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Às 15h27 do dia 17 de janeiro de 2023, Maria Paula* ficou sem internet em sua residência, localizada em Piedade, que fica entre os bairros do Méier e de Madureira, Zona Norte do Rio de Janeiro. A princípio, Maria Paula achou que o problema tinha sido causado por conta do vento ou linhas de pipa presas nos cabos, e que, em breve, a conexão retornaria. Passaram horas e a internet não voltou. Maria entrou em contato com a Claro, companhia que fornecia internet para sua casa, e recebeu a informação de instabilidade na rede em Piedade e nos bairros do entorno. A empresa ainda disse que técnicos estavam na região tentando descobrir as causas do problema e não deu previsão de retorno.
Maria, que atua como profissional autônoma em design, marketing, publicidade e propaganda, trabalha sem direitos trabalhistas ou garantias, e, sendo assim, utiliza suas próprias ferramentas. Ela depende do serviço de internet na sua casa para exercer sua profissão. Sem conexão, ela não consegue gerar renda, tampouco estudar. Ela até pode assistir às aulas online depois, já que ficam salvas na plataforma em que estuda, mas o trabalho não pode ficar para depois.
Correndo contra o tempo e com medo de atrasar o serviço e perder o trabalho, Maria procurou saber se havia internet na casa de vizinhos de rua e de bairro. Sua ideia era ir para a casa de alguém que morasse perto para poder trabalhar. No entanto, seus vizinhos também estavam desconectados. Assim como ela, todos estavam bastante preocupados. Muitos também dependiam da internet para inúmeras tarefas do dia a dia, para trabalhar, estudar e até para se locomover.
A única alternativa que encontrou foi usar a internet móvel de seu celular e tentar seguir sua rotina. Contudo, como o sinal de telefonia no local é de péssima qualidade, levou mais tempo que o normal para desempenhar tarefas simples em seu ofício, como mexer no Google Drive, receber e enviar e-mails. Com medo de atrasar as demandas, passou a noite inteira trabalhando com conexão 3g e deixou de assistir duas aulas.
No dia 18 de janeiro, a banda larga ainda não tinha sido restabelecida, nem em sua residência, tampouco na de seus vizinhos. Maria também ficou sem acesso a TV por assinatura, fornecida pela mesma companhia de internet. Ao fazer contato com a empresa responsável, ela foi informada de que não havia prazo para o retorno da rede por conta de questões de segurança pública. A atendente ressaltou a gravidade da situação, informando ter retirado a equipe técnica da região por medidas de segurança frente a graves ameaças feitas às equipes.
Maria, sem escolha, cancelou o contrato que tinha há anos com a operadora da qual era assinante. Teve que fazer um acordo com a empresa para ser isentada do pagamento pelos dias que ficou sem internet. Em seguida, entrou em contato com uma empresa que, dias antes, havia colocado um folheto em sua caixa de correios. Apesar dessa empresa não ser conhecida do grande público, ela já era relativamente presente no bairro, pois já fornecia internet a alguns poucos vizinhos antes das grandes concessionárias serem expulsas. De acordo com moradores da região, ela prestava serviço no local há alguns poucos meses.
Aberta em 2016, a microempresa fica em um endereço residencial, encontra-se sediada em um local bem distante da casa de Maria, porém está fornecendo o serviço de internet de maneira aparentemente segura em Piedade, enquanto grandes concessionárias, que estão presentes em todo o território nacional, não têm acesso à área e não podem trabalhar em segurança.
Apesar deste quadro, a moradora entrou em contato com a empresa e assinou o plano de 300 megas por R$82,90, valor semelhante ao que pagava na antiga concessionária. A microempresa, sem dar um prazo específico, disse que, em poucos dias, iria até a residência realizar a instalação e configuração do modem. Os poucos dias se estenderam e sete dias depois, em 24 de janeiro, finalmente instalaram a internet. Dois técnicos sem uniforme e sem crachá chegaram ao local em um carro Fiat Premio CSL sem identificação da empresa. A única coisa que lembrava vagamente um carro de técnicos de internet era uma escada presa no teto do veículo.
A visita ocorreu sem aviso prévio e sem dia ou hora marcada. Por sorte, Maria estava em casa para recebê-los. A dupla de técnicos substituiu o cabo de rede que vem do poste por um cabo mais fino. Em seguida, realizaram a instalação e configuraram o modem. Maria finalmente estava com internet fixa em casa de novo. A essa altura, a moradora já estava esgotada. Sua vida estava totalmente prejudicada: tinha várias aulas para assistir e muitos trabalhos atrasados para entregar.
Mesmo se esforçando, ela não conseguiu cumprir algumas demandas, o que prejudicou seu orçamento mensal. No entanto, ao contrário dela, uma boa parte da vizinhança resolveu aguardar o retorno da internet fornecida pelas grandes concessionárias. De acordo com ela, sua rotina foi ainda mais afetada porque, ao voltar a ter conexão, teve que acolher colegas e vizinhos que não conseguiam trabalhar ou estudar em suas casas próprias casas pela falta do serviço, seja do fornecido pelas grandes concessionárias, seja pela demora e amadorismo da pequena empresa.
Maria continuou os dias seguintes trabalhando de dez a doze horas diárias para colocar sua vida em dia. Por dez dias ininterruptos, teve longas jornadas de trabalho, insônia e crises de ansiedade. Sua vida só voltou a algum nível de normalidade no dia 27 de janeiro. Os trabalhos e estudos estavam em ordem, mas sua saúde mental e física não.
A história não termina aqui. Passaram-se semanas e a conexão voltou a ter oscilações além do normal. Sempre que solicitado, o atendimento técnico leva pelo menos dois dias para ser realizado. Com isso, Maria recorrentemente fica dias sem internet em fevereiro e março. Ela continua tendo muita dor de cabeça com a internet.
Ao percorrer as ruas de Piedade, qualquer um repara que, em muitos postes, há fios e cabos cortados e emaranhados. É verdade que os postes do bairro nunca estiveram em boas condições, mas também nunca estiveram nesse estado de degradação antes. Há diversos cabos soltos e dependurados dos postes, colocando a população em risco, além de caixas de internet abertas e depenadas.
A Falta de Acesso à Internet e a Segurança Pública
Em 20 de dezembro de 2020, o RJTV2 veiculou uma notícia sobre 16 empresas ligadas ao crime organizado na Região Metropolitana do Rio de Janeiro que oferecem serviços de internet. A matéria, realizada a partir de um documento exclusivo do Disque Denúncia, relata o modus operandi do crime organizado para sequestrar os serviços concessionados. Primeiramente, cortam cabos para interromper o sinal das grandes concessionárias, o que sempre vem acompanhado de ameaça ostensiva a funcionários e técnicos destas companhias. Em seguida, empresas das milícias, do tráfico de drogas ou empresas associadas a estas quadrilhas passam a ter o monopólio ou uma grande predominância na oferta de serviços nestes territórios. No entanto, é importante remarcar que estes são serviços caros, de baixa qualidade, com péssimo atendimento ao cliente e sempre prestados por empresas desconhecidas, de pequeno e médio porte e relativamente novas.
Essas companhias aparentemente são empresas formais. No entanto, funcionam como fonte de renda para o crime organizado. A notícia diz que seis empresas são ligadas à milícia e ficam nas zonas Oeste, Norte e na Baixada Fluminense, e que nove delas seriam associadas ao tráfico de drogas no Centro, na Zona Norte, na Baixada, em São Gonçalo e na Região dos Lagos.
Segundo a Conexis Brasil Digital, entidade que representa as maiores operadoras de telecomunicação do país, no segundo semestre de 2022, foram furtados ou roubados 2,38 milhões de metros de cabos. Durante o primeiro semestre de 2023, foram roubados e furtados 2,89 milhões de metros de cabos de telecomunicação em todo o Brasil. No mapeamento da Oi, em 2019, existiam 25 áreas controladas pelo tráfico ou pelas milícias em que havia interferência dessas quadrilhas de forma direta no serviço de telecomunicações. Em 2020, esse número foi para 105, um crescimento de 70%.
Em 13 de setembro de 2022, a Polícia Civil, através da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco-IE), realizou a Operação Acesso Negado, que cumpriu 12 mandados de busca e apreensão na sede e nas filiais de empresas fornecedoras de internet clandestina em diversos pontos da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Em notícia publicada no mesmo dia pela Band, foi afirmado que mais de 1.500 pessoas ficaram sem internet porque há empresas acusadas de explorar monopolisticamente o serviço junto às quadrilhas que controlam o território, que furtam materiais, danificam as instalações aéreas ou subterrâneas e impedem o trabalho de funcionários das concessionárias na região.
Enquanto essa prática se torna cada vez mais comum na metrópole, moradores de favelas e periferias são os mais prejudicados. O furto e o roubo de cabos e o impedimento do trabalho dos funcionários das concessionárias não acontecem predominantemente em áreas elitizadas da cidade. Trabalhadores precarizados, como Maria, precisam da internet para trabalhar e estudar. Pagam caro por um serviço ruim e precisam conviver com o medo e a incerteza, adoecendo física e mentalmente.
Passados meses desde o início desta crise de telecomunicação em Piedade, o serviço continua ruim, com muita oscilação e bastante lentidão. Isso prejudica quem depende da internet para trabalhar, estudar e se divertir. Mesmo no mundo digital, a cidade permanece partida. Enquanto uns têm fácil acesso à banda larga, outros estão à mercê desta situação precária e duvidosa.
*O nome da entrevistada no texto é fictício, para preservar a identidade da moradora. Joaquim da Silva é um pseudônimo, escolhido para preservar a identidade do autor.