Sem Transparência: Magé, na Baixada Fluminense, Corre o Risco de Receber Resíduos Sólidos de Grandes Cidades da Região Metropolitana

Localidade do Lixão de Bongaba em Magé, ao fundo é possível ver o lixo depositado em uma montanha, sem qualquer tipo de preparo do solo. Foto: Bárbara Dias
Localidade do Lixão de Bongaba em Magé. Ao fundo é possível ver o lixo depositado em uma montanha, sem qualquer tipo de preparo do solo. Foto: Bárbara Dias

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Política do Lixo: Lucro e Desastre Ambiental

A questão do lixo em Magé, cidade da Baixada Fluminense, vem preocupando moradores e ativistas socioambientais da cidade e não é de hoje. Segundo o Fórum Climático de Magé, o município vem sofrendo uma série de manobras políticas, para que ele se torne o destino final dos resíduos gerados por outras cidades da área metropolitana do Rio de Janeiro. Para além da localização do Lixão de Bongaba ser inadequada, devido à alta possibilidade de contaminação do solo e dos corpos hídricos da região, inclusive da Baía de Guanabara, o território é uma área quilombola, ou seja, este crime ambiental ainda se caracterizaria como um caso de racismo ambiental.

Em nossa ida ao Lixão de Bongaba, conversamos com três integrantes do Fórum Climático de Magé: Anderson Ribeiro, advogado, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB Magé-Guapimirim e coordenador do Movimento de Educação Popular +NÓS; William Jefferson, biólogo, atuando em educação popular, militante antirracista e socioambiental; e Lyvia Leite, cientista social, educadora popular no Pré-vestibular +NÓS, especialista em projetos sociais e políticas públicas, atuante em agroecologia, segurança alimentar e agricultura popular camponesa. 

Detalhe da montanha de lixo em Bongaba. Foto: Bárbara Dias
Detalhe da montanha de lixo em Bongaba. Foto: Bárbara Dias

No ponto marcado para a entrevista, aguardei a chegada dos integrantes do Fórum Climático de Magé. O Lixão de Bongaba recebe os descartes do município e se localiza na região que dá acesso a Piabetá. Do local do ponto de encontro, era possível ver a montanha de lixo, sem qualquer tipo de preparo no solo, amontoada em uma área cercada por um muro baixo. O movimento de caminhões era intenso, em um intervalo de mais ou menos uma hora e meia, foram avistados mais de 20 veículos entrando e saindo da área do lixão. 

Começamos a entrevista e pedi para que fosse gravada. O clima era meio tenso, pois, em uma recente reportagem, o grupo do Fórum Climático relatou que sofreu uma intimidação política do gestor do lixão e do próprio Secretário de Meio Ambiente de Magé Boneco Mania, que tentou impedir a entrevista. Nesta tentativa, ele anunciou aos repórteres presentes uma série de informações que estavam desatualizadas sobre o caso de Bongaba, inclusive, afirmando que Magé não receberia o lixo de outras cidades e que o lixão seria fechado em dezembro de 2023. O objetivo dessa interrupção era tentar abafar a denúncia que os moradores tentavam fazer naquele momento à imprensa. Apesar do que prometeu Boneco Mania, até agora, não há nenhum sinal concreto de que a prefeitura planeja interromper as atividades do lixão na próxima semana, quando começa o mês de dezembro.

O mobilizador ambiental e advogado Anderson Ribeiro falou que, em 2021, houve uma modificação na Lei Orgânica do Município para que a cidade pudesse receber resíduos de outros municípios. Esse fato foi amplamente repercutido na mídia na época. Ele afirma que o lixão, em seu momento atual, não tem quaisquer condições de receber o lixo de outras cidades. Nem mesmo de receber o próprio lixo produzido por Magé.

Anderson seguiu fazendo esse recorte histórico da questão do lixo na cidade. Ele afirmou que, depois de muita pressão e reclamação dos moradores, em 2013, o Lixão de Bongaba teve a possibilidade de ser transformado em um grande aterro sanitário. Segundo o advogado, a gestão da OAB de Magé-Guapimirim na época moveu uma ação para que isso não acontecesse. E, respondendo à essa ação, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) atendeu ao pedido da ordem e anulou a licença ambiental para a construção do aterro sanitário. Com isso, o lixão não só continuou existindo, mas se expandiu.

Na entrada do Lixão de Bongaba, o fluxo de caminhões levando resíduos para o lixão é intenso. Foto: Bárbara Dias
Na entrada do Lixão de Bongaba, o fluxo de caminhões levando resíduos para o lixão é intenso. Foto: Bárbara Dias

Em Magé, Racismo Ambiental é Lei e Política Pública

Porém, em 29 de setembro de 2023, a nova Lei Municipal de nº 2841/2023, de autoria do Prefeito Renato Cozzolino, autorizou Magé a fazer concessão a outras cidades para o recebimento de lixo. Na lei aprovada pela Câmara Municipal, no entanto, não são especificados os municípios dos quais o lixo viria.

Coincidentemente, seis dias após a promulgação da lei, foi organizada uma audiência pública com o objetivo de apresentar o Plano Metropolitano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PMetGIRS). Esse plano tem por objetivo atender às necessidades dos 22 municípios da Região Metropolitana do Rio em relação à gestão dos resíduos sólidos. O evento foi realizado pelo Instituto Rio Metrópole, órgão criado para ser representante do poder executivo do estado do Rio de Janeiro na Região Metropolitana. Esse órgão pretende gerenciar a criação de consórcios voltados para a gestão de resíduos sólidos. Neste evento, Magé foi indicada para receber aproximadamente 2,5 toneladas de lixo por dia vindo de cidades como Duque de Caxias, Petrópolis e Teresópolis.

“Esse lixão [de Bongaba] está com uma previsão de fechar em dezembro, o Instituto Estadual do Ambiente (INEA) notificou, mas o INEA já fez isso várias vezes… O secretário de meio ambiente, no dia que veio aqui, disse que [ele] ia fechar em dezembro. Eu não estou vendo nenhuma movimentação, porque se vai fechar, vai ter que levar o lixo para outro lugar. E, até agora, a gente não tem conhecimento de nenhum outro local… Ao que parece, esse estudo que está sendo feito pelo Instituto Rio Metrópole, já é para a instalação do novo lixão. Se eles falam que, em dezembro, vão fechar esse lixão, então, o lixo vai para onde?… Ao mesmo tempo em que foi votada a lei [em Magé], a gente não acredita que seja uma coincidência… [a gente acredita que é] uma articulação política do município com o estado para que o lixo venha pra cá.” — Anderson Ribeiro

Numa área bem próxima do lixão, percebemos a existência de um buraco com água, num provável indício de que a região é bastante rica em água e lençóis freáticos, que certamente já se encontram contaminados graças ao Lixão de Bongaba. Foto: Bárbara Dias
Numa área bem próxima do lixão, percebemos a existência de um buraco com água, num provável indício de que a região é bastante rica em água e lençóis freáticos, que certamente já se encontram contaminados graças ao Lixão de Bongaba. Foto: Bárbara Dias

Perguntados se acreditam na possibilidade de instalação de um novo lixão ou de um aterro sanitário em outro lugar de Magé, eles disseram que não acreditam. Para eles, é evidente que este lixão não vai fechar. Contudo, vão ainda mais longe ao afirmar que crêem que o descarte irregular de lixo vai aumentar em Bongaba. Sobretudo devido à facilidade logística de acesso de caminhões ao local e à proximidade das cidades cujo destino do lixo ainda é incerto.

“A gente acredita que vai ser aqui mesmo: primeiro que ninguém fala do outro lugar… e para esse outro lugar [ser escolhido], a gente pensa até no nível logístico… o lixão ser aqui é conveniente por ser no meio da pista, ter acesso próximo que liga essas cidades envolvidas no processo: Caxias está aqui do lado, Teresópolis logo ali, a gente está no meio do caminho… então, logisticamente, é estratégico botar [o lixo] aqui… E eu lembro que, na época em que quando rolou essa contestação, em 2021, falaram que o lixão não ia ser aqui. E aí ficou essa briga de onde seria. E ninguém achou um local ideal… Eu acredito que a ideia é manter isso aqui e transformar em aterro [sanitário] se conseguirem… Apesar de aqui ser um território quilombola, essa parte aqui [do lixão] é muito pouco povoada. A parte povoada é mais do outro lado [da pista]… Aqui tem muitas conveniências [para governos e empresas que usam o lixão], então, isso aqui vai se manter do jeito que está.” — William Jefferson

Além disso, de fato, a área onde se localiza o lixão, é bem próxima ao Quilombo de Bongaba, ou seja, dada a proximidade desta área quilombola, não dá para desvincular a escolha do território onde o lixão está localizado da questão do racismo ambiental.

“A gente estava fazendo uma formação de lideranças pelo clima contra o racismo ambiental uma semana antes dessa notícia do Instituto Rio Metrópole eclodir… Essa formação aconteceu no Quilombo de Bongaba e seu objetivo era mapear os locais de injustiça ambiental, que sofrem com o racismo ambiental, no curto trajeto entre o quilombo e o lixão.

Eu acho que o trabalho do Fórum é ir nesse sentido de sensibilizar as pessoas que realmente querem atuar no território para cobrarem [soluções] para essas questões [socioambientais]. Por isso, eu acho que a gente conseguiu, de certa forma, articular bem essa mobilização contra o lixão. Uma semana antes a gente estava aqui com 15 lideranças [já pensando sobre esse problema].” — Lyvia Leite

Placa de sinalização da área do Quilombo de Bongaba. Foto: Bárbara Dias
Placa de sinalização da área do Quilombo de Bongaba. Foto: Bárbara Dias

Além disso, integrantes do Fórum destacam que, desde a assinatura da lei, está ainda mais difícil acompanhar esse processo. Essa implantação causará grande impacto na comunidade e, portanto, as informações deveriam ser públicas e de fácil acesso, como manda a lei. No entanto, tudo tem sido feito de uma maneira pouco transparente pelo poder público. Essa falta de transparência impossibilita o planejamento dos próximos passos a serem dados pelos movimentos sociais interessados em conter esse desastre socioambiental e racial em Magé.

Impactos Socioambientais da Expansão do Lixão de Bongaba

Nas redes sociais do Fórum Climático de Magé, há uma série de posts que listam os principais problemas que poderão se agravar, caso a cidade vire destino do lixo de vários municípios da Região Metropolitana. O primeiro deles é que poderia haver uma sobrecarga de resíduos, que poderia resultar na dificuldade da coleta local em descartar o lixo produzido pela própria cidade. Isso causaria acúmulo de lixo nas ruas de Magé, como já ocorreu em outros momentos, tornando os ambientes da cidade insalubres.

Com o aumento do descarte de lixo no município de Magé, o Fórum teme que a população, principalmente aquela que vive nas proximidades do lixão, possa ser acometida por um aumento no número de doenças, como: infecções respiratórias, doenças de pele, infecções alimentares, dengue, Zika e leptospirose. Outra preocupação é com doenças de veiculação hídrica, adquiridas pelo uso da água contaminada. Além, é claro, do aumento de doenças causadas pelo contato direto com o lixo, prevalentes em crianças, trabalhadores precarizados e catadores de recicláveis no Lixão de Bongaba.

A poluição hídrica é uma realidade perversa desse cenário, uma vez que o Lixão de Bongaba é cercado por rios e outros corpos hídricos. Toda essa água poluída pelo lixo e chorume que vem dos rios deságua na Baía de Guanabara, além de contaminar os lençóis freáticos da região. O risco para a biodiversidade é grave e pode levar ao declínio de espécies.

Dessa maneira, o Fórum Climático de Magé alerta que o aumento do despejo de lixo e de resíduos tóxicos na cidade vai afetar a qualidade de vida no local e na região metropolitana como um todo. Afetará a qualidade da água, do ar, da saúde e da vida da população, a fauna e a flora locais e da Baía de Guanabara. Haverá o aumento de áreas poluídas e infestadas por vetores, do mau cheiro e da circulação de caminhões, o que também ajuda a poluir o ar e a degradar as ruas, além de perturbar a paz de uma região majoritariamente rural. Estar em uma área quilombola às margens da Baía de Guanabara só piora tudo e evidencia o racismo ambiental deste empreendimento criminoso. RioOnWatch seguirá acompanhando os desdobramentos desta situação, cujo impacto socioambiental é enorme para todo o Rio de Janeiro.

Sobre a autora e fotógrafa: Bárbara Dias, cria de Bangu, possui licenciatura em Ciências Biológicas, mestrado em Educação Ambiental e atua como professora da rede pública desde 2006. É fotojornalista e trabalha também com fotografia documental. É comunicadora popular formada pelo Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) e co-fundadora do Coletivo Fotoguerrilha.


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