Veja a matéria original por Jordana Timerman em inglês no CityLab aqui.
As favelas do Rio de Janeiro, atingidas há muitos anos pela pobreza e a violência, tem um novo bicho-papão: a gentrificação. No início, apenas os acadêmicos se preocuparam com a possibilidade da gentrificação das favelas. Aqueles medos, desde então, migrou de ansiosas postagens de blog para cobertura em jornais da grande mídia. Agora, a imprensa internacional está ligada, fazendo reportagens sobre os restaurantes em voga avançando pouco a pouco no território mais comumente considerado como um campo de batalha de gangues.
Por baixo de muitas destas histórias sensacionalistas, há uma verdadeira questão: O que vai acontecer se os cariocas de baixa renda forem obrigados a sair por causa do custo de vida até das favelas?
Theresa Williamson, urbanista da ONG Comunidades Catalisadoras, que trabalha para o empoderamento de favelas, enfatiza que a perda de favelas teria um impacto dramático sobre as funções básicas da cidade. “As favelas do Rio são nosso estoque de habitação a preços acessíveis”, ela diz. “Temos alguns condomínios de baixa renda e outras formas de habitação particular à preço acessível. Temos somente um pouco de moradia pública. Mas não há o suficiente para satisfazer a demanda, e a habitação pública é de qualidade pior do que a maioria das favelas”.
Pesquisadores desde os anos 60 tem argumentado que as favelas, as comunidades informais que abrigam 22% da população do Rio, podem ser uma solução à questão de habitação em vez de um flagelo a ser erradicado, diz Neiva Vieira da Cunha, professora de antropologia na Universidade Estadual do Rio de Janeiro e pesquisadora no Laboratório de Etnografia Metropolitana. A favela, ela conta, “parece ter se tornado uma solução para que milhões de brasileiros possam ter acesso à terra urbana e, portanto, ter o direito à cidade”.
“As favelas do Rio são nosso estoque de habitação a preços acessíveis.”
As implicações da chamada “expulsão branca” podem ser enormes para os 1,4 milhões de moradores das favelas. Nos últimos anos, os preços aumentados em toda a cidade se espalharam até no aluguel e valor de casa no mercado informal. Em locais privilegiados, os preços subiram por quase 50%.
As favelas onde os programas de pacificação diminuíram a violência causada por tráfico e gangues experimentaram a subida do custo de aluguel de até 200%, segundo a pesquisa de da Cunha. Desde 2008, essas políticas também têm levado uma rotação gradual de moradores de favelas, além de uma mudança nos tipos de negócios de varejo disponíveis para atender às necessidades dos recém-chegados e do turismo.
As favelas na desejável Zona Sul da cidade já estão vendo um fluxo pequeno de interesse internacional e especulativo, ao mesmo tempo que os expatriados estão chegando e empresários estão começando a montar casas luxuosas nos morros com vista. De repente, há medo de que o ‘favela chique’ pode deslocar a favela real.
“Com a subida no custo de vida na favela, há a tendência de remover a população original e substituí-la por novos habitantes com renda mais alta, capaz de aguentar aquela nova realidade”, diz da Cunha.
A pesquisa dela sugere que moradores de favelas de longa data estão sendo empurrados para regiões periféricas da cidade, onde estão sendo construídos novos projetos de habitação.
Taxas altas de casa própria nas favelas podem mitigar o deslocamento, mas alguns inquilinos que pagam aluguel estão sendo forçados a relocar por causa dos preços aumentados. E, embora alguns migrantes venderam sua propriedade apreciada na favela para aposentar-se no interior, alguns se acharam incapazes de pagar para mudar de volta depois de descobrir que estavam menos satisfeitos com a vida fora da comunidade da favela.
“Moradores de favelas de longa data estão sendo empurrados para as regiões periféricas da cidade.”
No entanto, os especialistas locais incitam os observadores a tomar distância para olhar mais profundamente. “Podemos ver o fenômeno da gentrificação nas etapas preliminares”, diz Williamson. “A mídia tem representado o processo como se estivesse muito avançado. E não está, e isso não ajuda as comunidades, porque isto sugere que é uma inevitabilidade”.
O que acontecerá vai ter tudo a ver com as decisões políticas acerca dos direitos à propriedade no mercado informal. A constituição brasileira reconhece uma variedade impressionante de direitos, incluindo o direito à moradia e o reconhecimento da função social da terra. Isto significa que as pessoas carentes que se instalaram em terra informal geralmente não são despejadas, e podem eventualmente ganhar algum tipo de título a suas casas. Mas não é claro se os títulos serão reconhecidos uma vez que as casas sejam vendidas para forasteiros ricos. Os especuladores preveem que eles serão declarados admissíveis por políticos ansiosos pela limpeza social destas áreas.
É assim que estas histórias acabaram antes. Mas e se o Rio (selecionado como a principal “Cidade Inteligente” do mundo no mês passado), em vez de fazer isso, aproveitar o que está acontecendo nas favelas como uma oportunidade para criar um modelo de habitação comunitária acessível que eventualmente pode ajudar milhões de pobres urbanos espalhados no mundo?
Williamson identifica muitas características do clássico Novo Urbanismo nas favelas, apesar da pobreza e falta de serviços públicos. Tem moradia acessível e centralizada; uma cultura baseada no pedestre e na bicicleta; proximidade aos empregos; arquitetura de uso misto que pode ser adaptada às necessidades dos moradores; e fortes laços entre a comunidade.
Estas funções essenciais podem ser protegidas, mesmo quando a gentrificação vai adiante? E a educação, saúde e saneamento que os moradores precisam desesperadamente?
Em um nível social, existe uma preocupação da perda potencial de uma cultura única que desenvolveu ao longo de séculos de ocupação informal. Cada favela tem suas tradições e sensibilidades distintas, em muitos casos refletindo uma mistura de onde vem os migrantes e sua trajetória histórica.
Williamson indica as opções que sua organização já esta tratando, variando desde educação financeira para moradores de favelas para que possam evitar que especuladores imobiliários tirem vantagens sobre eles ao debate sobre a posse coletiva de terra. Outras possibilidades incluem a preservação cultural e o desenvolvimento de atividades econômicas, tal como acomodação em casas familiares, que possam ajudar a preservar segmentos essenciais da comunidade em vez de deslocar moradores.
Em última instância, como o Rio responde a estas condições econômicas vai ser crucial em determinar o futuro destes bairros.
Jordana Timerman é um escritora freelance e pesquisadora de políticas públicas urbanas que vive em Buenos Aires.