Comunicadores Antirracistas Premiados pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro em Noite Histórica na Associação Brasileira de Imprensa

Auditório da Associação Brasileira de Imprensa lotado para acompanhar a entrega de Moções de Louvor e Reconhecimento a comunicadores antirracistas do Rio de Janeiro. Foto: Bárbara Dias
Auditório da Associação Brasileira de Imprensa lotado para acompanhar a entrega de Moções de Louvor e Reconhecimento a comunicadores antirracistas do Rio de Janeiro. Foto: Bárbara Dias

Click Here for English

Em uma noite histórica do Mês da Consciência Negra, em 27 de novembro, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, através da Comissão Especial de Combate ao Racismo, presidida pela Vereadora Mônica Cunha, entregou moções de louvor e reconhecimento a mais de 160 comunicadores antirracistas cariocas, na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Centro da cidade. Os homenageados foram coletivos de mídia alternativa, jornalistas, atores, lideranças locais, influenciadores e produtores de conteúdo antirracista. Foi realizada na última segunda-feira do Novembro Negro, o último dia de Exu do mês, o orixá da comunicação, conhecido como a boca do mundo nas religiões de matriz africana.

Moção de Louvor e Reconhecimento conferida ao RioOnWatch, enquanto portal de narrativas de favelas e meio de comunicação antirracista.
Exemplo de Moção de Louvor e Reconhecimento, essa conferida ao RioOnWatch, enquanto portal de narrativas de favelas e meio de comunicação antirracista.

O RioOnWatch recebeu duas moções: uma que reconhece o próprio RioOnWatch enquanto portal de narrativas de favelas; e outra pela série Enraizando o Antirracismo nas Favelas: Desconstruindo Narrativas Sociais sobre Racismo no Rio de Janeiro. As moções premiam o trabalho do site e da sua rede de mais de 80 comunicadores, em sua maioria negros e de favela. 

Aquilombamento na Associação Brasileira de Imprensa

Um grande aquilombamento aconteceu e foi celebrado no auditório da ABI, na Rua Araújo Porto Alegre, no Centro do Rio. A partir da iniciava do bonde antirracista da Vereadora Mônica Cunha, um auditório lotado prestigiou a comunicação popular, antirracista e de favela do Rio de Janeiro. Compondo a mesa, os homenageados especiais foram Gizele Martins, jornalista do Complexo da Maré e militante dos Direitos Humanos; Claudia Santiago, jornalista e fundadora do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC); Xico Texeira, jornalista e vice-presidente da ABI; Tiago Rogero, jornalista e roteirista, criador e coordenador do Projeto Querino; Rene Silva, fundador do Voz das Comunidades, do Complexo do Alemão; e Fátima Lima, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 

Logo na abertura do evento, a vereadora destacou a relevância do trabalho dos comunicadores e meios de comunicação presentes na cerimônia para a cidade do Rio de Janeiro e para a democracia brasileira. O evento foi um marco da valorização dos profissionais de mídia negros e de favela. Uma celebração de suas narrativas periféricas, tradicionalmente abafadas e apagadas pela grande mídia.

Mesa com alguns dos 160 homenageados pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro na cerimônia de entrega de Moções de Louvor e Reconhecimento, na Associação Brasileira de Imprensa. Foto: Bárbara Dias
Mesa com alguns dos 160 homenageados pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro na cerimônia de entrega de Moções de Louvor e Reconhecimento, na Associação Brasileira de Imprensa. Foto: Bárbara Dias

Segundo Mônica Cunha, o ecossistema da comunicação comunitária carioca oferece narrativas alternativas, que quebram os estereótipos historicamente construídos pelas mídias tradicionais sobre as favelas, as periferias e os familiares e vítimas de violência do Estado. Ela relembrou a importância que esses comunicadores tiveram no próprio caso dela, enquanto mãe de vítima do Estado. Em 2006, Mônica Cunha perdeu seu filho, Rafael da Silva Cunha, um jovem negro então com 20 anos, assassinado pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ).

“Essa homenagem aos comunicadores significa muito [para mim] enquanto uma mulher negra nessa cidade e enquanto uma mãe de vítima de violência. A gente sabe que, mesmo com todas as nossas lutas e militância, [o Estado] ainda mantém práticas racistas… Ter conhecido essa comunicação popular num grupo de familiares vítimas, por eles escreverem e colocarem nos seus sites, nos seus jornais, a narrativa real, aquilo que a gente falava, o que a gente sentia, fez toda a diferença para nós, para as mães de vítimas desse Estado… Outras mídias sempre nos viram como culpadas, como mães de bandidos… Foram os comunicadores populares que viraram essa página nas nossas vidas… Então, hoje, homenagear vocês é dizer para esse Estado que matou meu filho e o filho de diversas irmãs minhas que nós não somos mães de bandidos!” — Vereadora Mônica Cunha

Vereadora Mônica Cunha, presidenta da Comissão Especial de Combate ao Racismo, durante uma fala na cerimônia de entrega de Moções de Louvor e Reconhecimento aos comunicadores antirracistas do Rio de Janeiro. Foto: Bárbara Dias
Vereadora Mônica Cunha, presidenta da Comissão Especial de Combate ao Racismo, durante uma fala na cerimônia de entrega de Moções de Louvor e Reconhecimento aos comunicadores antirracistas do Rio de Janeiro. Foto: Bárbara Dias

Dentre os mais de 160 homenageados, destacou-se a presença de Maria dos Santos Soares, mais conhecida como Dona Santinha, que, aos 99 anos, é uma figura emblemática nas manifestações no Rio de Janeiro, sempre atuante nos movimentos feministas, de direitos humanos, antirracistas, entre outras mobilizações.

“A minha luta principal é pelos negros devido à situação em que nos colocaram, mas a minha militância é pela humanidade. Eu não sei porque estou aqui. Talvez a minha vida seja responsável por isso, porque não sei ficar indiferente ao que me rodeia. Tudo o que eu acho de errado, eu quero fazer alguma coisa para mudar.” — Dona Santinha

Dona Santinha, aos 99 anos de idade, recebeu uma Moção de Louvor e Reconhecimento por toda sua trajetória de vida e de militância. Foto: Bárbara Dias
Dona Santinha, aos 99 anos de idade, recebeu uma Moção de Louvor e Reconhecimento por toda sua trajetória de vida e de militância. Foto: Bárbara Dias

As homenagens seguiram e inúmeros projetos antirracistas foram premiados. Dentre eles, citamos algumas presenças de mídias alternativas e de favelas, como: Fala ManguinhosLabJacaFala RoçaColetivo Fala Akari, Portal Favelas, Redes da Maré, ANF, Notícia Preta, Alma Preta Jornalismo, Mundo Negro, Diáspora BlackBem TVInfluência NegraGênero e Número e Mídia Ninja. Organizações da sociedade civil, lideranças antirracistas e ONGs também receberam moções, tal como Jurema Constâncio, da Cooperativa Habitacional Shangri-Lá, na TaquaraZona Oeste do Rio, e integrante da União Nacional por Moradia Popular (UNMP); e o Instituto Marielle Franco e sua diretora executiva Lígia Batista.

Jurema Constâncio, da Cooperativa Habitacional Shangri-Lá, na Taquara, Zona Oeste do Rio, e integrante da União Nacional por Moradia Popular (UNMP) recebe Moção de Louvor e Reconhecimento das mãos da Vereadora Mônica Cunha. Foto: Bárbara Dias
Jurema Constâncio, da Cooperativa Habitacional Shangri-Lá, na Taquara, Zona Oeste do Rio, e integrante da União Nacional por Moradia Popular (UNMP) recebe Moção de Louvor e Reconhecimento das mãos da Vereadora Mônica Cunha. Foto: Bárbara Dias

Da mesma maneira, também receberam moções diversos profissionais antirracistas, como o ator Jonathan Azevedo, o jornalista do SportTV Marcos Valentim, a jornalista do RJTV e ex-repórter do Voz das Comunidades Vitória Henrique, o dramaturgo Jonathan Raymundo, o jornalista e ator Adalberto Neto, e o influencer cria do Complexo da Maré Raphael Vicente, além de outras personalidades negras importantes na luta contra o racismo.

Ainda nesta noite, vários fotógrafos populares foram premiados, muitos oriundos do Complexo da Maré, membros da Escola de Fotografia Popular da Maré, centro de formação fundamental e pioneiro na quebra de estereótipos e narrativas imagéticas de violência sobre as favelas.

Entre uma entrega de moção e outra, algumas falas contundentes foram feitas pelos convidados da mesa.

“Primeiro, [queria dizer que] estou emocionada de ver a Mônica Cunha, a minha rainha, o meu exemplo de luta, aqui, homenageando comunicadores e comunicadoras antirracistas, numa casa que muitas vezes não abriu suas portas para comunicadores que não têm diploma de jornalismo. Estar numa casa como essa, tão importante para a gente, finalmente aberta para nós, antirracistas de periferia, de favelas e quilombos, e estar aqui sendo homenageada é muita coisa. Muito obrigada a Mônica e à equipe dela por essa homenagem a todos comunicadores… Além disso, quero dizer que estou muito feliz de estar aqui nessa mesa maravilhosa com meus exemplos, minhas grandes referências… a comunicação comunitária mobiliza ideias para mobilizar práticas e essa é a luta do movimento negro, do povo periférico e do movimento de favelas no Rio de Janeiro, no Brasil e no Mundo… A gente precisa cada vez mais lutar por uma sociedade em que caiba a gente.” — Gizele Martins

Mônica Cunha entrega Moção de Louvor e Reconhecimento a Gizele Martins, jornalista mareense e militante de direitos humanos. Foto: Bárbara Dias
Mônica Cunha entrega Moção de Louvor e Reconhecimento a Gizele Martins, jornalista mareense e militante de direitos humanos. Foto: Bárbara Dias

RioOnWatch Recebeu Moção Também pelo Projeto ‘Enraizando o Antirracismo nas Favelas’

No intuito de promover um debate eficaz contra o racismo, dando destaque às vozes de favela do Rio de Janeiro, em 2021, o RioOnWatch lançou o projeto Enraizando o Antirracismo nas Favelas: Desconstruindo Narrativas Sociais sobre Racismo no Rio de Janeiro. Por meio do jornalismo comunitário, esta série teve como foco promover diálogos sobre questões de raça, racismo e antirracismo nas favelas do Rio de Janeiro. O objetivo central do projeto foi oferecer uma visão abrangente, multidimensional e interseccional, buscando revelar como o racismo estrutural opera no Rio de Janeiro.

A proposta da série foi fomentar discussões e reflexões com o objetivo de transformar o cotidiano, pois o  racismo permeia as estruturas sociais, incluindo os silêncios, os eufemismos presentes nas notícias. Ao longo de 2021 e 2022, o RioOnWatch publicou semanalmente artigos, ilustrações, vídeos e podcasts, predominantemente produzidos por comunicadores negros residentes em favelas do Rio de Janeiro. Abaixo, assista o vídeo de encerramento da série Enraizando o Antirracismo nas Favelas, feito pelos comunicadores do projeto.

O editor da série Enraizando o Antirracismo nas Favelas, presente na cerimônia de entrega das moções, analisou o projeto e suas conquistas. Ele ponderou sobre a importância das duas Moções de Louvor e Reconhecimento. E destacou que elas são fruto do aquilombamento, do trabalho coletivo dos comunicadores do RioOnWatch.

O projeto Enraizando o Antirracismo nas Favelas publicou 55 produtos midiáticos… por 51 comunicadores e jornalistas de favela… em sua maioria negros e mulheres, de 24 favelas de toda a região metropolitana… Todo produto textual foi acompanhado de uma arte original feita por artistas populares… O projeto [havia sido premiado por instituições de fora da cidade]: a primeira foi a medalha de prata no The Anthem Awards na categoria Diversidade, Equidade e Inclusão, como Melhor Programa de Conscientização Local, e depois veio o Prêmio Megafone Ativismo de melhor Reportagem de Mídia Independente.

Essa homenagem oficial e pública do Legislativo carioca [traz outra dimensão]… O que mais me chama atenção é o quanto isso demorou para acontecer. 135 anos depois da abolição da escravatura e 126 anos depois da fundação do Morro da Favela, [é] só quando uma Mônica Cunha chega à Câmara, e mesmo assim por suplência… que finalmente temos uma Comissão Especial de Combate ao Racismo. E, mesmo assim, ela é especial, temporária… [na] cidade que mais recebeu… escravizados…Como a comissão não é permanente? Como o antirracismo não é componente de todas as políticas da cidade?… A gente precisa multiplicar esse tipo de iniciativa.” Julio Santos Filho

Na foto, representantes de Portal Catarinas, Gênero e Número, RioOnWatch, Notícia Preta, Bem TV e Diáspora Black recebem as Moções de Louvor e Reconhecimento em nome de seus projetos. Foto: Bárbara Dias
Na foto, representantes de Portal Catarinas, Gênero e Número, RioOnWatch, Notícia Preta, Bem TV e Diáspora Black recebem as Moções de Louvor e Reconhecimento em nome de seus projetos. Foto: Bárbara Dias

Essa noite inédita só reiterou a importância de se homenagear e reconhecer as vozes, as construções coletivas e as contribuições de mídias alternativas e comunitárias, de coletivos, lideranças de territórios, jornalistas, comunicadores populares e figuras públicas que estão no front da luta antirracista.

Essa Moção de Louvor e Reconhecimento pertence a todos os comunicadores que construíram esse aquilombamento editorial no RioOnWatch:

Moção de Louvor e Reconhecimento conferida à série 'Enraizando o Antirracismo nas Favelas: Desconstruindo Narrativas Sociais sobre o Racismo no Rio de Janeiro'.
Moção de Louvor e Reconhecimento conferida à série ‘Enraizando o Antirracismo nas Favelas: Desconstruindo Narrativas Sociais sobre o Racismo no Rio de Janeiro’.
  • Alexandre Cerqueira
  • Amanda Botelho
  • Andreia Meireles de Souza
  • Anielle Franco
  • Anna Paula Azevedo Pereira Rodrigues
  • Antonio Alonso
  • Artur Vinicius Amaro
  • Beatriz Carvalho
  • Camila Fiuza
  • Carolina Santos
  • Clara Simas Ferraz
  • Cleyton Santana
  • Cynthia Lima
  • David Amen
  • Douglas Dobby
  • Eloanah Conceição
  • Emerson Caetano
  • Emerson de Souza
  • Emilia Maria de Souza
  • Estevão Ribeiro
  • Euro Mascarenhas Filho
  • Fabio Leon
  • Felipe Bellido
  • Gabriela Anastácia
  • Gisele Moura Camargo
  • Gizele Martins
  • Gracilene Firmino
  • Guilhermina Augusti
  • Iamni Jager
  • Ingra Maciel
  • Jaqueline Suarez
  • Jeferson Rodrigues
  • Jônatas Ariel
  • Juliana Pinho
  • Julio Santos Filho
  • Kelly Géssica
  • Lorena Portela
  • Luan Nascimento
  • Natalia de Souza Flores
  • Nathanael Araujo
  • Neuza Nascimento
  • Nyl de Souza
  • Paula Pinto
  • Paulo Gabriel dos Santos
  • Rafael Lopes
  • Raquel Batista
  • Sabrina Martina
  • Saulo Nicolai
  • Tatiana Lima
  • Victor Morais de Oliveira
  • Victória Henrique
  • Yara Santos

Não perca o álbum da Cerimônia de Entrega de Moções de Louvor e Reconhecimento aos Comunicadores Antirracistas do Rio de Janeiro no Flickr:

Prêmio "Por uma Comunicação Antirracista" na ABI, 27 de Novembro de 2023

Sobre a autora e fotógrafa: Bárbara Dias, cria de Bangu, possui licenciatura em Ciências Biológicas, mestrado em Educação Ambiental e atua como professora da rede pública desde 2006. É fotojornalista e trabalha também com fotografia documental. É comunicadora popular formada pelo Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) e co-fundadora do Coletivo Fotoguerrilha.


Apoie nossos esforços para fornecer apoio estratégico às favelas do Rio, incluindo o jornalismo hiperlocal, crítico, inovador e incansável do RioOnWatchdoe aqui.