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A agrofloresta do Morro da Providência, no Centro do Rio, pulsa com mais saúde desde 12 de julho. Nesta data, o espaço comum da comunidade, conhecido como Java, recebeu um mutirão de limpeza e manutenção organizado por integrantes da Providência Agroecológica. Divulgado pela Agenda Coletiva da Rede Favela Sustentável* e outros coletivos, a ação contou também com o apoio de uma agente comunitária da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima e agentes de limpeza da Comlurb. Ao final do mutirão, 20 sacos de lixo foram retirados da agrofloresta.
Desde 2013, a Providência Agroecológica desenvolve o território e fortelece o pertencimento dos moradores do Morro da Providência. Sua sede conta com mais de 1.200 espécies vegetais. Articulando o desenvolvimento comunitário com agroecologia, educação socioambiental, saúde e bem-estar da comunidade, o projeto é coordenado por Alessandra Roque, mateira e raizeira, moradora da Providência desde 1997, e Lorena Portela, engenheira ambiental de Niterói. A sede é situada em um espaço verde acima do Túnel João Ricardo. Alessandra explica a dinâmica dos mutirões de limpeza, que acontecem mensalmente com o objetivo de manutenção do espaço.
“Aqui, como é aberto para todas as pessoas, é mais difícil manter limpo… É um trabalho de formiguinha: uma vez por mês a gente faz o mutirão. Cada mês depende muito: o mês [que] tem muita gente no mutirão, a gente tira muita coisa. O mês que tem pouca [gente], a gente tira menos, porque é um trabalho muito cansativo. Abaixa, levanta, abaixa, levanta e o peso… No mês passado, a gente teve [mais] ajuda e aí a gente tirou 68 sacos de lixo, incluindo os entulhos… Se você levar em conta que a gente não deixa aumentar [a quantidade de lixo], já está de bom tamanho.” — Alessandra Roque

O mutirão se dedicou à retirada de lixo inorgânico, como sacolas e embalagens plásticas. Os materiais orgânicos, como sobras de capina e podas de árvores, permanecem no espaço, sendo reutilizados como adubo pelas próprias plantas da agrofloresta.
O trabalho de limpeza e manutenção da agrofloresta encontra muitos desafios. Alessandra enumera dificuldades com alguns moradores, pessoas em situação de rua e com o poder público. Durante o mutirão, ela denunciou o descaso de uma obra recente da Prefeitura, que, ao construir um corrimão para a escada de acesso à comunidade, deixou lixo no canteiro.
“Além do processo que a gente enfrenta com [alguns] moradores que jogam entulho, há pessoas em situação de rua que, às vezes, procuram um abrigo e deixam seus lixos ali. A gente encara também o descaso do poder público, que foi ali fazer o corrimão da escada e jogou todo o cimento… dentro do canteiro. Todos os restos de entulho, cano, vergalhão, tudo foi jogado dentro do canteiro.” — Alessandra Roque

Todos os mutirões contam com o apoio de moradores da Providência, que, diante dos poucos espaços de lazer para a comunidade, unem-se no esforço coletivo de manter viva essa área verde. Entrevistada, Solange Barcelos, moradora, diz que participa regularmente da manutenção do espaço.
“Sempre estou participando. Acho bom, porque a gente já não tem muito espaço. Aqui é um espaço bom, só que [depende de] manutenção… É difícil, mas não é impossível. A gente está fazendo a nossa parte, contando [com] que os moradores, as pessoas que passam por aqui, possam fazer a sua parte… Ter um espaço… para as crianças brincarem [é importante]… Aqui tem um espacinho, não tem perigo de carro.” — Solange Barcelos

Localizado na área conhecida como “Java”, um dos principais acessos ao Morro da Providência, este lugar estava abandonado e foi revitalizado como um espaço agroecológico no ano de 2019. Desde então, a agrofloresta segue dando bons frutos aos moradores da comunidade e dos entornos. Dona Franklina do Nascimento, moradora da região do Santo Cristo, participa das atividades da Providência Agroecológica e fala sobre a preservação do espaço.
“Eu moro há 40 anos aqui nessa área… A gente tinha que vir mais vezes [para manter limpo], mas a vida é muito corrida, né? Tinha que ter mais plaquinhas para educar os moradores, para manter o ambiente limpo. As vezes que a gente vem, a gente faz a diferença. Tem que ser isso, cada um fazer um pouco. Quando viu, esse pouco virou muito. Eu sou aluna de costura da Alessandra, eu faço parte [do curso de] corte e costura, de costura criativa. Aí, ela fala que [vai ter o mutirão] e a gente vem ajudar com a força.” — Franklina do Nascimento
Daniel Alves soube do evento pela Agenda Coletiva da Rede Favela Sustentável, e veio desde da Ilha do Governador para participar do mutirão.
“Sou da Ilha do Governador, sou nascido e criado na comunidade do Parque Royal e cresci na Baía de Guanabara… Eu tive uma infância na Baía de Guanabara. A memória que eu tive foi pescando camarão, peixe, siri e tendo contato também com outras espécies, como lulas e polvos. Na escola, eu tive educação ambiental e, depois dos anos 2000, veio um grande desastre da Baía de Guanabara, o da REDUC [Refinaria de Duque de Caxias, da Petrobras], um dos maiores [desastres ambientais do Rio]… E aí, eu me formei e comecei a trabalhar com essa questão de sustentabilidade e desenvolvimento humano. Eu aprendi que a gente só tem dignidade quando a gente fala sobre desenvolvimento humano e social, onde a favela e a comunidade se tornam sustentáveis.” — Daniel Alves

O mutirão também contou com a colaboração de Thais Barbosa, agente comunitária de educação ambiental, do Centro de Educação Ambiental da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima; e com o apoio de três agentes da Comlurb, que ajudaram a capinar o mato alto dos lugares de mais difícil acesso da agrofloresta. Thais comentou sobre o papel da agrofloresta da Providência Agroecológica e sobre sua atuação no território.
“[É essencial] conscientizar os moradores de como é importante, para além da limpeza do local, a gente preservar essa área aqui que tem bastante árvore… Às vezes, o pessoal tá numa situação de vulnerabilidade, pobreza, então, a última coisa que ela vai pensar vai ser em limpar ou preservar, não cortar uma árvore… A gente começou há pouco tempo [o trabalho de educação ambiental]… A gente vai fazer isso agora, começar pelo pessoal da Pedra Lisa, que é o pessoal que [passa por] mais vulnerabilidade aqui no morro… A gente vai começar… conversar com eles, fazer algumas hortas na região: uma região muito confinada, carente de árvores. Lá só tem casa, beco… Precisa desse trabalho de ir lá falar com eles antes de fazer as hortas, entendeu?” — Thais Barbosa

Resiliente, o projeto de agrofloresta da Providência segue construindo um espaço verde de respiro na favela, no Centro da cidade. É um dos pontos da região em que moradores podem aproveitar um microclima mais fresco, que só uma área verde proporciona. Há mais de uma década, a Providência Agroecológica segue construindo uma favela sustentável na Região Portuária, na Pequena África, com o apoio de moradores e voluntários. Bem como na Providência, favelas e periferias do Rio, a partir da mobilização coletiva, seguem ocupando os espaços, construindo alternativas sustentáveis e lutando por seus direitos frente à negligência do Estado, que, historicamente, se exime de sua responsabilidade.
Veja o Álbum Completo por Bárbara Dias no Flickr:
*A Rede Favela Sustentável (RFS) e o RioOnWatch são articulados pela organização sem fins lucrativos Comunidades Catalisadoras (ComCat).
Sobre a autora: Bárbara Dias, cria de Bangu, possui licenciatura em Ciências Biológicas, mestrado em Educação Ambiental e atua como professora da rede pública desde 2006. É fotojornalista e trabalha também com fotografia documental. É comunicadora popular formada pelo Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) e co-fundadora do Coletivo Fotoguerrilha.

