
Este artigo faz parte de uma série de perfis de iniciativas integrantes da Rede Favela Sustentável e faz parte de uma série gerada por uma parceria, com o Digital Brazil Project do Centro Behner Stiefel de Estudos Brasileiros da Universidade Estadual de San Diego na Califórnia, para produzir matérias sobre direitos humanos e justiça socioambiental nas favelas cariocas.
Iniciativa: Pedala Queimados
Contato: Facebook; Instagram; WhatsApp: +5521965508094
Ano de Fundação: 2015
Município: Queimados (Baixada Fluminense)
Missão: Promover a transformação social por meio da bicicleta, com foco na criação de oportunidades, especialmente em relação ao trabalho e renda, bem como na promoção da cidadania e redução da desigualdade.
Eventos Públicos: Pedala Queimados realiza atividades frequentes para bebês e suas famílias no bairro Nossa Senhora de Fátima, conhecido como São Miguel, em Queimados, ensinando as crianças a andar de bicicleta. Além disso, eventos especiais como o Festival Bike de Cria ou caminhadas conjuntas e excursões de bicicleta pelo ambiente rural da região, como o Anda Queimados, são abertos ao público. Confira as páginas de mídia social para obter mais informações sobre os próximos eventos.
Como Contribuir: Participe de eventos, divulgue os passeios turísticos oferecidos pelo projeto ou seja voluntário, apoiando a instituição com seu conhecimento ou financeiramente, com doações ou patrocínios contínuos.
O que começou, em 2015, como uma iniciativa para promover o uso da bicicleta como meio de transporte econômico e sustentável, logo se desenvolveu em uma associação que integra várias demandas atuais em Queimados, município da Baixada Fluminense, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Oficialmente registrado em 2019, o Pedala Queimados incentiva e difunde o uso de bicicletas na cidade a fim de promover melhorias na mobilidade sustentável, bem como a transformação social a partir deste meio de transporte.
‘Percebi Que Não Precisava Ficar Refém do Transporte Público’
Quando Carlos Leandro de Oliveira, fundador do Pedala Queimados, chegou a ter que percorrer diariamente 55km de bicicleta até o trabalho, ele repensou sua relação com o deslocamento na cidade e com os modais.
“Eu pego a bicicleta e começo a ir para o Rio, até que eu começo a perceber que não precisava ficar refém do transporte público caso eu não tivesse recurso para me locomover. A bicicleta poderia me levar pra vários lugares, pra qualquer lugar. E, depois de fazer duas ciclo-viagens, uma pra São Paulo e outra entre Minas e Espírito Santo, eu comecei a ver que, se eu pedalo o Brasil inteiro, as pessoas podem pedalar em Queimados, que é um lugar plano, teoricamente confortável pra pedalar. Na verdade, não é tanto porque não tem infraestrutura, mas as pessoas já pedalam aqui, né? Aí comecei a fazer uma mobilização pela bicicleta, [para incentivar] que as pessoas pedalassem aqui.” — Carlos Leandro de Oliveira
O percurso diário de bicicleta compreendia o trecho que partia de Queimados até o Centro do Rio, e foi consequência do atraso no salário de Carlos, que, na época, ainda estagiava. Esse acontecimento o incentivou, em 2015, a criar o Pedala Queimados e buscar promover uma maior conscientização sobre o tema na região, além de liderar importantes projetos no segmento.
Uma das primeiras atividades do projeto foi um seminário realizado em parceria com o Teto Brasil, organização responsável por implementar iniciativas de moradia e habitat em favelas precárias. O encontro, que ocorreu cerca de um ano após a criação do Pedala, teve por objetivo discutir os desafios de se implementar uma política cicloviária na cidade.
Neste mesmo período, entre os anos de 2016 a 2018, o município de Queimados foi marcado por índices de violência que superaram as estatísticas de outras cidades brasileiras. Dados levantados pelo Atlas da Violência apontaram Queimados como o local mais violento do país naquele momento. Motivado a transformar essa realidade, Carlos passou a conferir ao Pedala Queimados uma abordagem cada vez mais profissionalizante.
“Como é que eu ia lutar por mobilidade se as pessoas não tavam conseguindo sobreviver? Ou eu ia ficar ali sozinho, lutando por isso ou, então, mudava o foco e utilizava a bicicleta como instrumento [de transformação] pra sobrevivência daquelas pessoas. Entendendo o que levava as pessoas a sofrerem aquelas violências, à morte… Algumas delas furtavam, muitas roubavam, [faziam] uso de entorpecente [aqui na região]… se o motivo era esse (muitos roubavam porque não tinham trabalho, porque tinham baixa escolaridade), [pensei em propor] usar a bicicleta como ferramenta de capacitação, emprego e renda. A partir daí, saímos com a ideia do projeto ‘Queimados Pedalando para o Futuro: por uma Cidade Mais Humana’.” — Carlos Leandro de Oliveira

A partir dessa intenção, o Pedala Queimados realizou, em 2018, sua primeira oficina de capacitação em montagem de bicicletas, facilitada pelo artesão Klaus Wolkmann, do Art Bike Bamboo, que ensinou 25 pessoas no antigo espaço Portal Cultural, Centro de Queimados, a construir a estrutura de uma bicicleta usando bambu. A formação integrou mulheres, idosos e jovens, além de alguns ex-presidiários, entre outros, gerando oportunidade e visibilidade. Dez bicicletas foram construídas naquele momento e o conhecimento sobre como construí-las permaneceu em Queimados. O montante para este projeto específico foi arrecadado através de uma campanha de financiamento coletivo.
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Falta de Recursos Desafia Sustentabilidade do Projeto
Apesar do potencial da oficina, o alto custo de produção dificultou a continuidade da proposta que visava, justamente, a democratização do acesso à bicicleta em Queimados, evidenciando a questão financeira como uma das maiores barreiras enfrentadas por projetos comunitários de mobilidade sustentável ativa.

Mesmo assim, além das oficinas de bicicleta de bambu, o Pedala Queimados também replicou, em 2018, o projeto da organização Ameciclo, que teve seu pontapé inicial em Recife. Sob o nome Proposta Capital Bicicleta Abandonada (uma das atividades do Programa “Pedalando para o Futuro”, idealizado pelo Pedala Queimados), este novo projeto foi direcionado a conjuntos residenciais do programa Minha Casa, Minha Vida.
O projeto recolheu bicicletas abandonadas em diversas regiões da cidade do Rio de Janeiro para serem consertadas e doadas aos complexos habitacionais construídos pelo Minha Casa, Minha Vida em Queimados para uso coletivo dos moradores. O projeto pretendia viabilizar o acesso a um sistema de bicicletas compartilhadas, além de oferecer aos moradores do território treinamentos sobre mecânica, reparos de bicicleta, e uso consciente deste meio de mobilidade.
“Entendendo que o que levava essas pessoas a sofrerem violência, morte, a furtar, roubar… Se o motivo era porque não tinham trabalho, [porque tinham] baixa escolaridade e um monte de [outras] questões… Vai usar bicicleta como ferramenta de capacitação, de emprego e renda, de trabalho.” — Carlos Leandro de Oliveira

No entanto, a pandemia impactou a conclusão deste projeto, que ficou com as atividades pausadas até a flexibilização das restrições sanitárias. Parte das bicicletas que já tinham sido recolhidas foram furtadas neste período. O material que sobrou foi doado ao projeto de natação infantil Golfinhos da Baixada ou alocado em um galpão do projeto Pedala Queimados. Apesar dos obstáculos, Carlos e seus companheiros perseveraram.

“Não conseguimos fazer a entrega final do projeto. Isso também é ruim, porque, quando a gente chegou lá, mobilizou um monte de pessoas, principalmente crianças e adolescentes e, no final, a gente não conseguiu entregar. Isso mexe com a expectativa deles, né? No momento, a gente tá se inscrevendo para um edital, pra tentar retomar esse projeto em outro território. Escrevemos esse ano para o Bicicleta Brasil e recebemos o selo, mas não conseguimos o prêmio [em dinheiro e nem a aprovação final], que de fato ia permitir isso. Nosso CNPJ foi indeferido por falta de declaração. Isso passa por recurso também, né? Tem que pagar o contador e você não tem recurso, como é que você paga? Nós estamos tentando resolver isso.” — Carlos Leandro de Oliveira
Fora as barreiras já enfrentadas, fatores como a sustentabilidade econômica afetam a continuidade da iniciativa.
“Nenhum modelo de bicicleta compartilhada no Brasil e no mundo se sustenta somente com o custo do usuário [taxa cobrada pelo uso]. Se não tiver uma empresa patrocinando por trás, essa bicicleta não vai rodar. A mesma coisa aqui [em Queimados], porque você tem [que ter] manutenção, as ruas são muito precárias. Botar todo o custo na conta do usuário também não [se] justifica, porque o preço da passagem já é caro e a ideia é reduzir custo. É uma questão [muito desafiadora]. Edital, financiamento, eram caminhos que a gente tava pensando, e isso fez com que a gente pensasse em outras formas de se manter, porque a pandemia escancarou uma realidade enorme, que foi a de como se manter a partir do que a gente faz.” — Carlos Leandro de Oliveira
Durante a pandemia, o Pedala Queimados se reinventou e a bicicleta se mostrou uma peça fundamental na superação dos desafios impostos pela crise sanitária. Coletivos comunitários como Golfinhos da Baixada, Coletivo Mundo Melhor, Associação dos Amigos do Paraíso (AMPARA), Visão Coop, Instituto Professora Marli Esteves, entre outros, se uniram no Movimento União Rio para realizar entrega de cestas básicas e itens de higiene através das bike-entregas. A ação focou em atender municípios da Baixada, como Queimados, Japeri, Nova Iguaçu, São João de Meriti e outros.
Embora tenha conseguido atravessar a pandemia, o Pedala Queimados ainda sente seus efeitos. Poucas bicicletas coletadas chegaram, de fato, aos novos usuários, sobretudo devido à falta de espaço, à falta de recursos para reformá-las e a questões do território.
“Ao longo dos anos [sobretudo depois da pandemia], o Pedala Queimados manteve suas atividades de forma pontual, oferecendo as oficinas das bicicletas de bambu em Queimados. No entanto, a montagem de bikes de bambu tem sido feita com recursos próprios, remanescentes da primeira oficina. O projeto sobrevive contando com recursos pontuais, como serviços prestados por mim, e apoios, sejam financeiros, sejam de materiais. Além disso, a popularização do potencial turístico de Queimados também é afetada pela representação violenta da região. Qual é o contexto em que eles vão falar sobre esse lugar? É o contexto em que as pessoas da capital percebem a Baixada Fluminense como um lugar violento. É o contexto que só as coisas ruins acontecem aqui… Como romper com esse estigma? Como atrair pessoas para virem aqui, valorizar e potencializar esse lugar? É contra esse pano de fundo [que lutamos] por não aceitar o estigma, que é colocado em nós, como se fosse normal.” — Carlos Leandro de Oliveira
O Ecoturismo e o Empreendedorismo Sustentável Sob as Rodas do Pedala Queimados
A partir do início da flexibilização das barreiras sanitárias, o Pedala Queimados começou a oferecer, em 2022, passeios de bicicleta por rotas em meio à natureza de Queimados. Somou-se, assim, ao movimento de ecoturismo na região, promovendo atividades físicas ao ar livre e que respeitavam o distanciamento social ainda exigido naquela fase da pandemia.
Atualmente, o Pedala Queimados oferece caminhadas e passeios coletivos pelas áreas rurais da cidade. Um desses eventos é o Anda Queimados – Caminhada na Natureza, que atrai participantes de todas as idades. As pessoas participam de bicicleta ou a pé, explorando as belezas das áreas rurais de Queimados. Cada participante realiza pequenas contribuições, ajudando a manter esta organização que é autofinanciada. Assim, o Pedala Queimados oferece uma experiência comunitária segura que ajuda a inserir Queimados no mapa das capitais do ecoturismo.

Mesmo com os percalços, em 2022, a Pedala Queimados iniciou um novo recorte de trabalho, através da produção sustentável de sacolas de compras, reutilizando materiais de grandes eventos, como o Shimano Fest, um dos maiores festivais de bike da América Latina, em São Paulo; a competição de surfe Rei e Rainha do Mar e a Meia Maratona do Cristo, ambos realizados na cidade do Rio de Janeiro.
As bolsas são produzidas no modelo que Carlos chama de círculo contínuo ou tripé sustentável. A proposta consistia em receber as lonas utilizadas nestes eventos para transformá-las em bolsas reutilizáveis por pessoas em situação de vulnerabilidade social e moradoras de Queimados. Ao final, as bolsas eram compradas pelos organizadores dos mesmos eventos que cediam o material. Segundo Carlos, esse modelo promove justiça em três pilares: ambiental, econômico e social.
No entanto, a produção foi interrompida há dois meses, quando o galpão, localizado no bairro de Nossa Senhora da Conceição, em Queimados, foi invadido e furtado. O espaço teve toda sua fiação cortada e o maquinário para confecção das bolsas levado, causando vários prejuízos. No momento, o projeto está focado em construir uma campanha de financiamento coletivo para retomar a produção das sacolas.

‘Apontar Para a Mobilidade Ativa Como Prioridade’
Atualmente, a Praça da Paz, localizada no bairro Nossa Senhora de Fátima, em Queimados, é um endereço central para o projeto, servindo também como um espaço comunitário e palco para eventos e festivais. Todos os meses, nesta praça, crianças entre dois e oito anos aprendem a andar de bicicleta com o Pedala Queimados. No espaço, há paredes com grafite, pinturas e escritos, que servem para recordar os valores do bairro e para lembrar quem deixou uma marca no desenvolvimento e na história daquela região. Ocupar esse espaço, no bairro, é visto como uma demonstração de resistência e esperança.
De acordo com Carlos, promover um trabalho social através das bicicletas é fundamental para estimular mudanças em políticas públicas para mobilidade urbana, ainda extremamente deficitárias ou até mesmo inexistentes para regiões periféricas do Grande Rio, como Queimados.
“O poder público coloca recurso pra investimento onde tem carro, né? Mas pra bicicleta quase nenhum. Então, como é que você inverte essa lógica? [Investindo] nas pessoas. Se você for olhar, o maior deslocamento das pessoas em Queimados é a pé e de bicicleta. E qual o investimento que você tem pra esse público? As calçadas todas inacessíveis. As ciclovias que fazem na cidade são na beira do rio, mal feitas, na primeira chuva que passa arrasta tudo, como aconteceu aqui. Então, esse é o grande desafio: apontar para a mobilidade ativa como prioridade no investimento público. É o que diz o Estatuto da Cidade, que é o que o orienta, o que [também] orienta a Política Nacional de Mobilidade Urbana: cidade acima de 20.000 habitantes tem que investir, tem que ter um plano municipal de mobilidade, com a inclusão da bicicleta, com participação social, o que, infelizmente, a gestão pública não faz [em Queimados]. E eu, que numa época fui conselheiro de meio ambiente [no Conselho Municipal da Cidade de Queimados (COMDEMA)], percebi que [nós], os ativistas ambientais, não temos força suficiente pra poder fortalecer esse debate. Até porque, na Câmara dos Vereadores [de Queimados], não tem ninguém batendo essa bola. Todo mundo que tá lá dentro utiliza carro e pensa cidade na ótica do carro. A gente coloca o nosso corpo em risco [caminhando e andando de bicicleta em Queimados. Então,] a gente precisa ocupar esse lugar, precisa mostrar que nosso corpo está ali [e conquistar políticas públicas voltadas à promoção da mobilidade ativa].” — Carlos Leandro de Oliveira
Para mais informações sobre o projeto, como participar, e como ajudar, entre em contato com o Pedala Queimados por meio de suas redes sociais no Instagram, WhatsApp e Facebook.
Sobre a autora: Amanda Baroni Lopes é formada em jornalismo na Unicarioca e foi aluna do 1° Laboratório de Jornalismo do Maré de Notícias. É autora do Guia Antiassédio no Breaking, um manual que explica ao público do Hip Hop sobre o que é ou não assédio e orienta sobre o que fazer nessas situações. Amanda é cria do Morro do Timbau, no Complexo da Maré.
