
Recentemente, o Instituto Papo Reto realizou a semana “Papo Reto Pelo Clima”, no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio de Janeiro, para debater pautas que serão abordadas na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30) e refletir sobre as favelas brasileiras no contexto pós-conferência. Com mediação de Raull Santiago, cofundador e diretor executivo do instituto, o evento reuniu o David Amen, co-fundador do Raízes em Movimento; Dona Josefa Maria, educadora ambiental e agricultora agroecológica da Pedra do Sapo; Urutau Guajajara, cacique da Universidade Pluriétnica Aldeia Maraká’ná; Jurema Werneck, enviada especial da COP30 para igualdade racial e periferias; Marcelle Decothé, diretora de estratégia da Iniciativa Pipa; Ana Toni, diretora executiva da COP30, entre outros participantes da sociedade civil e de favelas.
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Fundado como Coletivo Papo Reto após enchentes e deslizamentos ocorridos no Complexo do Alemão em 2015, o grupo de jovens do Complexo do Alemão dedicou-se, no começo, sobretudo à luta por justiça social e contra a violência policial durante as operações nas favelas—em especial, nos complexos do Alemão e da Penha. Com os impactos das mudanças climáticas cada vez mais evidentes na realidade dos moradores, Raull conta que decidiu “voltar às origens”, promovendo o Papo Reto Pelo Clima no Complexo do Alemão durante a Semana de Ação Climática do Rio de Janeiro (Rio Climate Action Week).
“Nos últimos três, quatro anos desde o meio da pandemia, a gente veio percebendo a importância de também encontrar uma estratégia para debater o clima, para tentar organizar e fortalecer os movimentos e as pessoas aqui dentro do território. Com a… Rio Climate Action Week… a gente pensou a semana de ação Papo Reto pelo Clima…um espaço de encontros para compartilhar projetos existentes, muito focado aqui n[as favelas d]o maciço da Serra da Misericórdia, uma zona de Mata Atlântica.” — Raull Santiago
‘Não Dá para Discutir Solução de Clima sem as Populações Diretamente Afetadas’
Os debates contaram com forte presença de moradores, trazendo suas soluções históricas para o clima no contexto do Complexo do Alemão e além.
“Em 2001, não existia árvore na Avenida Central [no Complexo do Alemão] e isso incomodava a gente. Então, a gente começou a pensar em plantar pequenos canteiros no pé do morro, no Largo da Morte. O nome já é pesado, né? O nome já traz aquela agonia. Então, a gente também queria verdejar, como dizia o Luiz Poeta: ‘Vamos verdejar a Serra da Misericórdia, vamos verdejar o Complexo Alemão!’ Então, a gente pensava em verdejar já a Avenida Central. Com simples mudas pequenas, canteiros, sabe? Para ter um verde, para ter sombra. A gente olha lá de cima, por exemplo, e vê a Cristo Faria com aquelas árvores maravilhosas, aquela sombra maravilhosa, e na Central podia ser a mesma coisa. Então, a gente já começa a pensar essa mudança, essa transformação a partir do território, o que é possível fazer com pouco recurso. A gente estava ali ocupando o espaço que o poder público deveria estar ocupando. A gente estava pensando ações nas quais o poder público deveria obrigatoriamente estar pensando, mas não pensava. Era muito diferente do que é hoje. E era uma luta árdua, sempre foi uma luta árdua, né? Então, o nosso pensamento era trabalhar microáreas para trazer qualidade de vida para aquele território.” — David Amen
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Em seguida, Dona Josefa reconta suas experiências e das soluções que encontra para a melhoria do Complexo do Alemão.
“Comecei como voluntária do Verdejar e, aí, eu comecei a observar que aqui, os cariocas, em geral, gostam muito de fritura. É mais do que de lá em Recife. Não é bom, né? Mas aí, eu fiquei pensando na questão do óleo. Para onde é que vai o óleo? Como é que se descarta esse óleo? E eu comecei a fazer um trabalho de falar com os moradores para eu recolher esse óleo. E eu resolvi fazer um trabalho, porque lá em Recife eu me reuni com minha vizinha e algumas vizinhas, que moravam mais perto, para montar uma cooperativa de reciclagem. Aí, comecei a fazer um trabalho aqui também no Rio. Na pandemia, comecei fazer um trabalho porta-a-porta, igual eu fazia em Recife.” — Josefa Maria
Dona Josefa conta que fez trabalhos muito importantes na comunidade, como ir de porta em porta conscientizando moradores e distribuir cestas básicas.
“Em 2020, montei o ecoponto na Rua Santa Terezinha, logo no início. Quem já subiu na minha rua sabe como era o lixo ali, descia ladeira abaixo. Não tinha nada impedindo que esse lixo descesse e eu sempre pensava assim: ‘por que?’ Me diziam: ‘Ah, não, a senhora não é nada, a senhora não é presidente’, mas eu sou moradora! E eu queria ver o bem da comunidade, limpa e organizada… E aí, montei lá o meu ecoponto. Isso foi no dia 6 de março de 2020.” — Josefa Maria
Outra voz potente foi a de Marcelle Decothé, cria de Parada de Lucas, na Zona Norte, e representante da Iniciativa Pipa. Em sua fala, Marcelle compartilha as dificuldades de acessar recursos no Brasil para combater os efeitos das mudanças climáticas.
“Eu acho que a COP é um evento para os países discutirem, para decisões que vão demorar anos para avançarem, mas são espaços importantes. Acho que na COP você tem um papel político simbólico muito importante. Vi muitas organizações periféricas de clima nos últimos anos focando a sua mobilização para estar na COP. Porque não dá para você falar que você vai fazer uma COP na Amazônia sem as pessoas que moram na Amazônia. Isso não existe. Porque a Amazônia não é só as árvores, né? Existem povos, comunidades, populações. Não dá para discutir sobre bioma Mata Atlântica, sem falar de pessoas que moram no bioma Mata Atlântica… Não dá para discutir solução de clima sem dialogar com as populações que são diretamente afetadas, que tão produzindo ações.” — Marcelle Decothé

Jurema Werneck, médica e liderança internacionalmente conhecida do Movimento Negro no Brasil, cofundadora do Criola, cria do Morro dos Cabritos (Zona Sul) e enviada especial da COP30, participou da última mesa analisando o que esta conferência representa para pessoas negras e de favela.
“O que é a COP para nós? A COP é o momento da gente se reagrupar, da gente rever e atualizar a estratégia. É o momento que a gente acha um jeito de fazer alguma coisa. Essa COP, em particular, tem um horizonte, tem um assombro, né? Tem um fantasma, que é o fim do mundo, né? Porque dizem que o mundo tá acabando, né? Não sei vocês, mas, de onde eu venho, o meu mundo acabou muitas vezes. E vai continuar com o mundo. Eu preciso dizer que, desde a minha perspectiva, esse mundo que existe precisa acabar. Então, a COP, para mim, é esse momento da gente contribuir para o fim do mundo. Para o fim do mundo que mata e que precisa morrer para fazer com que outro mundo nasça.”— Jurema Werneck
A semana do Papo Reto Pelo Clima reafirma o quanto favelas e periferias estão engajadas e atentas, procurando, cada qual à sua maneira, soluções para conter ou diminuir os impactos das mudanças climáticas em seus territórios.
Sobre a autora: Carla Regina Aguiar dos Santos é jornalista comunitária, cria do Morro do Turano, que sempre prioriza o cotidiano das favelas em seu trabalho, mostrando além do que se vê nas mídias tradicionais. Já contribuiu para a Agência de Notícias das Favelas (ANF), A Pública, Portal Eu, Rio! e Terra. Recebeu os prêmios ANF de Jornalismo, na categoria cultura, e o Neuza Maria de Jornalismo.
