 


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