Termo Territorial Coletivo Completa Cinco Anos e Realiza Intercâmbio Internacional no Seu III Seminário Nacional no Rio de Janeiro

Participantes do evento comemorativo dos cinco anos do Projeto TTC e III Seminário (Inter)Nacional. Foto: Bárbara Dias
Participantes do evento comemorativo dos cinco anos do Projeto TTC e III Seminário (Inter)Nacional. Foto: Bárbara Dias

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O Projeto Termo Territorial Coletivo (TTC) completa cinco anos de existência na difusão de um modelo de segurança da permanência e de auto-organização comunitária em 2023. A comemoração foi feita em um seminário com a presença de experiências internacionais e nacionais, na sede da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro – Auditório da FESUDEPERJ, no dia 28 de outubro.

O Termo Territorial Coletivo (TTC)* é um modelo de gestão coletiva da terra baseado no controle comunitário, que surgiu no Movimento Negro norteamericano na década de 1960. Sua versão brasileira vem sendo difundida e atuando nas favelas do Rio há cinco anos, completados em 2023. Sua proposta é combater a especulação imobiliária e a gentrificação, além de garantir o direito à moradia para comunidades em territórios de favela, cooperativas habitacionais, comunidades tradicionais, ocupações e assentamentos urbanos, através da segurança de permanência em seus territórios e do empoderamento dos moradores na sua gestão.

Esse modelo de auto-organização social tem como princípio básico a harmonia entre a gestão coletiva da terra e a liberdade individual dos moradores, a partir da separação entre a propriedade da terra e das edificações. A terra é mantida como bem coletivo e autogestionado, legalmente propriedade da comunidade, enquanto as construções pertencem aos moradores de forma individual. Seu propósito principal é o fortalecimento da comunidade garantindo a permanência dos moradores, o controle territorial e a viabilidade das habitações a preços acessíveis

O TTC é o modelo brasileiro de Community Land Trust (CLT), que se originou nos Estados Unidos como um modo de resiliência comunitária surgido no contexto do movimento de luta da população negra pelos direitos civis na década de 1960. Desde então, essa abordagem tem ultrapassado as fronteiras, estendendo-se a diversas nações e cenários ao redor do globo.

Foi com a perspectiva de trocas de experiências e de saberes entre todos os que lutam pelo acesso à moradia digna ao redor do mundo que, no dia 28 de outubro, foi realizado o Evento Comemorativo de 5 Anos do Projeto TTC junto do III Seminário (Inter)Nacional do TTC.

Convidados na apresentação da segunda mesa do evento (da esquerda pra direita) Jurema Constâncio, Barbara de Jesús, Mario Nuñez, Ashley Allen e Razia Khanom. Foto: Bárbara Dias
Convidados na apresentação da segunda mesa do evento (da esquerda pra direita) Jurema Constâncio, Barbara de Jesús, Mario Nuñez, Ashley Allen e Razia Khanom. Foto: Bárbara Dias

Os convidados internacionais compartilharam sua vasta experiência, representando TTCs de três países. São eles: Ashley Allen, diretora executiva do TTC de Houston, nos EUA; Razia Khanom, vice-presidenta do TTC de Londres, na Inglaterra; e Mario Nuñez e Barbara de Jesús, diretor executivo e liderança comunitária do Fideicomiso de la Tierra Caño Martín Peña, primeiro TTC em assentamento informal na América Latina e inspiração para o TTC no Brasil, que fica em San Juan, capital de Porto Rico.

Como representantes das experiências-piloto do TTC no Brasil, estiveram presentes: Jurema Constâncio, da Cooperativa Habitacional Shangri-Lá, na Taquara, Zona Oeste do Rio, e integrante da União Nacional por Moradia Popular (UNMP); Neide Mattos, do Grupo Esperança, na Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, também na Zona Oeste; e Paulo Roberto da Silva Machado, presidente da Associação de Moradores da comunidade Trapicheiros, na Tijuca, na Zona Norte da cidade.

O dia contou com dinâmicas e reflexões sobre o TTC e sua aplicabilidade prática nas comunidades e mesas temáticas com os convidados internacionais e nacionais. A primeira mesa, “O Direito à Terra e à Moradia no TTC” teve o objetivo de discutir a problemática do acesso à terra e concretização do direito à moradia nas cidades; a segunda, “A Mobilização Comunitária no TTC” realizou uma discussão sobre a dimensão do fortalecimento comunitário no TTC e as estratégias de engajamento e de controle democrático da terra. Um momento interessante para a perspectiva do Sul Global foi o “Diálogos Sul-Sul: Potenciais e Desafios do TTC na América Latina”, que debateu a possibilidade da aplicação do TTC em favelas e comunidades urbanas na América Latina. 

O evento foi aberto pela diretora executiva da Comunidades Catalisadoras (ComCat), Theresa Williamson, que fez uma contextualização de como surgiu a necessidade de se propor o TTC como instrumento de luta e construção política no âmbito de uma cidade em que os megaeventos geraram ondas tanto de remoção quanto de gentrificação em favelas.

Veio essa ideia do TTC, que não tinha esse nome, que era um conceito de fora [o Community Land Trust], que a gente começou a conversar no contexto das reuniões [no Vidigal, de combate à gentrificação] e ficou ali como um sonho, que seria incrível, mas a gente não entendeu que isso já tinha sido aplicado em favelas de Porto Rico. Foi algo que a gente descobriu depois das olimpíadas e é por isso que estamos aqui hoje. A partir daquela semente do Vidigal, em 2014… a gente pesquisando com voluntários de fora, um deles falou ‘você sabia que já tem um TTC em Porto Rico? Que foi feito nas favelas do país?’ E foi aí que tudo começou.” – Theresa Williamson

Ela conclui sua fala dizendo que o TTC de Caño Martín Peña, em Porto Rico, foi a inspiração para o TTC no Brasil. A partir disso, uma série de oficinas foi organizada para essa construção.

Após a fala inicial, foi passado um vídeo retrospectivo com os eventos mais importantes dos cinco anos do Projeto TTC:

Após o vídeo, Tarcyla Fidalgo, coordenadora do Projeto TTC na ComCat, chamou os convidados internacionais para a primeira mesa: Ashley Allen, Razia Khanom e Mario Nuñez e Barbara de Jesús. A ideia da sessão era lançar uma provocação sobre as lideranças globais do TTC, para que eles pudessem dar um panorama bem completo sobre a problemática do acesso à terra e a concretização do direito à moradia nas cidades.

Mario Nuñez, Diretor Executivo fala sobre a experiência do Fideicomiso de la Tierra Caño Martín Peña no Porto Rico, primeiro TTC em assentamento informal na América Latina. Foto: Bárbara Dias
Mario Nuñez, Diretor Executivo fala sobre a experiência do Fideicomiso de la Tierra Caño Martín Peña no Porto Rico, primeiro TTC em assentamento informal na América Latina. Foto: Bárbara Dias

Mario, do TTC porto-riquenho de favela, enfatizou, em sua fala, a centralidade do protagonismo do morador.

“Quem melhor que os moradores para identificar os seus problemas e buscar soluções, junto com o acompanhamento de especialistas? Nos anos de 1970 e 1980, existia uma política dos governos de Porto Rico para erradicar essas áreas de favelas e isso realmente afetava as comunidades do Canal Martín Peña… Uma das coisas mais importantes [no nosso TTC hoje] são as avaliações realizadas pela comunidade… a lei estabelece que as comunidades organizem o TTC e participação faz parte dessa experiência. Oficinas de capacitação [na época da nossa fundação quanto TTC] permitiram que os moradores e os líderes avaliassem todas as possibilidades de propriedades de terras que existem no caso de Porto Rico… Nessas oficinas, foi falado desse modelo de TTC e foi ali que nasceu. TTCs adaptam e moldam às particularidades dos territórios.” – Mario Nuñez

Ashley Allen, Diretora Executiva do Houston Community Land Trust, nos EUA, faz um contexto do TTC em seu território.  Foto: Bárbara Dias
Ashley Allen, Diretora Executiva do Houston Community Land Trust, nos EUA, faz um contexto do TTC em seu território. Foto: Bárbara Dias

Em seguida, Ashley passou a experiência do seu TTC nos EUA e fez uma retrospectiva histórica sobre como surgiu o arranjo territorial em Houston. Segundo ela, a cidade começa a ficar cada vez mais cara por conta de eventos climáticos extremos, sobretudo furacões, e também devido ao processo de gentrificação e de especulação imobiliária na região. Antes, os preços eram acessíveis, agora, são proibitivos.

“Somos um TTC muito jovem, que começou em 2018. Nós tivemos que fazer algumas adaptações, mas percebemos que, ao longo do tempo, nós tínhamos que convencer a cidade de Houston que nós precisávamos garantir uma qualidade melhor de vida [para a população em situação de vulnerabilidade social], para fazer com que as necessidades das pessoas fossem atendidas… O nosso TTC funciona com você comprando a casa, naquela comunidade onde você cresceu e que você não quer deixar… A terra continua ali [segura da especulação] e você, enquanto dono daquela casa, pode fazer melhorias.” – Ashley Allen

Razia Khanom, Vice-presidenta do London Community Land Trust, fala sobre a experiência do TTC na Inglaterra. Foto: Bárbara Dias
Razia Khanom, Vice-presidenta do London Community Land Trust, fala sobre a experiência do TTC na Inglaterra. Foto: Bárbara Dias

Razia cita que, em Londres, trabalhadores médios, como professores, enfermeiros e até médicos, já não conseguem mais morar na cidade, gastando, às vezes, mais de 50% de seus salários com aluguel. Isso se deve à especulação imobiliária intensa que ocorreu a partir dos anos de 1980 e que encareceu muito as moradias.

“O TTC de Londres funciona para a população que tem bons salários, mas que, devido a essa inflação, não consegue comprar uma casa no Reino Unido. Nós não temos um modelo que apoie aluguéis sociais ou que ajude a comprar, pois falta financiamento.” – Razia Khanom

Após esse momento inicial, os participantes do evento foram convidados a colocar os pontos que acharam interessantes e algumas dúvidas em relação à primeira mesa. O ciclo da manhã se encerrou com Tarcyla dando um panorama de como funciona o projeto no Brasil, junto às comunidades piloto.

“Vocês vão ver que todos esses modelos, de Porto Rico, dos EUA, da Inglaterra e do Brasil, são todos diferentes entre si, porque as necessidades são diferentes em cada lugar, em cada comunidade. Vocês vão ver a gente falar das nossas comunidades piloto que estão aqui com a gente hoje, e, mesmo dentro do Rio de Janeiro, em cada comunidade, o TTC ganha um formato diferente e isso é muito importante… O TTC é um modelo adaptado às necessidades brasileiras. E o que isso significa? Vocês viram várias fotos de alguns empreendimentos de TTCs nos EUA e na Europa, que são fotos que correspondem a uma moradia até de classe média alta para a gente aqui. Esse não é o foco do TTC aqui no Brasil. Aqui, assim como em Porto Rico… a gente tem um foco muito maior nos assentamentos informais, nas favelas, loteamentos clandestinos e também nos processos de autoconstrução… nos grupos que autoconstroem suas moradias em regime de mutirão.” – Tarcyla Fidalgo

Participantes do evento escreveram sobre os pontos interessantes e dúvidas sobre as falas dos convidados Foto: Bárbara Dias
Participantes do evento escreveram sobre os pontos interessantes e dúvidas sobre as falas dos convidados Foto: Bárbara Dias

Após a fala da Tarcyla, uma rodada de perguntas foi aberta para que os presentes pudessem realizar essa conversa com os convidados internacionais. Terminado esse momento, o turno da manhã foi encerrado. Uma refeição agroecológica foi servida pelo Centro de Integração da Serra da Misericórdia (CEM), que atua na Terra Prometida, comunidade piloto mais recente do Projeto TTC dentro do Complexo da Penha.

Em seguida, com o título “A Mobilização Comunitária no TTC”, a segunda mesa realizou uma discussão sobre a dimensão do fortalecimento comunitário no TTC e estratégias de engajamento e controle democrático da terra. Além dos convidados internacionais, a segunda mesa contou com a participação de Jurema Constâncio, integrante da União Nacional por Moradia Popular (UNMP) e liderança Comunitária da Cooperativa Shangri-Lá, comunidade piloto do Projeto TTC no Brasil e primeiro projeto de cooperativa habitacional no Rio.

“Moro na cooperativa chamada Shangri-Lá, que é a primeira cooperativa de habitação popular do estado do Rio de Janeiro. Hoje, estamos num processo novo, porque, a partir do momento que a gente descobre o TTC, depois de ter participado de alguns eventos, ficamos interessados e fomos buscar mais informações sobre propriedade coletiva. Nós tínhamos em mente que, [por] morar naquele espaço há anos e ser uma cooperativa, que nós estaríamos garantidos por lei. Mas a gente descobriu que não. A gente precisava exatamente desse processo [do TTC para] formalizar nossa propriedade coletiva da terra.” – Jurema Constâncio

Jurema Constâncio, integrante da União Nacional por Moradia Popular (UNMP) e Liderança Comunitária da Cooperativa Shangri-Lá, fala da experiência da cooperativa habitacional a qual faz parte. Foto: Bárbara Dias
Jurema Constâncio, integrante da União Nacional por Moradia Popular (UNMP) e liderança comunitária da Cooperativa Shangri-Lá, fala da experiência da cooperativa habitacional a qual faz parte. Foto: Bárbara Dias

A mesa seguiu com os convidados pontuando como faziam para mobilizar a comunidade para a participação no TTC e com um momento de trocas de experiências entre debatedores e participantes. Encerrando o evento, uma mesa com “Diálogos Sul-Sul: Potenciais e Desafios do TTC na América Latina” trouxe reflexões importantes sobre a possibilidade da aplicação do TTC em favelas e comunidades urbanas na América Latina. Nessa mesa, estiveram presentes: Mario, Barbara, Jurema, e também Neide Mattos, do Grupo Esperança, na Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, e Paulo Roberto da Silva Machado, presidente da Associação de Moradores da comunidade Trapicheiros, na Tijuca.

“Através desse terceiro seminário do TTC, tivemos um intercâmbio de saberes e experiências e, em nosso caso que representamos Porto Rico, entendemos que é uma alternativa e uma opção viável para o Brasil… mas que, no Brasil, se avalie como se dará a opção pelo TTC… Muitas vezes, o conhecimento é poder e se os moradores conhecem e entendem o modelo de propriedade coletiva da terra, ele pode ser uma opção importante como garantia de permanência de nossos assentamentos urbanos.” – Mario Nuñez

Neide Mattos da Cooperativa Esperança, fala do processo de construção das 70 casas da comunidade e da importância do TTC na regularização do território. Foto: Bárbara Dias
Neide Mattos do Grupo Esperança, fala do processo de construção das 70 casas da comunidade e da importância do TTC na regularização do território. Foto: Bárbara Dias

Neide finalizou o debate com falas e reflexões importantes sobre a história do Grupo Esperança da qual faz parte. Eles viram a necessidade de se organizar para a construção de um TTC que pudesse ajudá-los a regularizar a questão da terra, minimizando riscos de remoção e perda de suas moradias.

“O grande problema é que, depois que o morador ganhou a casa, ele fecha a porta e joga a chave fora. Ele já conseguiu o que ele queria, que era a casa, ele [acha que] está tranquilo, seguro, bem. Pensa que não precisa se preocupar com nada. Ele já tem a casa dele, ele vai se envolver com mais o que?… Nós conhecemos o TTC no período da pandemia. [Na época,] eu queria entender o que era o Termo Territorial Coletivo… o TTC veio para dentro do Grupo Esperança pra [nos ajudar a] reorganizar, para reestruturar e para manter a gente na terra.” – Neide Mattos

Ao final, todos os convidados do dia foram chamados à mesa para uma saudação coletiva, que marcou o fim do evento.

O TTC é uma proposta ainda jovem, que deve ser adaptada à realidade de cada país e território. É certa, no entanto, a necessidade da coletividade e do engajamento dos moradores para a construção e mantenimento do modelo. Morar é um direito humano, porém, em várias partes do mundo, conforme foi revelado pelos convidados nacionais e internacionais, há uma grande dificuldade de acesso a esse direito. Percebemos uma grave crise habitacional global. Se o problema é coletivo, a solução também é coletividade. Nesse cenário, o TTC pode ser uma ferramenta de mobilização e construção de alternativas.

Assista o Vídeo Completo do III Seminário Nacional do Termo Territorial Coletivo Aqui:

Não perca o álbum do III Seminário Nacional do TTC no Flickr:

5 Anos do TTC e III Seminário (Inter)Nacional, 28 de Outubro de 2023

Sobre a autora e fotógrafa: Bárbara Dias, cria de Bangu, possui licenciatura em Ciências Biológicas, mestrado em Educação Ambiental e atua como professora da rede pública desde 2006. É fotojornalista e trabalha também com fotografia documental. É comunicadora popular formada pelo Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) e co-fundadora do Coletivo Fotoguerrilha.

*O Projeto TTC e RioOnWatch são ambos facilitados pela organização sem fins lucrativos Comunidades Catalisadoras (ComCat).


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