Complexo da Penha É Palco da 1ª Conferência Internacional de Favelas: Propostas Serão Levadas à Cúpula do G20, em Novembro

Foto com representantes e participantes do 1ª Conferência Internacional de Favelas (CIF20), na sede da Central Única das Favelas (CUFA) do Complexo da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro. Foto: Amanda Baroni
Foto com representantes e participantes do 1ª Conferência Internacional de Favelas (CIF20), na sede da Central Única das Favelas (CUFA) do Complexo da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro. Foto: Amanda Baroni

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Na última segunda-feira, 29, foi realizada a 1ª Conferência Internacional de Favelas (CIF20), na sede da Central Única das Favelas (CUFA) no Complexo da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro. A iniciativa é composta pela CUFA, Frente Nacional Antirracista (FNA) e Frente Parlamentar das Favelas e visa reunir as demandas das favelas do Brasil e de outros 40 países. As propostas serão endereçadas à Cúpula do G20, que será realizada no Rio de Janeiro em novembro de 2024, com a presença de diversos líderes mundiais. A CIF 20 é realizada em parceria com a Unesco e tem a chancela do G20 Social.

1ª Conferência Internacional de Favelas (CIF20), na sede da Central Única das Favelas (CUFA) do Complexo da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro. Foto: CUFA
1ª Conferência Internacional de Favelas (CIF20), na sede da Central Única das Favelas (CUFA) do Complexo da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro. Foto: CUFA

Estiveram presentes na abertura da conferência representantes das favelas, de entidades estaduais, municipais e de organizações da sociedade civil. Dentre eles: Ivanir dos Santos, professor, doutor e babalawô; Andrea Martins, integrante da Associação Terra da Benção na Favela do Chapadão; Bruno Batista, CEO da Trace Brasil; membros da Frente Favela Brasil; Henrique Silveira, do Instituto Pereira Passos (IPP) da Prefeitura do Rio; George Patiño, jornalista e assistente de comunicação da Unesco; Diego Zeidan, da secretário da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico Solidário; Karol Mendez e Carol Felix, da Secretaria do Estado da Mulher; Jéssica Ohana, assessora especial do Gabinete do Governador; Ruth Jurberg, Secretaria do Estado da Casa Civil e do Programa Cidade Integrada; Allan Borges, Executivo da CEDAE; o Desembargador Siro Darlan; Raul Ruan, assessor da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado; Aline Gomes e Ronald Pessanha, da TV Globo.

A cerimônia foi iniciada pelo presidente nacional da CUFA, Preto Zezé, e teve como acompanhantes na sessão de abertura: Elaine Caccavo, vice-presidente da CUFA, Alessandra Vieira, mais conhecida como Sandra Vieira, coordenadora da CUFA do Complexo da Penha e Gê Coelho, o integrante da Frente Nacional Antirracista. Assim, uma sequência de falas muito potentes engajou o público das favelas do Rio de Janeiro reunido na Penha.

Público participante do evento. Foto: CUFA
Público participante do evento. Foto: CUFA

Sandra conta que a criação deste espaço de diálogo é uma conquista, para justamente iniciar uma escuta mais atenta às pautas das favelas e suas lideranças, e ampliar seu alcance. A proposta visou estreitar o diálogo entre instituições e moradores, coletando pautas e soluções das favelas cariocas. 

“Tenho muito orgulho de liderar o Complexo da Penha, é uma honra muito grande para mim administrar esse espaço, contribuir. E agora temos mais um motivo de ter orgulho, que é a oportunidade de termos voz. Vozes da favela serão ouvidas globalmente a partir do G20. Teremos a chance de visitar 41 países, começando aqui no Brasil. O ponto de partida é crucial.” — Sandra Vieira

A vice-presidenta da CUFA, Elaine Caccavo, também reforçou o caráter inédito desta iniciativa e a importância dos temas partirem da comunidade, para mudar práticas que desumanizam os que vivenciam as favelas. “Que nós deixemos de ser ratos de laboratório. Chegou a hora da gente romper com essa lógica”. Já o membro da FNA, Gê Coelho, pontuou o acontecimento na Penha como simbólico.

“Esse é um marco histórico. A gente precisa perceber o quanto esse dia de hoje é um dia importante para o povo preto, para o povo favelado. Se a gente parar para pensar nos temas, quando a gente fala de desigualdade social, ela afeta tanto o povo preto [quanto] o povo favelado. Quando a gente pensa para falar de sustentabilidade e pensamos, por exemplo, no racismo ambiental, onde ele impacta mais? É aqui no território [da] favela. Quando a gente fala de direitos humanos, então, a gente nem precisa refletir muito! Onde nós temos os corpos negros executados? Dentro do espaço e do território da favela. Nós estamos levando a agenda da favela e do povo preto para o G20. Vamos visitar todas as favelas do Brasil. Vamos percorrer depois o mundo e fazer uma transformação com essas demandas.” — Gê Coelho

Palestrante e público levantam, em punhos cerrados em meio à CIF 20. Foto: CUFA
Palestrante e público levantam, em punhos cerrados em meio à CIF 20. Foto: CUFA
Público ri e se emociona na CIF 20, no Complexo da Penha. Foto: CUFA
Público ri e se emociona na CIF 20, no Complexo da Penha. Foto: CUFA

Preto Zezé explica que a escolha pelo público presente na ocasião partiu da estratégia de desmistificar o assunto com o público e de valorizar a sabedoria popular dos territórios.

“Nós decidimos fazer um movimento diferente. Geralmente, os movimentos mais organizados vão para as Conferências. A gente precisou pegar o desorganizado e fazer com que as conferências viessem até a favela. Esse foi um primeiro ponto. Inclusive, aqueles que nem sabem o que diabos é uma conferência e para que serve. Uma conferência é uma reunião dos nossos interesses, do nosso dia a dia. Fizemos uma força tarefa para que muita gente que não tem condições de estar aqui pudesse vir hoje, escutar e incorporar o que moradores de outras favelas produzem todos os dias. E a gente quer fazer isso em 41 países também.”  — Preto Zezé

Além da realização do evento inédito, o presidente da CUFA também anunciou o pré-lançamento do Favela 30, em parceria com o Governo do Estado do Pará. O projeto será realizado no ano que vem, seguindo a agenda da COP 30, encontro de líderes mundiais em Belém do Pará para discutir as questões ambientais.

“Essas questões ambientais envolvem falar também das queimadas da Amazônia, o que está acontecendo com esses problemas de agrotóxico, mas os problemas ambientais também estão ligados ao tempo que a gente fica dentro do ônibus, ao tipo de alimentação que a gente tem, à falta de acesso à água e saneamento básico, à qualidade de moradia, a divisão de espaço da terra na cidade e etc. Então, questões ambientais são integralmente ligadas à nossa vida cotidiana, apesar de parecer, muita vezes, quando se fala de [favela], que só se teme enchente e alagamento.” — Preto Zezé

Público da CIF 20, no Complexo da Penha. Foto: CUFA
Público da CIF 20, no Complexo da Penha. Foto: CUFA

Discussões Temáticas

Cerca de 500 participantes se dividiram entre quatro eixos temáticos a serem debatidos, sendo eles: 1. Redução das desigualdades, combate à fome e à pobreza; 2. Sustentabilidade; 3. Direitos humanos, raça e gênero; 4. Desafios globais enfrentados pelas favelas e periferias. Em cada núcleo, foram discutidas e reunidas as pautas de maior prioridade.

No eixo redução das desigualdades, combate à fome e à pobreza, foram debatidos: investimentos em saúde e educação; em formação de profissionais; faculdade gratuita; geração de emprego; e o desperdício de alimentos como recurso para a segurança alimentar nas favelas. No eixo sustentabilidade, foram propostas: gestão de resíduos sólidos e favela sem plástico; engajamento social; e lixo como geração de renda. No eixo Direitos Humanos, Raça e Gênero, foram propostos: acesso à informação sobre direitos humanos de forma presencial; capacitação profissional do morador para empregos mais valorizados; e tornar os Direitos Humanos matéria obrigatória nas escolas. No eixo desafios globais enfrentados pelas favelas e periferias, foram citados o acesso a políticas públicas eficazes, sobretudo, nas áreas de educação, lazer, esporte, saúde, segurança alimentar e segurança pública, acessibilidade de emprego e renda, mais investimento e apoio para o programa Jovem Aprendiz; e valorização do cidadão da favela; ações contra a intolerância, o racismo religioso e a LGBTQIAPN+fobia nos territórios.

Para anunciar os consensos mais importantes de cada eixo temático, foram escolhidos representantes de cada um dos grupos: Andrea Martins, Vinícius Augusto, Vanessa Silva e Miriam Nascimento, todos moradores de favela.

“Se nós não cuidarmos do meio ambiente hoje, não haverá amanhã para ser cuidado. Com base nisso, nós gostaríamos de convidar e criar também cooperativas e empresas para cuidar da reciclagem, porque o lixo dentro da comunidade, ele é dinheiro. Só que quando o lixo não é cuidado acontece o que? Catástrofe… Vamos nos unir para ter um mundo muito mais sustentável.” — Vinícius Augusto

Vanessa Santos pontuou a importância do Estado investir na estrutura já existente nas favelas, disponíveis, sobretudo, em projetos sociais, de saúde e de assistência social locais.

“Investimento nos projetos que já existem, na saúde e na educação, que é o SISREG, o SUS, o Cadúnico, o Cras, o Creas. Então, é só pegar esses que já existem e fazer funcionar. Por que você vai gastar dinheiro para fazer um novo? Não é melhor utilizar o que já tem e fazer com maestria? Porque tem pessoas, famílias que a gente conhece, que necessita do SUS e não funciona. Então, ao invés de gastar dinheiro para fazer algo novo, vamos começar a arrumar o que já tem.”

A palestrante e ex-presidiária defende a necessidade de ampliar e facilitar as oportunidades de trabalho para egressos do sistema prisional. “Nós estamos olhando para quem é ex-presidiário e não quer mais aprontar? Tamo olhando para quem quer sair do tráfico e não consegue sair? Só sabe da fome quem já passou”.

Ela enfatizou a importância de capacitar e apoiar aqueles que desejam se afastar do crime e construir uma nova vida. Compartilhou sua experiência pessoal como exemplo de superação e reabilitação. Além disso, defendeu a capacitação de mulheres para o gerenciamento de projetos de combate ao desperdício de alimentos e enfatizou o potencial dessa iniciativa para gerar emprego, renda, cursos, desenvolvimento comunitário e segurança alimentar.

Sobre as discussões do eixo Direitos Humanos, Raça e Gênero, Miriam Nascimento Santos comentou:

“Se eu perguntar aqui o que é direitos humanos, muitos não vão saber o que falar. Porque a gente só ouve na televisão, a gente ouve nas redes sociais, mas na hora de descobrir o que são os nossos direitos, a gente fica sem informação… temos que ter acesso à informação em palestras e eventos na nossa comunidade, através das associações… a capacitação daqueles que [estão] dentro da nossa comunidade… Tem muitos na nossa comunidade que têm faculdade, muitos na nossa comunidade têm o segundo grau completo… se tem o curso que pode capacitar eles, lá dentro [da favela em que ele mora seria ótimo]… quando você não tem conhecimento, você não sabe dos seus direitos.”

Para Celso Athayde, fundador da CUFA, a iniciativa é basicamente voltada a fazer com que líderes mundiais ouçam os moradores de favela, seus ativos locais e as estratégias de resolução de seus problemas. A CIF 20 é um primeiro passo para inserir o ponto de vista da favela na agenda internacional.

“O G20 está vindo para o Brasil, a COP também e vão tratar de temas como sustentabilidade, direitos humanos, entre outros. Temas que estão dentro da favela. E a favela não é escutada. Então, é uma oportunidade de trazer a favela para debater temas que, na verdade, causam impacto maior para elas [do que para o resto da cidade].” — Celso Athayde

Esta segunda-feira de atividades na Penha marcou o início de uma série de conferências que vão acontecer em mais de 3.000 favelas no Brasil, abrangendo todos os 27 estados brasileiros, e em outros 41 países. Essas conferências seguem até setembro de 2024 e visam projetar a favela na agenda de discussões do G20, trazendo contribuições de moradores de favelas de todas as regiões do Brasil, das Américas, Europa, África, Ásia e Oceania.

Calendário de encontros internacionais da CIF20. Foto: CUFA
Calendário de encontros internacionais da CIF20. Foto: CUFA

As ações da CIF 20 são realizadas pelos escritórios da CUFA ao redor do mundo. Essas conferências serão divididas em fases ao longo dos meses de abril, maio, junho e julho. A primeira fase acontecerá nos seguintes países: Luxemburgo, 6 de maio; Suécia, 8 de maio; Rússia, 10 de maio; Cazaquistão, 11 de maio; Uzbequistão, 12 de maio; Bélgica, 13 de maio; Inglaterra, 16 de maio; República Centro Africana, 18 de maio; República Democrática do Congo, 20 de maio; e Moçambique, 23 de maio.

Sobre a autora: Amanda Baroni Lopes é estudante de jornalismo na Unicarioca e foi aluna do 1° Laboratório de Jornalismo do Maré de Notícias. É autora do Guia Antiassédio no Breaking, um manual que explica ao público do Hip Hop sobre o que é ou não assédio e orienta sobre o que fazer nessas situações. Amanda é cria do Morro do Timbau e atualmente mora na Vila do João, ambos no Complexo da Maré.


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