“Quando você está brigando por moradia e por tudo que é mais básico, como segurança e saúde pública, as árvores ficam em segundo plano. Ao falar com a Prefeitura sobre essas árvores… acabei deixando por último, e eu me senti de certa forma mal. Eu não deveria me sentir mal protestando pelas árvores, as árvores deveriam vir primeiro… O oxigênio é a primeira necessidade, sem ele não existe nada”. – Delmo Oliveira, morador da Vila Autódromo
Depois de mais de cinco longos anos lutando contra a remoção devido aos Jogos Olímpicos, a comunidade da Vila Autódromo, vizinha da principal instalação das Olimpíadas Rio 2016 na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, se esforça para manter o pouco que resta da comunidade. Da outrora comunidade pacífica com 700 famílias, apenas 20 permaneceram, e negociaram com a Prefeitura para continuar vivendo no local, em casas recém-construídas. Os moradores ainda se preocupam com o meio ambiente da comunidade, em especial as árvores remanescentes, algumas que estavam lá muito antes dos moradores chegarem ao local, há 40 anos. De acordo com Natalia Silva, criada na Vila Autódromo, já havia uma quantidade de árvores nativas na Vila Autódromo antes dos moradores chegarem, incluindo a espécie protegida Pau-Brasil.
Hoje, assim como as casas da comunidade, muitas das árvores restantes na Vila Autódromo foram marcadas e agora estão sendo derrubadas. Quando os moradores perguntam por que, recebem respostas incertas dos representantes da prefeitura designados para marcá-las, que dissem não saber a razão.
Durante as fases de demolição das casas na Vila Autódromo e das negociações da Prefeitura com os moradores, muitos foram forçados a ir embora, e as fronteiras da comunidade diminuíram. No processo, a comunidade viu o número de árvores reduzir-se significativamente. “Eu só posso dar uma estimativa”, disse Natália. “Com certeza, eles conseguiram tirar mais de 500 árvores… A Prefeitura conseguiu uma licença para cortar de uma só vez 300 e poucas árvores e depois outra licenças para mais de 100”.
A Importância das árvores nas comunidades
As árvores são uma parte essencial do ambiente natural e humano. Elas fornecem serviços ecossistêmicos em uma ampla escala, incluindo a purificação da água e a redução de CO2 atmosférico, atuando como um amortecedor natural das alterações climáticas. As árvores também desempenham um papel importante em um nível local. Suas raízes estabilizam o solo, prevenindo deslizamentos, e atuam no controle do clima local. A falta de árvores contribui para um fenômeno conhecido como ilhas de calor, que tende a ocorrer em áreas urbanas menos assistidas e onde há menos árvores do que em áreas mais abastadas. Além disso, as raízes das árvores podem ser usadas para o tratamento de esgoto em biossistemas eco-amigáveis. Árvores fornecem alimento e podem desempenhar um papel em cerimônias religiosas, como as árvores da prática do Candomblé de Heloisa Helena, na Vila Autódromo.
Delmo Oliveira viveu na Vila Autódromo por 26 anos e é um autodidata em biologia vegetal e ecologia. Ele procurou ativamente criar um ecossistema natural positivo para sua comunidade, mas agora tem visto muitas das 7600 mudas que plantou com seu filho ao longo das fronteiras da comunidade e regiões vizinhas serem derrubadas. Elas foram plantadas para assegurar que os moradores tivessem o conforto de andar até o ponto de ônibus na sombra. Levando quase três anos para finalizar duas ruas cheias de árvores para ter sombra, Delmo disse ter sido um processo fácil, que eles fizeram ao longo do tempo, coletando sementes, cavando buracos e plantando-as. “Nos finais de semana, nós íamos trabalhar (plantando árvores) antes de ir para a cachoeira como um incentivo”, ele acrescentou.
Delmo afirma a necessidade básica das árvores para a vida: “A gente não vive sem oxigênio. Então essa é uma preocupação para tudo na vida. Como você poderá criar uma nova geração se não tiver as árvores? O oxigênio é a primeira necessidade, sem ele não existe nada”.
Delmo enfatiza que a Vila Autódromo tem vida e árvores em abundância, mas a prefeitura está “gastando, queimando, arrancando” as árvores e, por sua vez, destruindo estes recursos.
O legado olímpico e a promessa de plantar 24 milhões de árvores
Uma das promessas mais notáveis das Olimpíadas Rio 2016 era plantar mais de 24 milhões de árvores, destinadas a compensar as emissões de gás carbônico relacionadas aos Jogos. Em setembro de 2014, Carlos Minc, Secretário Estadual de Meio Ambiente, aumentou esse número para 34 milhões de árvores a serem plantadas até o fim de 2015, além da criação de 5000 empregos no setor agrícola e a abertura de viveiros florestais por todo o Estado do Rio de Janeiro. Eles criaram um contador de árvores que, em 2014, indicava que 5 milhões de árvores tinham sido plantadas, mas o link não existe mais.
O Plano de Gestão da Sustentabilidade dos Jogos Rio 2016 afirma que as iniciativas de sustentabilidade seriam o principal instrumento para compensar as emissões de carbono residual. O Plano inclui projetos na área da Barra da Tijuca, como “reflorestamento de áreas degradadas” e “recuperação ecológica e funcional do sistema lagunar de Jacarepaguá” com “reflorestamento de mangue da faixa lindeira da lagoa”. Não há nenhuma menção à existência da Vila Autódromo no Plano. Além disso, o documento recorre ao uso de espécies nativas para paisagismo e reflorestamento das áreas degradadas, usando espécies nativas incluídas na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN.
O Plano lista iniciativas específicas, tais como o programa Rio Capital Verde–uma continuação de um programa já existente, chamado Programa Mutirão Reflorestamento–que usa subcontratados para plantar espécies da Mata Atlântica nas encostas do Rio de Janeiro e criar capacidade de reflorestamento futuro, incluindo a construção de novos viveiros de mudas na Colônia Juliano Moreira. O projeto foi planejado para reflorestar 1600 hectares até 2016. Em 2011, o Programa Mutirão Reflorestamento já havia plantado 5.250.000 mudas, abrangendo 2.509 hectares, provavelmente o número contabilizado no agora deletado site de contagem de árvores.
Porém, em março de 2015, a Prefeitura anunciou que as 24 milhões de árvores não seriam plantadas e a Lagoa de Jacarepaguá não seria limpa para o início dos Jogos, declarando que não teria tempo suficiente para limpar a lagoa. O Secretário de Meio Ambiente Carlos Minc disse que a promessa feita não contava, já que “não havia referência confiável da pegada de carbono dos Jogos”.
Em março de 2016, os contratos para a limpeza da Bacia de Jacarepaguá, incluindo a lagoa e os rios do entorno, foram oficialmente cancelados, significando que nenhum dos projetos ambientais prometidos na candidatura olímpica serão concluídos, incluindo a limpeza da Baía de Guanabara.
Delmo relembra as promessas de legado ambiental dos Jogos Pan-Americanos, em 2007: “[A Prefeitura] plantou realmente árvores na avenida, mas então acontece um megaevento como as Olimpíadas e arrancam tudo”. O mais notável na região, ele diz, foram as árvores derrubadas ao longo da Estrada dos Bandeirantes–a estrada mais povoada de árvores de Jacarepaguá–para alargar a estrada para o BRT Transcarioca, via que faz parte do legado Olímpico de transportes. “O ‘progresso’ destrói essas coisas [naturais]”, Delmo acrescenta.
O legado ambiental na Vila Autódromo e além
O plano de urbanização da Prefeitura para a Vila Autódromo inclui várias árvores nas ruas planejadas. Entretanto, os moradores argumentam que essas árvores são para fins estéticos, não para o meio ambiente e as espécies que habitam a área. As áreas verdes serão criadas por paisagistas, não biólogos ou os que estão familiarizados com o ambiente local. Delmo argumenta “Você tem que observar a região por muitos anos para ser bem sucedido no reflorestamento dessa área”.
Além das promessas públicas, algumas iniciativas ambientais de cunho sem fins lucrativos inspiradas pelos Jogos estão avançando. O World Land Trust, em parceria com a Reserva Ecológica de Guapiaçu (REGUA), está atualmente angariando fundos para a aquisição de um Fundo de Posse Coletiva chamado Olympic Forest Reserve (Reserva Florestal Olímpica), uma parcela da Mata Atlântica no Estado do Rio de Janeiro.
Além disso, o Plano de Resiliência da Prefeitura para 2017-2020, o Rio Resiliente, criado e publicado como parte da iniciativa 100 Cidades Resilientes, da Fundação Rockfeller, traça planos para plantar 50.000 árvores em praças públicas, em grande parte nas Zonas Norte e Oeste da cidade, de modo que “a maioria da população tenha acesso a uma área verde a 15 minutos de casa”. O Plano também descreve uma iniciativa de R$127 milhões para reflorestar e proteger a Mata Atlântica da cidade. Contudo, se essas idéias ambiciosas serão traduzidas em ação ou continuarão meramente como planos anunciados para um público internacional, resta esperar para ver.
Todavia, como Delmo insiste, a questão é de necessidade básica e urgência. Ele diz: “O ser humano não pode esquecer o meio ambiente, o oxigênio e os valores que temos. As árvores têm que vir antes de tudo. Isto é muito importante. Nossa clima está mudando muito por causa dessa falta de respeito com o meio ambiente”.