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Jovens de diversas favelas do Grande Rio realizaram no dia 2 de dezembro a “COP das Favelas” em paralelo à Conferência do Clima da ONU (COP 28) no 6º Encontro Anual da Rede Favela Sustentável (RFS)*, no Centro Comunitário Irmãos Kennedy (CCIK), na Vila Kennedy, Zona Oeste do Rio de Janeiro. A atividade teve como objetivo promover debates entre os jovens, lideranças comunitárias e moradores desses territórios, considerando quatro diferentes questões presentes no cotidiano das favelas em diálogo com os temas-foco da COP 28: resíduos sólidos; injustiças provenientes e histórias de superação de racismo ambiental; e o protagonismo e o papel da juventude periférica no combate às mudanças climáticas.
COP 28 X COP das Favelas: Traçando Paralelos a Partir de Quem Mais É Atingido
A COP 28, realizada pela ONU, desempenha um papel crucial no enfrentamento global relacionado às questões ambientais. A COP acontece anualmente, com a presença de representantes de todos os países signatários da convenção, para avaliar essas questões e propor estratégias para o enfrentamento e mitigação das mudanças climáticas. Em 2023, esteve acontecendo em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, entre 30 de novembro e 12 de dezembro.
Matheus Botelho, jovem morador da Coréia, comunidade de Mesquita, na Baixada Fluminense explica como surgiu a ideia de criar um espaço de debate de jovens de favelas.
“A COP… é um evento que as pessoas que realmente sofrem com as mudanças climáticas não participam. Então, daí surgiu a ideia [de fazermos] a COP das Favelas, [pois a favela] é o local que mais sofre com racismo ambiental.” – Matheus Botelho
A proposta da COP das Favelas teve como formato duas séries de rodas de conversa, mediadas por jovens. O protagonismo dos jovens foi uma grande marca desta atividade. O objetivo foi promover debates intergeracionais entre jovens e veteranas da RFS.
Rodas de Troca de Experiência na COP das Favelas
Em cada roda, muitos escolheram falar de estratégias de superação da negligência do poder público que já foram aplicadas em seus territórios e deram certo.
Nessas rodas, surgiram propostas de formação em educação ambiental para o trabalho com resíduos sólidos e a geração de renda, com inclusão das cooperativas feita pelo governo. Ilaci Luiz de Oliveira, da Cooperativa Transvida, comenta sobre a burocracia e o quanto é caro o processo de criação e manutenção de cooperativas de reciclagem de forma legalizada.
“Eu não tenho como pagar um profissional… porque o resíduo é muito barato [nosso trabalho é desvalorizado], mas a burocracia não. O governo federal quer trazer esse incentivo [a legalização], mas eu, na ponta, não tenho braço pra buscar isso com o governo, porque são certidões, documentos… para eu poder ter uma cooperativa ativa, por exemplo, eu preciso ter folha de pagamento ativa… essa não é a realidade da maioria dos trabalhadores.” — Ilaci Luiz de Oliveira
Por outro lado, o jovem Tiago de Lima, responsável pela mediação da roda de conversa sobre “Resíduos sólidos nas favelas”, morador da comunidade da Tijuquinha, na Zona Oeste, estudante de Geografia e Meio Ambiente na PUC-Rio, falou de sua experiência estudando e vivenciando a injustiça climática para todos os presentes naquela seção do evento.
A importância da educação ambiental foi citada como via de solução para os problemas socioambientais das favelas e de outras comunidades historicamente alvos do racismo ambiental.
Mauro Pereira, co-fundador do Defensores do Planeta, organização que luta pela Serra do Mendanha desde 1999 e atua com as comunidades no seu entorno, na Zona Oeste, fez uma fala contundente na roda “Histórias de superação de racismo ambiental”. Para o biólogo e ativista, a Zona Oeste do Rio de Janeiro é a região da cidade que mais sofre racismo ambiental. É o que alguns presentes chamaram de zona de sacrifício.
“[Temos] a maior parcela de Mata Atlântica da cidade [em] nosso território, a maior quantidade de rios… A maior quantidade de diversidade biológica [está] na Serra do Mendanha, que fica no meu território… Só que nós também temos passivos ambientais enormes… Quando se escolhe a zona para colocar um grande lixão… o aterro de Gericinó, que fechou, mas, se vocês forem lá, vocês vão ver as pessoas em cima do lixo, o gás saindo, o metano e o chorume contaminando o solo… Quando botaram duas siderúrgicas aqui no nosso território… é a nossa crise climática… Eles não querem que a gente saiba, mas 70% das emissões [de gases do efeito estufa do Rio] estão aqui no meu território… graças a empreendimentos como a Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA).” — Mauro Pereira
Aproximando-se do fim das discussões, esse espaço de protagonismo de jovens pelo clima foi considerado fundamental pelos presentes. Atuando na mediação da roda “Protagonismo e o papel da juventude periférica no combate às mudanças climáticas”, Sara Hins, integrante do Museu de Favelas (MUF), no Complexo do PPG, na Zona Sul, falou da importância da COP das Favelas para ela.
“Eu achei o processo muito interessante por estar com outros jovens de outros territórios, cada um com a sua especificidade, falando de temas como racismo ambiental e justiça climática. A importância da COP das Favelas é poder falar sobre esse tema a partir dos nossos territórios, onde nós, corpos pretos e periféricos, somos os mais afetados pelas mudanças climáticas… a COP das Favelas dialoga com a COP oficial, pois cria um espaço que a gente, sociedade civil periférica, não teria acesso de outra forma… formado pelas pessoas que realmente sofrem as mudanças climáticas na pele, no dia a dia.” — Sara Hins
O jovem Tiago da Tijuquinha também refletiu sobre a importância da atividade para o seu desenvolvimento.
“Eu acho que a COP das Favelas está sendo essencial para a minha construção, tanto acadêmica, quanto social… Os debates que a gente teve aqui foram incríveis… a sala que a gente estava era sobre resíduos sólidos, então, a gente escutou muitas histórias de catadores… Eu acho que a COP das Favelas se iguala muito com a COP da ONU, porque a gente está debatendo os problemas que acontecem nas nossas favelas e está buscando solução para o que está acontecendo… nunca imaginei estar participando dessa COP… tudo o que aprendi aqui hoje quero levar para minha favela.” — Tiago de Lima
*A Rede Favela Sustentável (RFS) e o RioOnWatch são ambas ações tocadas pela organização sem fins lucrativos, Comunidades Catalisadoras (ComCat).
Sobre a autora e fotógrafa: Bárbara Dias, cria de Bangu, possui licenciatura em Ciências Biológicas, mestrado em Educação Ambiental e atua como professora da rede pública desde 2006. É fotojornalista e trabalha também com fotografia documental. É comunicadora popular formada pelo Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) e co-fundadora do Coletivo Fotoguerrilha.