Redes Sociais Reagem a Brutal Estupro Coletivo de Adolescente em Santa Cruz

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O estupro brutal de uma menina de 16 anos por 33 homens em uma favela em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio de Janeiro tem gerado horror generalizado e indignação. Vídeos e fotos do calvário da menina foram publicados e compartilhados mais de 500 vezes no Twitter com comentários comemorando o ataque antes que as contas foram suspensas. O Ministério Público do Rio recebeu mais de 800 queixas após a publicação do vídeo na quarta-feira de manhã. A polícia está investigando o caso. Quatro dos atacantes foram identificados.

O crime e a partilha do vídeo provocaram reações intensas de organizações pelos direitos das mulheres e comentaristas nas redes sociais. A entidade ONU Mulheres do Brasil publicou uma declaração pedindo uma investigação completa e apoio à vítima e chamou a atenção para novas violações que são cometidas ao publicar e partilhar materiais que documentam o crime: “A revitimização acontece pela exposição social da vítima e dos crimes, incluindo imagens e vídeos em redes sociais e demais meios de comunicação, em ações de violação do respeito e da dignidade das vítimas, entre eles a falta de privacidade, a culpabilização e os julgamentos morais baseados em preconceitos e discriminações sexistas”. O comunicado conclui: “A ONU Mulheres pede tolerância zero a todas as formas de violência contra as mulheres e a sua banalização”.

Ilustração por Ribs

A OAB-RJ publicou uma declaração afirmando que estava oferecendo apoio jurídico à vítima e chamando o crime de um ato de “barbárie”, que “demonstra, lamentavelmente, a cultura machista que ainda existe, em pleno Século 21”. A nota convida a sociedade a expressar sua “revolta e mobilização” e a combater o machismo cotidiano que permite a violência sexual.

Estes sentimentos ecoaram em todas as mídias sociais com centenas expressando seu horror e indignação com as hashtags #EstuproColetivo, #Estupro e #UmDiaSemEstupro se espalhando no Twitter na quinta-feira. Comentários expressavam solidariedade com a vítima, chamando atenção para a predominante culpabilização da vítima, exigindo justiça e total apoio para a vítima e pedindo um fim à cultura de estupro.

"16 anos, mas já tem filho...", "Parece que tava drogada...", "também, com essas roupas...", "Mereceu!" Ilustração po Vitor Teixeira.

Usuários das redes sociais denunciaram aqueles que assistiram e compartilharam os vídeos e imagens que documentam o crime. A repórter do canal SBT, Juliana Maciel, tuitou: “Quem divulga as imagens é tão criminoso quanto os estupradores”, acrescentando, “isso vale para nós, jornalistas, também”.

Muitos reagiram fortemente aos relatos do ataque, afirmando que tal violência sexual é um ataque a todas as mulheres. A blogueira de São Paulo, Daniele Polis, tuitou: “Não importa se é uma familiar, amiga ou completa desconhecida. Se você é mulher, tem que saber que essa luta também é sua”.

Em um artigo comovente e amplamente compartilhado publicado no Bhaz, a colunista Luara Colpa expressa solidariedade com a vítima e pediu para que todos denunciem os crimes: “Que cada uma de nós seja porta voz do ocorrido. Se a grande mídia não denuncia a violência contra a mulher periférica, que nossas mãos sejam denúncia”.

Ilustração por Ribs

Muitos comentaristas publicaram reflexões sobre como o combate à violência sexual exige que os homens se recusem ativamente a participar com cumplicidade ao machismo cotidiano. O fotógrafo e produtor cultural JV Santos do coletivo cultural Norte Comum publicou no Facebook:

“Queria dar um papo direto e reto para os caras que eu conheço, e quem é pra ouvir esse papo tá ligado. As fotos e vídeos que vocês compartilham no grupo do zap depois de terem transado com as minas, as piadas, os apelidos, a explanação da intimidade da mina na rodinha dos camaradas, os xingamentos no trânsito, as gracinhas que fala pra elas quando passam na rua, as porradas por conta de ciúmes, enfim, toda a violência e utilitarismo que nós homens fazemos do corpo feminino, não é menor. Tudo faz parte do mesmo fluxo de relações abusivas com as mulheres, que herdamos e, na maioria das vezes, não fazemos questão de nos questionar.

É de extrema importância que troquemos ideia sobre isso em todos os espaços. Chama aquele camarada que tu gosta, mas que tu sabe que é violento e não respeita as minas, seja ela namorada, amiga, irmã, ou mãe, e dá um papo reto nele. Mostra a notícia desse e de todos os outros estupros e violências que acontecem todos os dias, propõe alteridade, mesmo que isso seja extremamente utópico. Já passou da hora dos homens conversarem sobre violência contra mulheres com a mesma vontade que troca ideia sobre futebol.”

A brutalidade e natureza chocante do crime levou muitos a marcar os autores como “monstros”. No entanto, alguns criticaram essa reação e apontaram para os perigos de considerar os atacantes como “outros”. A antropóloga Patrícia Lanes publicou no Facebook:

Não foram ‘monstros’, nem ‘doentes’. Foram homens achando que tinham o direito de violar, abusar, violentar o corpo de uma mulher. E, não esqueçamos, além dos 30 estupradores, foram centenas, provavelmente milhares de pessoas (não só homens) que compartilharam imagens da moça desacordada sofrendo mais violência após o estupro coletivo. Sabe pq eu estou falando isso? Pq se continuarmos achando que são ‘os outros’ que fazem isso, nada muda. ‘Nós’ fizemos. Todo mundo que se omite diante de uma violência, que ri junto de piada machista, que recebe fotos/videos pelo whatsapp sem autorização da pessoa e não fala nada, que trata toda mulher que não é sua parente como puta, vadia… Todo mundo conivente. E, coleguinhas homens, sim, a responsabilidade de vcs nessa bagaça é maior do que a nossa. Sinceramente, o que vcs têm feito pra mudar as relações de gênero? Tem muita coisa a ser feita. E dizer como o movimento feminista deveria ser não é uma delas. Por favor, conversem entre vcs, convençam os amigos, não riam das piadas, nem compartilhem os vídeos. Melhorem, por favor, melhorem.

De acordo com dados do Relatório de Segurança Pública de 2014, um estupro é cometido a cada 11 minutos no Brasil. Os números do mesmo ano afirmam que 90,2% das mulheres brasileiras temem ser vítima de violência sexual. 47,646 estupros foram relatados em 2014. Estima-se que apenas 35% dos estupros no Brasil sejam relatados.

Um protesto intitulado “NÃO ao Estupro!” foi organizado para hoje, sexta-feira 27 de maio, às 18:00 do lado de fora da Assembléia Legislativa do Estado do Rio (Alerj). A descrição do evento no Facebook convida os participantes: “Vamos para a porta da Alerj, de forma simbólica e pacífica, reclamar investigação, punição, compromisso com a dignidade da mulher nessa sociedade! Na sociedade que vivemos!”