Moradores se Mobilizam no Complexo do Caju

“A solução do problema de vocês não vem de fora não!” Proclamou André Constantine diante de um grupo de moradores numa reunião no Complexo do Caju no domingo, 6 de outubro. “A gente está aqui enquanto favelado porque eu sinto a mesma dor que vocês”, continuou o ativista do Favela Não Se Cala. “Estamos aqui em solidariedade com a luta do Caju”. Os membros do Movimento Passe Livre e moradores de outras favelas também participaram da reunião.

A reunião de domingo representa o primeiro passo em “um processo orgânico, apartidário e participativo” de incorporar a mobilização popular já existente no Caju à rede ativista municipal Favela Não Se Cala. André pediu aos moradores para ver os desafios que eles enfrentam no Caju–tais como a poluição grave do ar por causa de fábricas vizinhas, a segregação geográfica devido às rodovias transversais e os equipamentos industriais circundantes, e a ameaça de remoção para a construção de um viaduto ligando duas grandes rodovias–como parte do que ele diz ser o modelo mais amplo de desenvolvimento urbano já em curso no Rio que favorece interesses privados à custa dos pobres da cidade.

Moradores do Caju, localizado no limite norte da Região do Porto do Rio, temem que a comunidade esteja se tornando uma lixeira industrial para o projeto de revitalização do porto da cidade, Porto Maravilha. O Caju já é vítima de estratégias de planejamento urbano excludentes e investimento historicamente baixo nos serviços públicos, tais como saúde e educação. O fardo da revitalização do porto inclui danos ambientais por causa do desenvolvimento industrial e o aumento do trânsito, assim como remoções planejadas para permitir a construção de um viaduto ligando a rodovia Linha Vermelha à ponte Rio-Niterói.

Num comunicado comemorando a chegada recente da UPP no Complexo do Caju em março deste ano, o governador Sérgio Cabral referiu à instalação da UPP como “o renascimento de uma região” e declarou que “a região necessitava da UPP para os moradores e até para o aspecto econômico. A área recolhe cerca de um bilhão em impostos por ano para a prefeitura, por causa das empresas que estão instaladas ali”. No encontro de domingo, moradores do Caju contaram uma história diferente, no qual as melhoras prometidas no saneamento e infraestrutura não foram cumpridas, e no qual a chegada da UPP é o primeiro passo numa série para controlar o povo e consolidar estrategicamente a área num parque industrial.

Myllena Cunha, uma líder jovem e energética da comunidade e aluna na Universidade Federal Fluminense (UFF), contestou as intervenções do governo na região: “Se o bairro tem o menor Índice de Desenvolvimento Humano da cidade,  por que é que fecha escola e hospital?” Ela perguntou. “O movimento deve ser ao contrário. Por que o governo faz invasão de UPP e não faz invasão da escola, de hospital?”

Alexandre Moicano, outro gestor comunitário do Caju, declarou que o viaduto proposto–concebido sem a participação da comunidade e com o início do trabalho previsto para começar a partir de janeiro deste ano–deslocará inevitavelmente os moradores. Ambos ele e André previram que a declaração da prefeitura, que diz que no início somente removerão poucas casas, pode resultar em muito mais remoções no futuro. André explicou que os funcionários municipais usam a tática de negociar com famílias individuais na tentativa de fragmentar a resistência e fazê-la falhar.

Riscos à saude e degradação ambiental ameaçam os moradores das favelas do Caju, que são rodeados por todos os lados por rotas de acesso, estacionamento para caminhões, rodovias, fábricas e o cemitério. “Nenhum projeto considera a qualidade de vida no Caju”, explicou Alexandre, continuando a dizer que a fábrica de asfalto recém-lançado provavelmente viola as regras ambientais dada a proximidade às áreas residencias, e que os níveis de poluição do ar deve ser entre os mais altos no Rio. Embora o diretor do Centro de Saúde do Caju pediu recursos para pesquisar a qualidade do ar na área, Moicano teme que os resultados desta pesquisa seria tão prejudiciais à imagem do prefeito que não serão divulgados. “Há pouco tempo o diretor do posto de saúde  solicitou uma van para fazer a medição da qualidade do ar. Nós não sabemos onde buscar os dados dessa leitura que foi feita”, ele explicou. “A informação não é passada”.

Quase 80 gestores comunitários e moradores estavam presentes na Praça do Campinho na favela de Chatuba para discutir meios de expressar suas queixas e se tornarem protagonistas na luta. A multidão reunida cresceu no decorrer da reunião de duas horas e, quando terminou, até os idosos jogando dominó no canto do pavilhão foram atraídos para a discussão. Discursos inflamados contaram os desafios do Caju ao lado daqueles de diversas favelas em toda a cidade, nos quais os moradores ou estão sendo removidos à força ou estão sendo expulsos como resultado da gentrificação e do aumento dos custos de vida. Durante a reunião, um integrante do Favela Não Se Cala distribuiu panfletos chamados “Manifesto Contra as Remoções”, um documento escrito em linguagem poderosa e acessível que capturou o espírito do movimento.

Myllena explicou os passos tangíveis que Favela Não Se Cala tomará em direção à justiça para os moradores e destacou a experiência do grupo de agregar e articular as lutas de resistência por toda a cidade. Nas próximas semanas, os organizadores pretendem trabalhar com uma equipe técnica que inclui arquitetos para avaliar o impacto de projetos de obras públicas atuais e futuras e advogados para denunciar táticas coercivas usadas pelas autoridades da prefeitura para remover famílias.

As lideranças enfatizaram a importância da participação e da solidariedade comunitária nestas fases iniciais de mobilização. “Vamos trazer arquitetos, engenheiros para ver qual vai ser o impacto do viaduto para vocês, mas não adianta ter esse aparato se vocês não tiverem organização interna”, explicou André. A reunião concluiu com a coleta de assinaturas e informações de contato para a Comissão de Moradores a ser criada em breve e o anúncio da seguinte reunião que será realizado domingo, 20 de outubro, com a equipe técnica.