‘A Gente Só Tem Dignidade Quando a Favela e a Comunidade Se Tornam Sustentáveis’: Mutirão Preserva Agrofloresta no Morro da Providência

‘Cada Um Faz Um Pouco. Esse Pouco Vira Muito.’

Participantes do mutirão retiraram 20 sacos de lixo da agrofloresta do Morro do Providência. Foto: Bárbara Dias
Participantes do mutirão retiraram 20 sacos de lixo da agrofloresta do Morro da Providência. Foto: Bárbara Dias

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A agrofloresta do Morro da Providência, no Centro do Rio, pulsa com mais saúde desde 12 de julho. Nesta data, o espaço comum da comunidade, conhecido como Java, recebeu um mutirão de limpeza e manutenção organizado por integrantes da Providência Agroecológica. Divulgado pela Agenda Coletiva da Rede Favela Sustentável* e outros coletivos, a ação contou também com o apoio de uma agente comunitária da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima e agentes de limpeza da Comlurb. Ao final do mutirão, 20 sacos de lixo foram retirados da agrofloresta.

Desde 2013, a Providência Agroecológica desenvolve o território e fortelece o pertencimento dos moradores do Morro da Providência. Sua sede conta com mais de 1.200 espécies vegetais. Articulando o desenvolvimento comunitário com agroecologia, educação socioambiental, saúde e bem-estar da comunidade, o projeto é coordenado por Alessandra Roque, mateira e raizeira, moradora da Providência desde 1997, e Lorena Portela, engenheira ambiental de Niterói. A sede é situada em um espaço verde acima do Túnel João Ricardo. Alessandra explica a dinâmica dos mutirões de limpeza, que acontecem mensalmente com o objetivo de manutenção do espaço.

“Aqui, como é aberto para todas as pessoas, é mais difícil manter limpo… É um trabalho de formiguinha: uma vez por mês a gente faz o mutirão. Cada mês depende muito: o mês [que] tem muita gente no mutirão, a gente tira muita coisa. O mês que tem pouca [gente], a gente tira menos, porque é um trabalho muito cansativo. Abaixa, levanta, abaixa, levanta e o peso… No mês passado, a gente teve [mais] ajuda e aí a gente tirou 68 sacos de lixo, incluindo os entulhos… Se você levar em conta que a gente não deixa aumentar [a quantidade de lixo], já está de bom tamanho.” — Alessandra Roque

Alessandra Roque, uma das coordenadoras do Providência Agroecológica, participou do mutirão de limpeza, que ocorre mensalmente na agrofloresta do Morro da Providência. Foto: Bárbara Dias
Alessandra Roque, uma das coordenadoras da Providência Agroecológica, participando do mutirão de limpeza, que ocorre mensalmente na agrofloresta do Morro da Providência. Foto: Bárbara Dias

O mutirão se dedicou à retirada de lixo inorgânico, como sacolas e embalagens plásticas. Os materiais orgânicos, como sobras de capina e podas de árvores, permanecem no espaço, sendo reutilizados como adubo pelas próprias plantas da agrofloresta.

O trabalho de limpeza e manutenção da agrofloresta encontra muitos desafios. Alessandra enumera dificuldades com alguns moradores, pessoas em situação de rua e com o poder público. Durante o mutirão, ela denunciou o descaso de uma obra recente da Prefeitura, que, ao construir um corrimão para a escada de acesso à comunidade, deixou lixo no canteiro.

“Além do processo que a gente enfrenta com [alguns] moradores que jogam entulho, há pessoas em situação de rua que, às vezes, procuram um abrigo e deixam seus lixos ali. A gente encara também o descaso do poder público, que foi ali fazer o corrimão da escada e jogou todo o cimento… dentro do canteiro. Todos os restos de entulho, cano, vergalhão, tudo foi jogado dentro do canteiro.” — Alessandra Roque

Restos de cimento, entulho, cano, e vergalhão jogados pela obra da prefeitura dentro do canteiro do espaço da agrofloresta. Este lixo da obra foi recolhido durante o mutirão. Foto: Bárbara Dias
Restos de cimento, entulho, cano e vergalhão, jogados pela obra da Prefeitura, dentro do canteiro do espaço da agrofloresta. Este lixo da obra foi recolhido durante o mutirão. Foto: Bárbara Dias

Todos os mutirões contam com o apoio de moradores da Providência, que, diante dos poucos espaços de lazer para a comunidade, unem-se no esforço coletivo de manter viva essa área verde. Entrevistada, Solange Barcelos, moradora, diz que participa regularmente da manutenção do espaço.

“Sempre estou participando. Acho bom, porque a gente já não tem muito espaço. Aqui é um espaço bom, só que [depende de] manutenção… É difícil, mas não é impossível. A gente está fazendo a nossa parte, contando [com] que os moradores, as pessoas que passam por aqui, possam fazer a sua parte… Ter um espaço… para as crianças brincarem [é importante]… Aqui tem um espacinho, não tem perigo de carro.” — Solange Barcelos

Lene Sousa e Solange Barcelos, moradoras da Providência, ressaltaram a importância de realizar o mutirão de limpeza. Foto: Bárbara Dias
Lene Sousa e Solange Barcelos, moradoras da Providência, ressaltaram a importância de realizar o mutirão de limpeza. Foto: Bárbara Dias

Localizado na área conhecida como “Java”, um dos principais acessos ao Morro da Providência, este lugar estava abandonado e foi revitalizado como um espaço agroecológico no ano de 2019. Desde então, a agrofloresta segue dando bons frutos aos moradores da comunidade e dos entornos. Dona Franklina do Nascimento, moradora da região do Santo Cristo, participa das atividades da Providência Agroecológica e fala sobre a preservação do espaço.

“Eu moro há 40 anos aqui nessa área… A gente tinha que vir mais vezes [para manter limpo], mas a vida é muito corrida, né? Tinha que ter mais plaquinhas para educar os moradores, para manter o ambiente limpo. As vezes que a gente vem, a gente faz a diferença. Tem que ser isso, cada um fazer um pouco. Quando viu, esse pouco virou muito. Eu sou aluna de costura da Alessandra, eu faço parte [do curso de] corte e costura, de costura criativa. Aí, ela fala que [vai ter o mutirão] e a gente vem ajudar com a força.” — Franklina do Nascimento

Daniel Alves soube do evento pela Agenda Coletiva da Rede Favela Sustentável, e veio desde da Ilha do Governador para participar do mutirão.

“Sou da Ilha do Governador, sou nascido e criado na comunidade do Parque Royal e cresci na Baía de Guanabara… Eu tive uma infância na Baía de Guanabara. A memória que eu tive foi pescando camarão, peixe, siri e tendo contato também com outras espécies, como lulas e polvos. Na escola, eu tive educação ambiental e, depois dos anos 2000, veio um grande desastre da Baía de Guanabara, o da REDUC [Refinaria de Duque de Caxias, da Petrobras], um dos maiores [desastres ambientais do Rio]… E aí, eu me formei e comecei a trabalhar com essa questão de sustentabilidade e desenvolvimento humano. Eu aprendi que a gente só tem dignidade quando a gente fala sobre desenvolvimento humano e social, onde a favela e a comunidade se tornam sustentáveis.” — Daniel Alves

O mutirão atraiu voluntários de outras comunidades e partes do Rio, como Dona Franklina do Nascimento e Daniel Alves. Foto: Bárbara Dias
O mutirão atraiu voluntários de outras comunidades e partes do Rio, como Dona Franklina do Nascimento e Daniel Alves. Foto: Bárbara Dias

O mutirão também contou com a colaboração de Thais Barbosa, agente comunitária de educação ambiental, do Centro de Educação Ambiental da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima; e com o apoio de três agentes da Comlurb, que ajudaram a capinar o mato alto dos lugares de mais difícil acesso da agrofloresta. Thais comentou sobre o papel da agrofloresta da Providência Agroecológica e sobre sua atuação no território.

“[É essencial] conscientizar os moradores de como é importante, para além da limpeza do local, a gente preservar essa área aqui que tem bastante árvore… Às vezes, o pessoal tá numa situação de vulnerabilidade, pobreza, então, a última coisa que ela vai pensar vai ser em limpar ou preservar, não cortar uma árvore… A gente começou há pouco tempo [o trabalho de educação ambiental]… A gente vai fazer isso agora, começar pelo pessoal da Pedra Lisa, que é o pessoal que [passa por] mais vulnerabilidade aqui no morro… A gente vai começar… conversar com eles, fazer algumas hortas na região: uma região muito confinada, carente de árvores. Lá só tem casa, beco… Precisa desse trabalho de ir lá falar com eles antes de fazer as hortas, entendeu?” — Thais Barbosa

Thais Barbosa, agente de educação ambiental comunitária e moradora da Providência, participa da limpeza durante o mutirão. Foto: Bárbara Dias
Thais Barbosa, agente de educação ambiental comunitária e moradora da Providência, participa da limpeza durante o mutirão. Foto: Bárbara Dias

Resiliente, o projeto de agrofloresta da Providência segue construindo um espaço verde de respiro na favela, no Centro da cidade. É um dos pontos da região em que moradores podem aproveitar um microclima mais fresco, que só uma área verde proporciona. Há mais de uma década, a Providência Agroecológica segue construindo uma favela sustentável na Região Portuária, na Pequena África, com o apoio de moradores e voluntários. Bem como na Providência, favelas e periferias do Rio, a partir da mobilização coletiva, seguem ocupando os espaços, construindo alternativas sustentáveis e lutando por seus direitos frente à negligência do Estado, que, historicamente, se exime de sua responsabilidade.

Veja o Álbum Completo por Bárbara Dias no Flickr:

Mutirão na Agrofloresta no Morro da Providência, 12 de julho de 2025 #AgendaColetiva da Rede Favela Sustentável

*A Rede Favela Sustentável (RFS) e o RioOnWatch são articulados pela organização sem fins lucrativos Comunidades Catalisadoras (ComCat).

Sobre a autora: Bárbara Dias, cria de Bangu, possui licenciatura em Ciências Biológicas, mestrado em Educação Ambiental e atua como professora da rede pública desde 2006. É fotojornalista e trabalha também com fotografia documental. É comunicadora popular formada pelo Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) e co-fundadora do Coletivo Fotoguerrilha.


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