Leia a matéria original por Laurence Halsted em inglês no The Guardian aqui. O RioOnWatch traduz matérias do inglês para que brasileiros possam ter acesso e acompanhar temas ou análises cobertos fora do país que nem sempre são cobertos no Brasil.
Competir nas Olimpíadas apenas fortaleceu minha opinião de que os atletas devem se engajar em questões críticas da atualidade como figuras de destaque para mudanças.
Por ter sido um esgrimista da equipe da Grã-Bretanha–na minha cidade natal–nos Jogos em Londres em 2012 e por ser parte dos convocados para o Rio neste ano, eu tenho dedicado toda minha vida a atingir o objetivo de competir nas Olimpíadas. Mas eu me sinto dividido com protestos que estão acontecendo no Brasil enquanto me preparo para os Jogos do Rio.
Seria uma irresponsabilidade não notar os protestos no Rio, devido ao fato de sediar os Jogos Olímpicos enquanto a saúde e o bem estar social do carioca sofrem todos os dias. Se eu fosse brasileiro, eu estaria nas ruas também. Como um atleta orgulhoso de representar meu país nos Jogos, eu fui forçado a lidar com o fato de que os Jogos Olímpicos trazem efeitos colaterais negativos para o país sede. O silêncio frente a tal injustiça poderia ser erroneamente interpretada como uma aprovação de forma implícita.
Controvérsias têm perseguido os anfitriões dos últimos Jogos. Basta olhar para o alto custo e o subsequente abandono da infraestrutura em Atenas, os terríveis problemas de direitos humanos em Pequim e a ultrapassagem massiva do orçamento original em Londres em um momento de crise econômica. Faltando cinco meses para os Jogos do Rio, o Brasil está lutando em um contexto de recessão brutal para se preparar para o maior evento esportivo do mundo. Tenho certeza de que os Jogos serão fantásticos para a maioria, mas a que custo para a comunidade anfitriã?
Como um atleta olímpico, tenho uma grande preocupação com o futuro dos Jogos. O atual modelo de organização das Olimpíadas, de forma cada vez mais extravagante, é insustentável e não pode em sã consciência continuar. Há muito que pode vir a ser feito, mas, principalmente, eu pergunto: “Devemos nós, como atletas, assumir um posicionamento?”
Os atletas, historicamente, não têm sido louvados por expressarem suas opiniões sociopolíticas. Talvez o caso mais proeminente tenha sido o de Tommie Smith e John Carlos, que nos Jogos Olímpicos de 1968 foram difamados e mandados de volta para casa pelo ato desafiador de erguerem seus punhos fechados com luvas pretas no pódio, a fim de salientar a desigualdade e o racismo pelo mundo. Até mesmo Peter Norman, o terceiro homem no pódio naquele dia, foi condenado em seu país, Austrália, por se mostrar solidário à causa ao usar um adesivo do Projeto Olímpico para Direitos Humanos.
Muitos de vocês devem estar a murmurar “Ah, calem a boca e joguem”. Eu noto que o consenso geral é de que ninguém se preocupa em escutar a posição dos atletas em questões políticas. Podemos deixar o campo da polêmica para os políticos, jornalistas e acadêmicos. Mas há um entendimento crescente de que as mudanças que precisamos implementar em nossa sociedade para evitar níveis Orwellianos de desigualdade e de destruição do nosso planeta requerem níveis cada vez maiores de responsabilidade individual. Naomi Klein escreve em seu ultimo livro “This Changes Everything” (Isso Muda Tudo) que em tempos de crises extremas (as duas Guerras Mundiais ou a Crise de 1929, por exemplo) a linha entre os ativistas e as pessoas comuns é tênue. “O projeto de transformar a sociedade estava profundamente relacionado ao projeto de vida. Ativistas eram simplesmente todo mundo”, ela escreve.
Nós estamos começando a ver esse conceito de manifestação ao nosso redor. Um exemplo claro foi na última cerimônia do Oscar, quando Leonardo DiCaprio e seus colegas fizeram uso do valioso recurso de uma plataforma global em defesa de suas convicções pessoais sobre as mudanças mais urgentes. Na esfera Olímpica, antes das Olimpíadas de Inverno de Sochi em 2014, um grupo de atletas olímpicos liderado pelo esquiador americano Andy Newell assinou uma carta aberta endereçada aos líderes mundiais contra as mudanças climáticas.
Existem, no entanto, obstáculos que impedem que atletas abracem plenamente as responsabilidades de serem exemplos a ser seguidos. Além do desdém do público em geral, pelo fato dos atletas se afastarem de sua competência habitual, os contratos muitas vezes restringem e especificam o que os atletas podem falar e fazer em público. Considerando as potenciais consequências de atletas divergentes, não é difícil perceber porque é mais fácil para muitos clubes e organizações governamentais simplesmente limitar o âmbito da interação dos atletas com o público.
A alegação comum é que isso também os protege de se tornarem porta-vozes de uma questão política particular que acabe por distraí-los de sua principal tarefa: ganhar medalhas.
Entretanto, um interesse apaixonado fora do esporte pode ser uma poderosa fonte de força. Pessoalmente, eu descobri que focar em outras áreas da vida me ajudou a perceber que, de certa forma, eu não sou afetado pelo fato de eu ganhar ou perder o jogo. Isso me dá uma confiança sólida e fundamental que me incentiva a ter o melhor desempenho.
Eu posso entender porque existem cláusulas contratuais que inibem os atletas de usarem as duas semanas dos Jogos Olímpicos como uma plataforma para a sua própria agenda política. As Olimpíadas são uma oportunidade rara para o mundo se unir e celebrar o espetáculo da performance humana no estado natural, deixando a política de lado. Mesmo assumindo que todos estamos de acordo em manter essas duas semanas livre da grandiloquência política, ainda há 206 semanas entre as Olimpíadas nas quais os atletas poderiam expressar suas opiniões.
Os Jogos Olímpicos são realizados em honra aos atletas e se existem preocupações justificáveis frente a forma como os Jogos são organizados ou sediados, então os atletas são aqueles que deveriam manifestar suas preocupações em primeiro lugar. Essa é a nossa área escolhida e é aí onde nossas vozes devem ter maior influência. Atletas olímpicos falando sobre as Olimpíadas é algo básico; eles têm o direito de serem ouvidos. Certamente então deveria o jogador de futebol falar contra a corrupção no mais alto nível do seu esporte? Mas o que dizer sobre o herói esportivo nacional que quer influenciar a legislação a respeito da saúde no seu país, assim como Jamie Oliver em relação ao imposto do açúcar? E sobre uma snowboarder olímpica que fala contra as companhias petrolíferas devido o papel que elas exercem no aquecimento global, tornando cada vez mais difícil para ela praticar seu esporte?
Minha resposta a essas hipóteses é sim, sim e com certeza, por que não? Porque como uma sociedade, nós precisamos de todas as vozes que pudermos para questionar sobre as questões sociais e ambientais que estão ameaçando nosso futuro e precisamos de todos os discursos vivos, gestos ousados e figuras inspiradoras que pudermos encontrar.
É hora dos atletas abraçarem esse novo paradigma e começarem a falar sem medo da zombaria.