Há mais de dois anos da implantação da UPP (Unidade de Policia Pacificadora) no morro Santa Marta, Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro. O que melhorou? Aqui apresento uma ótica de quem vive lá.
Já estamos em 2011, e ainda quase nada de melhoria coletiva chegou ao morro do Santa Marta. Sim, medidas paliativas sim, isso chegou e irá chegar sempre. Eu me refiro a mudanças revolucionárias, onde o povo poderá viver de forma igualitária, com mais saúde, moradia digna, alimentação de qualidade. Isso não chegou e vai além da UPP.
Falo além da UPP, porque me lembro de toda a midiática em prol da revolução chamada de UPP. Isso fez até os próprios policiais acreditarem que eles realmente são revolucionários. Certo dia eu conversei com um deles e ele mim afirmou que trouxe melhoria para a favela Santa Marta. Eu em seguida o perguntei se ele poderia fazer uma reforma na minha casa, pois estar com várias infiltrações. Ele ficou sem me responder.
Agora, eu quero tirar a UPP desse texto e falar sobre a nossa vida hoje no morro Santa Marta. O desafio que será para todos os moradores permanecerem neste território de negócios para a especulação imobiliária. Vejo um outro morro Santa Marta, onde moram estudantes de classe media, estrangeiros. Onde há disputa para alugar um barraco de dois metros quadrados pela quantia de R$ 350. Vejo bar se transformando em república, vejo bares tendo que se adaptar à tendência de ser empreendedor. Vejo as marcas excedentes de bebidas alcoólicas nesses bares, em troca de cadeiras e mesas. Vejo também muitos comércios agonizando para resistir à morte, demitindo funcionários e aumentando seus preços.
Cadê a melhoria que falaram tanto na TV Globo e nos outros meios de comunicação? A Globo viveu ineditamente 30 dias aqui no Santa Marta durante o dia para mostrar as melhorias. Mas nunca nos deu voz.
Agora, existe uma melhoria que eu também reconheço: diminuíram as armas nas mãos dos civis e hoje não ouvimos mais tiros a esmo. O número de mortes com armas letais reduziu. Isso é muito bacana e direito nosso, já que no Brasil não vivemos em uma guerra. Porém, sabemos quem bota essas armas nas mãos dos consumistas do tráfico. E não é morador de favela não.
Fiz uma pesquisa e constatei que para nós trabalhadores e moradores das favelas da Zona Sul, para sobreviver só com esses quatro itens: aluguel (R$ 350 mensais), café da manhã (R$ 3,50 por dia, total de R$ 105 em 30 dias), almoço (R$ 7 por dia, total de 210 em 30 dias), jantar (R$ 7 por dia, total de 210 em 30 dias) terá que desembolsar a quantia de: 875,00 reais. Vale lembrar que o salário mínimo é de R$ 530. Eu não incluo comprar leite, gás de cozinha, remédio, roupa, pagar conta de luz, TV a cabo etc.
Até a chegada das Olimpíadas, não sei se estaremos aqui no morro Santa Marta. Hoje, mais do que nunca, temos um custo de vida muito caro. A nossa conta de luz chega com valores aleatórios. No mês passado eu paguei R$ 50, sem ninguém ficar em casa, pois trabalhamos o dia todo fora. Nesse paguei R$ 45. Tenho conhecimento que alguns moradores estão pagando R$ 80, R$100. Cadê a tarifa social?
Sutilmente, estão “higienizando” a favela, sem que a totalidade dos moradores perceba. A mídia pulveriza a mente do trabalhador com o slogan de favela modelo e que temos que agradecer ao santo Sérgio Cabral governador do Rio de Janeiro. O Presidente Lula veio ao morro Santa Marta em setembro de 2010 e propagou que temos que esquecer o nome favela, pois esse já passou e é feio. Mas ninguém comenta a omissão com os moradores do pico do morro, pois lá não chegou absolutamente nada de urbanização. Toda essa transição beneficiou alguém: os enclaves fortificados dos ricos. Esses estão felizes da vida, com o aumento dos seus imóveis, de R$150 mil para R$ 300 mil e R$ 400 mil etc.
Hoje não podemos realizar o baile funk no morro, mas os blocos de fora do morro, fazem seus eventos aqui e rola mais do que um baile funk. A UPP também fazem suas festas, e não tem nenhum problema.
Faço uma convocação para todos os trabalhadores que querem residir nas favelas, principalmente da Zona Sul. Vamos nos organizar porque as remoções vão vir e toda nossa historia irá virar mais um livro para sociólogos e pesquisadores que não moram em favelas.
Rapper Fiell é coordenador do Coletivo de Hip-hop VISÃO DA FAVELA BRASIL e morador do morro Santa Marta.
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