Audiência Pública ‘Direito Humano à Água: Muita Tarifa e Falta de Água?’ Debate Segurança Hídrica na ALERJ

Sociedade civil lotou audiência pública 'Direito Humano à Água Muita tarifa e falta de água', realizada na Assembleia Legislatva do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), pela Comissão de Direitos Humanos. Foto: Patricia Schneidewind
Sociedade civil lotou audiência pública ‘Direito Humano à Água: Muita Tarifa e Falta de Água? ‘, realizada na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), pela Comissão de Direitos Humanos. Foto: Patricia Schneidewind

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Os constantes problemas enfrentados pela população fluminense em relação ao acesso à água se transformaram em debate durante a audiência pública “Direito Humano à Água: Muita Tarifa e Falta de Água?”, realizada na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), no dia 29 de novembro. A sessão foi convocada pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, presidida pela Deputada Estadual Dani Monteiro.

Com cartazes em protesto contra o serviço prestado, cerca de 100 moradores de favelas e comunidades se manifestaram, incluindo Rio das Pedras, Cidade de Deus e Rua Icurana em Cosmos na Zona Oeste; Rocinha na Zona Sul; Providência e Morro dos Macacos na área central (AP1); Itacolomi, Vigário Geral, Vila Cruzeiro, e Jacarezinho na Zona Norte; Éden em São João de Meriti; Coréia em Mesquita; Vila Alzira em Duque de Caxias.

Com cartazes em protesto contra o serviço prestado pela concessionária Águas do Rio, cerca de 130 moradores de favelas do Rio e de municípios da Baixada Fluminense se manifestaram e acompanharam a Audiência Pública. Foto: Patricia Schneidewind
Com cartazes em protesto contra o serviço prestado pela concessionária Águas do Rio, cerca de 100 moradores de favelas do Rio e de municípios da Baixada Fluminense se manifestaram e acompanharam a Audiência Pública. Foto: Patricia Schneidewind

O suposto benefício que seria gerado pela privatização do serviço para a população foi um dos grandes questionamentos da audiência, junto de tarifas abusivas e os eventos climáticos extremos. O encontro contou ainda com a participação de representantes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES), da Rede de Vigilância Popular em Saneamento e Saúde, Defensoria Pública, Companhia Estadual de Água e Esgoto (Cedae), Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico (Agenersa), Ministério Público (MPRJ), e concessionária Águas do Rio.

Com base nos dados do relatório “Justiça Hídrica e Energética nas Favelas: Levantando Dados Evidenciando a Desigualdade e Convocando para Ação” realizado pela Rede Favela Sustentável,* a urbanista Theresa Williamson, diretora executiva da Comunidade Catalisadoras, detalhou os dados e impactos da falta d’água no Grande Rio. Do total das famílias abordadas no estudo, 17% sofrem com esse problema pelo menos duas vezes por semana. “Se este dado for a média de todas as favelas do Rio, seriam 270.000 pessoas sem água pelo tempo citado”. Outro ponto levantado foi a questão da luz, que se mostrou um fator determinante para o acesso à água, pois 48% dependem de bomba para terem água em suas residências. A qualidade do recurso hídrico também foi abordada.

“O estudo mostrou que esse recurso, que o Brasil usufrui em abundância, não chega de forma adequada aos seus cidadãos, apesar do discurso público e das concessionárias. Na lei brasileira diz: ‘Até 2030, alcançar o acesso universal e equitativo à água para consumo humano, segura e acessível a todos. Independente de sua condição social, econômica ou cultural’. É bom lembrar que o Brasil é o país com maior recurso de água doce do mundo. Ou seja, o objetivo de qualquer política voltada para água é atingir, de fato, esse acesso universal. A OMS aponta que a cada um real investido em saneamento, há uma economia de quatro reais em saúde pública. Ainda segundo a organização, o Brasil atende 99% de sua população. Porém, sabemos que isso não é a verdade. Muitas vezes esses dados são produzidos de fora, sem sequer entrar dentro dos territórios. Não gerando entendimento verdadeiro.” — Theresa Williamson

Jovens mobilizadores da Rede Favela Sustentável se manifestam usando os dados que eles próprios construíram, prospectaram e trataram sobre Justiça Hídrica e Energética em suas próprias favelas. Foto: Patricia Schneidewind
Jovens mobilizadores da Rede Favela Sustentável se manifestam usando os dados que eles próprios coletaram sobre justiça hídrica em suas próprias favelas. Foto: Patricia Schneidewind

Outra preocupante face do problema são os valores que os moradores destas regiões precisam pagar por um serviço básico para a sobrevivência. A moradora de Vigário Geral, Tereza Mariano, tomou um susto em março de 2023 quando viu a conta de água chegar. Residente de uma localidade conhecida como El Shadai, a vendedora autônoma recebeu uma conta no valor de R$1.299. De lá para cá, as contas não vieram abaixo dos quatro dígitos.

“Consegui pagar algumas, mas com esse valor era preciso escolher entre comer e ter água na torneira. Agora eles cortaram o fornecimento, apesar de, no endereço da fatura, constar lote não cadastrado. Lá é uma pequena ocupação, onde vivem cerca de 35 famílias. Eles poderiam nos cadastrar, mas acho que a verdadeira intenção é nos remover do local… Nosso medo é que eles usem essas contas para nos tirarem de onde estamos. Não temos direito a nada, nem à água, nem à moradia. Precisamos de tarifa social. Não há vida sem água.” — Tereza Mariano

Cidadã na Audiência Pública com cartaz onde se lê 'Água é direito! Com preço justo!'. Foto: Patricia Schneidewind
Moradora de Mesquita na Audiência Pública com cartaz onde se lê ‘Água é direito! Com preço justo!’. Foto: Patricia Schneidewind

Flávia Lima de Oliveira, do Recanto da Areinha, em Rio das Pedras, acredita que o péssimo serviço prestado pela concessionária que administra a distribuição hídrica aos moradores de favelas do Rio é intencional. Ela lembrou que, na semana em que a sensação térmica da cidade passou dos 50ºC, a comunidade ficou quase dez dias sem água.

“Moramos em um dos lugares mais carentes da região. E a água fica num vai e volta. Naquela semana, a situação foi desumana. As crianças ficaram sem água, os idosos também. E o calor castigou a todos. Isso é tudo orquestrado, para minguar a gente. Não existe a possibilidade de a água ser tratada como barganha. Quem vive de Bolsa Família deveria ficar de fora dessa lógica de pagamento absurdo. Não temos condições financeiras.” Flávia Lima de Oliveira

Água É Mercadoria?

Desde a privatização da Cedae, em 2021, a população do Rio de Janeiro sofre com o aumento das tarifas de água e problemas na distribuição. A empresa Águas do Rio, responsável pela distribuição do recurso, é alvo de críticas desde que assumiu o controle do setor.

À mesa do debate, a representante do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciana Capanema, afirmou que, em contrapartida à privatização, as corporações que operam na área deveriam investir cerca de R$1,8 bilhão na ampliação do serviço de água e esgoto nas favelas não urbanizadas do município do Rio. No entanto, durante a fala de Luciene, não ficou evidenciado de que maneira esse recurso seria devolvido à população. No escopo do projeto do banco público, também está previsto o aumento sem limite da cobertura da tarifa social da água.

“O Brasil vem se esforçando em termos de promoção de políticas públicas na universalização da água desde a década de 1970. Mas esse empenho se mostrou insuficiente. A gente diz que o BNDES é agnóstico. Para a gente não interessa se quem vai prover a solução é uma empresa pública ou privada. O que importa é o serviço proposto entregue à população. E aí vamos financiar para que este atinja esse fim. Lembrando que água tratada na torneira tem um custo. Então, por isso que ela é viabilizada via tarifa. Mas é claro que a tarifa precisa ser montada de uma forma que todo mundo tenha acesso.” — Luciana Capanema

Cidadã segura cartaz onde se lê 'Água não é mercadoria! Mínimo vital de água e tarifa social! Amavig - Associação de Moradores e Amigos de Vigário Geral'. Foto: Patricia Schneidewind
Cidadã segura cartaz onde se lê ‘Água não é mercadoria! Mínimo vital de água e tarifa social! Amavig – Associação de Moradores e Amigos de Vigário Geral’. Foto: Patricia Schneidewind

Sinval Andrade, da empresa Águas do Rio, disse, de maneira ampla, que quem presta serviço público deve ser transparente e se submeter ao controle social. De acordo com o diretor superintendente, a concessionária criou um programa de contato direto com as lideranças locais, associação de moradores e outras entidades da sociedade civil. Na conta da empresa, são 700 comunidades parceiras, o que representa 11 milhões de moradores. Desse total, 525 estão na capital.

“Fizemos trabalho em diversas comunidades. Nós já investimos cerca de R$2,1 bilhões. Colocamos 963km de rede de água. E 270.000 pessoas tiveram acesso à água pela primeira vez desde que assumimos o serviço. Temos hoje 13% de clientes cadastrados na modalidade da tarifa social.” — Sinval Andrade

Nesse momento, Sinval foi interpelado pela Deputada Dani Monteiro, que indagou o diretor sobre qual seria o procedimento padrão para se candidatar à modalidade da tarifa social. Ela afirmou que a Comissão de Direitos Humanos recebe diversas denúncias sobre a não concessão do benefício. Isso aconteceu após o diretor citar que os critérios para a tarifa eram regulados por um decreto. Mas ele não soube responder que mecanismo legal seria esse. Apenas informou que há um estudo para que os clientes cadastrados no CadÚnico sejam automaticamente incluídos na modalidade popular.

Encaminhamentos

Ao final do debate, a mesa presidida pela Deputada Dani Monteiro sugeriu como encaminhamentos a construção de uma plataforma de fiscalização popular e a produção cidadã de dados sobre água. Foi apontada a necessidade da imediata aprovação de um projeto de lei que regulamente a tarifa social, que dê isenção e anistia dos valores cobrados abusivamente, que aprimore o monitoramento e o controle da potabilidade da água e que estabeleça a criação de conselhos dos usuários, para ampliar a participação popular nos debates sobre o tema. Além disso, foi proposto aos deputados a criação de um dia estadual pela promoção da segurança hídrica.

Assista o Vídeo Completo do Audiência Pública Aqui:

Não perca o álbum por Patricia Schneidewind (ou clique aqui para ver no Flickr):

Audiência Pública na ALERJ: Direito Humano à Água, 28 de novembro de 2023
*A Rede Favela Sustentável e o RioOnWatch são ambos facilitados pela organização sem fins lucrativos Comunidades Catalisadoras (ComCat).


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