Favela no Alto da Boa Vista Combate Infestação de Borrachudos sem Suporte do Poder Público: ‘Se Outras Associações Fizessem um Mutirão Conjunto… a Gente Conseguiria Limpar Todo o Rio’

No Mata Machado, Moradores Alertam para Importância de Predadores Naturais

Sem materiais adequados e frente à negligência do poder público, organização local mobiliza moradores para realizar a limpeza dos rios e combater a infestação do inseto. Foto: Arquivo Rede de Suporte e Integração
Organização comunitária mobiliza moradores para realizar a limpeza dos rios e combater a infestação do inseto, sem materiais adequados e frente à negligência do poder público. Foto: Rede de Suporte e Integração

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Este artigo faz parte de uma série gerada por uma parceria, com o Digital Brazil Project do Centro Behner Stiefel de Estudos Brasileiros da Universidade Estadual de San Diego na Califórnia, para produzir matérias sobre direitos humanos e justiça socioambiental nas favelas cariocas.

Nuvens de borrachudos já fazem parte do cotidiano dos moradores da Mata Machado, no Alto da Boa Vista, Rio de Janeiro. Para tentar conter a proliferação do inseto, que tem negativamente afetado a qualidade de vida, os moradores organizam mutirões mensais de limpeza dos rios, porém sentem falta de atuação na parte do poder público.

Moradores do Alto da Boa Vista organizam um mutirão mensal de limpeza dos rios da região. Foto: Arquivo Rede de Suporte e Integração
Moradores do Alto da Boa Vista organizam mutirão mensal de limpeza dos rios da região. Foto: Rede de Suporte e Integração

“A gente não consegue ficar na rua, nem bater um papo. Tenho uma filha e não consigo brincar com ela durante o dia. Desde a hora que a gente acorda até umas 18h, o borrachudo aparece”, conta Cristiano Henrique de Jesus, 38 anos, morador da região e coordenador da Rede de Suporte e Integração (RSI), grupo local que organiza as ações.

O borrachudo, inseto da família Simuliidae, tem um ciclo de vida curto. A fêmea vive cerca de 45 dias e pode colocar até 2.500 ovos. A combinação das matas, córregos e cachoeiras do Alto da Boa Vista, que sempre geraram o inseto, somados ao acúmulo de lixo, esgoto nos rios e uso indevido do fumacê, favorecem a reprodução ainda maior da espécie.

Os moradores que participam dos mutirões têm arcado com os custos da limpeza, uma ação que beneficia também bairros adjacentes, como Barra da Tijuca, Itanhangá e Muzema, que recebem as águas desses rios.

“Faltam materiais que a prefeitura tem: balaios, facões, vassouras para esfregar as pedras, sacos de lixo”, relata Cristiano. Com o avanço da infestação para outras regiões, os moradores alertam que as ações precisam ser coletivas e começar pelas nascentes, o que fica difícil frente à ausência do Estado.

“A gente vai lá na parte de cima do Chapadão e vem descendo até a quadra. Se outras associações fizessem um mutirão conjunto, poderiam vir de outros pontos e, assim, a gente conseguiria limpar todo o rio.” — Cristiano Henrique de Jesus

Mesmo arcando com todos os custos do mutirão, moradores limpam os rios do Alto da Boa Vista. Foto: Arquivo Rede de Suporte e Integração
Mesmo arcando com todos os custos do mutirão, moradores limpam os rios do Alto da Boa Vista. Foto: Rede de Suporte e Integração

Controle do Borrachudo Exige Equilíbrio Ambiental

Devido à poluição e produtos químicos, muitos predadores naturais do inseto desapareceram, o que favorece sua superpopulação. Em outubro de 2024, os moradores buscaram a orientação da bióloga Rosilene Alcântara, especialista em vigilância ambiental e controle de vetores. Ela alertou sobre o uso inadequado do fumacê, comum em áreas privadas e condomínios. “O fumacê, usado como solução emergencial, não é eficaz. Na verdade, ele agrava o problema”, explica Rosilene.  

“Ao usar o fumacê, a gente afasta o borrachudo por um tempo, mas mata quem deveria estar ajudando no controle. E aí, quando o inseto volta, encontra um ambiente sem resistência nenhuma.” — Roseliene Alcântara

De acordo com Rosilene, o fumacê mata libélulas, pequenos pássaros, sapos, aranhas, entre outros.

A limpeza dos rios com escovação das pedras e retirada de resíduos é o “método mais eficaz e sustentável de controle”, de acordo com a bióloga. Ela orienta que, como complemento, é possível utilizar o BTI (Bacillus thuringiensis israelensis), um biolarvicida que atua especificamente nas larvas do borrachudo sem afetar seus predadores naturais.

Com auxílio de Rosilene Alcântra, moradores do Alto da Boa Vista são orientados a realizar limpeza dos rios da região para combater a proliferação dos borrachudos. Foto: Arquivo Rede de Suporte e Integração
Com auxílio de Rosilene Alcântra, moradores do Alto da Boa Vista são orientados a realizar limpeza dos rios da região para combater a proliferação dos borrachudos. Foto: Rede de Suporte e Integração

Ainda assim, a infestação segue em expansão. Já há relatos da presença dos insetos em São Conrado, Rocinha, Tijuca, Itanhangá e até na região do Maracanã. “Eles têm autonomia de voo de até 5km e podem ser transportados em roupas, ônibus ou até mochilas. Se dez fêmeas viajam, são até 25.000 ovos chegando em outro bairro”, alerta a bióloga.

Quando o Problema Chega na Barra, o Suporte do Estado Aparece

O presidente da Associação de Moradores da Mata Machado, Marcos Paulo Costa, de 52 anos, relata que já foram feitos diversos pedidos de apoio ao poder público para combater a proliferação dos insetos.

“A gente está um pouco abandonado pelo poder público. Somente agora, com o alarde em áreas de maior poder aquisitivo, é que começaram a oferecer algum suporte, por meio da Comlurb.” — Marcos Paulo Costa

Ele reforça que a atuação técnica e os treinamentos são indispensáveis, assim como a conscientização dos próprios moradores sobre o descarte inadequado de lixo, que contribui diretamente para o agravamento do problema.

O projeto Guardiões do Rio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima (SMAC), era para estar investindo na preservação dos cursos d’água. Moradores denunciam que a iniciativa aconteceu de forma precária na comunidade. “Deram só camisa e calça. Como entrar no rio sem bota ou luva?”, questiona Sinara Teixeira, 27 anos, coordenadora do RSI e organizadora dos mutirões.

Moradores escovam as pedras para remover ovos de mosquitos, os quais utilizam esses espaços para proliferação. Foto: Rede de Suporte e Integração
Moradores escovam as pedras para remover ovos de borrachudos, os quais utilizam esses espaços para proliferação. Foto: Rede de Suporte e Integração

Em nota, a SMAC informou que o programa não possui frentes ativas na região desde 2024, mas reconhece a importância da área e estuda retomar as atividades na comunidade Mata Machado. Segundo os moradores, o projeto ainda está em andamento na região, mas sem os equipamentos adequados para sua execução.

Enquanto aguardam medidas efetivas, moradores seguem organizando mutirões e cobrando uma resposta concreta do poder público. A expectativa é que a retomada do programa Guardiões do Rio inclua, dessa vez, equipamentos de proteção, treinamento e remuneração adequados e ações articuladas com outras regiões afetadas.

Sobre a autora: Karen Fontoura é estudante de jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), moradora da Rocinha e repórter do Jornal Fala Roça, onde coordena a comunicação institucional e de projetos da organização. Ela atua com produção audiovisual, reportagens e divulgação de iniciativas comunitárias.


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