Coletivo de Justiça Negra Discute Sistema Jurídico e Raça no Brasil

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Na terça-feira, 21 de julho, a Caixa de Assistência dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro (CAARJ) sediou a primeira mesa, de uma série de diálogos, organizado pelo Coletivo Justiça Negra-Luiz Gama que discutiu o racismo, segurança pública e ação afirmativa no Brasil. Mais de 80 pessoas participaram do evento, muitos dos quais eram jovens advogados que fazem parte de um coletivo que oferece aulas de inglês e capacitação profissional para jovens negros imergirem na área jurídica.

A mesa incluiu o ex-Secretário de Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro e atual professor da UERJJorge da Silva, o ativista, intelectual e jornalista Carlos Alberto Medeiros, e a advogada e coordenadora do coletivo do curso preparatório para carreiras jurídicas, Giovana Mariano de Jesus. Bruno Cândido Alves, advogado e diretor-geral da JNLG, moderou a mesa.

Um representante da CAARJ, Renan Aguiar, abriu o evento e saudou os jovens advogados presentes no auditório. O vice-diretor do coletivo, Jamile Sepol, introduziu o JNLG e seu trabalho: “O objetivo do nosso coletivo é promover o empoderamento econômico e intelectual da juventude negra em especial. A ação deste projeto, Diálogos, é contribuir para a emancipação intelectual de jovens negros e negras através de formação política com ênfase nas questões raciais”.

Jamile Sepol passou a traçar paralelos entre a abolição da escravatura em 1888 e a adoção da Constituição democrática de 1988, através da leitura de um samba bem conhecido da Escola de Samba da Mangueira: “100 Anos de liberdade, realidade ou ilusão”. O samba questiona se no cotidiano as condições sociais dos negros no Brasil mudaram após a emancipação, e Jamile Sepol alega que as vitórias legais, implementadas na constituição e as ações afirmativas ainda não conduziram a uma igualdade racial no Brasil.

Em seguida, Bruno Cândido Alves apresentou os palestrantes. Giovana Mariano de Jesus fez a primeira apresentação sobre o homônimo do coletivo, Luiz Gama. Gama nasceu em 1830 filho de Luísa Mahin, uma mulher negra livre e abolicionista. Porém, aos dez anos de idade foi vendido como escravo por seu pai branco, depois que sua mãe fugiu para o Rio de Janeiro, após a Revolta dos Malês em 1835. Gama aprendeu a ler e escrever, garantiu a sua própria liberdade, ingressou na Marinha, e frequentou como ouvinte a Escola de Direito do Largo de São Francisco em São Paulo. Ele se tornou um Rábula, um tipo de advogado semi-profissional que exerce a profissão sem um diploma universitário, e, ao longo da vida, trabalhou para libertarmais de 500 escravos.

Gama morreu em 1882, seis anos antes da abolição da escravatura, e Giovana Mariano de Jesus usou sua história para destacar a necessidade de mais negros no direito e também para enfatizar que os ativistas podem não ver a mudança para qual eles trabalham tão arduamente. Ela encerrou a palestra com a cena final do filme Selma, implorando ao público que “existe um solo, e esse solo foi semeado e nós hoje estamos coletando os frutos, mas ainda tem terra para ser semeada, e nós podemos lançar sementes. E alguns de nós iremos colher o fruto que nós cultivamos e outros não. Outras pessoas colherão, mas não deixem de semear”.

Após a palestra de Giovana Mariano de Jesus, o moderador Bruno Cândido pediu ao coletivo para abordar as interseções entre o racismo e o sexismo. Ele observou que o xará do coletivo é um homem, mas o símbolo do grupo é uma imagem de uma figura feminina negra da justiça com a balança.

Jorge da Silva prosseguiu, retirando uma boa parte de sua palestra do seu livro, 120 Anos de Abolição, cujo o contexto é a segurança pública, com foco no racismo estrutural: “Uma coisa é o chamado racismo individual, sofrido por mim, por ele, por um judeu, por um índio, por uma mulher, por um homossexual. Outra coisa é a discriminação individual, que é importante também, mas nós devemos nos preocupar mais com o racismo institucional que é estrutural. Porque o racismo estrutural é quase impossível de se perceber”. Ele comentou, jocosamente, sobre os numerososescândalos de corrupção no Brasil para frisar a persistência do racismo estrutural, uma vez que quase todos os envolvidos neles são brancos.

Jorge da Silva voltou a um tom sério e motivacional: “Esta questão [do racismo] é uma questão política, esta questão não é jurídica. Porque as leis e a prática do sistema são construções humanas, são construções das pessoas que têm poder, e raramente tem pessoas negras nestes lugares para construir a lei e praticar a lei”.

Carlos Alberto Medeiros, o último orador, também abordou a diferença entre a lei e a prática, comparando as histórias sócio-raciais dos EUA e do Brasil. Um tema central da fala de Carlos Alberto Medeiros foi o falso caminho, no qual o Brasil tentou imaginar-se como uma democracia racial em contraste com o “paradigma da discriminação” que descreveu os EUA durante o século 20. Enquanto os negros eram legalmente obrigados a abandonar os seus lugares de ônibus para os passageiros brancos pela lei Jim Crow no sul dos EUA, as pressões sociais, em grande parte do Brasil, esperavam que os negros fizessem a mesma coisa, uma vez que “as leis são muitas vezes meramente costumes sancionados pelo Estado”.

De acordo com Carlos Alberto Medeiros, a ideia do Brasil como uma democracia racial serviu para preservar a própria forma de supremacia branca do Brasil. “Essa ideia foi extremamente prejudicial porque de uma certa forma constituiu o aval para a continuidade da prática da discriminação. É muito simples: se nós não temos discriminação racial, se um branco racista discrimina um negro ele não está cometendo discriminação racial porque isso não existe no Brasil. Desta forma, uma coisa que não existe não deve ser combatida”.

Carlos Alberto Medeiros usou o exemplo de assassinatos cometidos pela polícia para frisar este ponto. Enquanto o movimento Black Lives Matter surgiu nos EUA para condenar os preconceitos raciais da polícia e estão exercendo pressão política a nível nacional, a mídia e os políticos brasileiros têm ignorado o que aAnistia Internacional, os grupos locais, e um recente inquérito do Congresso chamaram de um genocídio contra jovens negros brasileiros.

A mesa terminou com os membros do coletivo indo para frente da mesa, recebendo os aplausos do público. Os jovens advogados ficaram na frente de seus professores e mentores que por sua vez se mostravam prontos para orientar a próxima geração de líderes na luta contra o racismo no Brasil.