Os blocos de rua são os concorrentes das noites passadas no Sambódromo durante o carnaval do Rio de Janeiro. Estes encontros de rua gratuitos são uma parte integral da experiência de carnaval na cidade, mesmo que organizados, relativamente, de forma espontânea. Em vez de funcionar como vias de transporte, as ruas nas quais estes eventos acontecem são transformadas em locais de encontro. O foco passa de área destinada singularmente para a mobilidade, para áreas de lazer e encontros descontraídos e espontâneos.
Milhares de pessoas se juntam por todos os bairros do Rio, fantasiados, prontos para participar de festas durante dias e noites. Músicos mantêm uma batida constante na percussão e instrumentos de metal produzem uma grande variedade de sons cheios de ritmos do samba. As multidões se juntam cantando as letras das marchinhas mais conhecidas.
Por serem locais de encontros espontâneos, o tamanho dessas festas de rua só pode ser estimado. Tanto o boca a boca quanto, mais recentemente, a internet têm uma grande influência na participação do público. Acessível a todos, os blocos são eventos inclusivos ao invés de exclusivos, principalmente porque as ruas são os principais locais da esfera pública.
Explicando os Espaços Públicos
Espaços públicos são por natureza espaços livres, abertos a todos, sem distinção de classe ou raça. O termo está ligado com o conceito de Henri Lefebvre do Direito à Cidade, o qual declara que os indivíduos deveriam ter as mesmas oportunidades de se beneficiarem dos diversos aspectos da vida urbana. Espaços públicos oferecem a possibilidade de ir e vir sem necessidade de justificar o propósito da presença no local específico. Embora, o princípio seja diferente da prática, estes locais são propriedade pública planejada para uso público. Espaços sociais como shoppings, por sua vez, podem juntar pessoas, porém, por serem propriedade privada, eles incluem restrições implícitas sobre quem pode entrar, por que, e quando.
Espaços públicos podem ser formais, associados com um lugar claramente definido e frequentemente contornado por uma fronteira, como por exemplo um parque, uma praça ou um pátio aberto. Por outro lado, também podem ser informais, criados por um encontro espontâneo dentro da esfera pública em uma rua ou um beco. Além disso, espaços públicos também podem ser subdivididos em três categorias:
- Espaços públicos ao ar livre têm a menor quantidade de restrições, e, em princípio, oferecem igual acesso aos cidadãos. Podem ser parques, praças, áreas de recreação, praias, orlas, becos e ruas. Ruas são os espaços públicos mais importantes, por causa das várias funções que podem ter.
- Espaços pseudo-públicos oferecem a todos o direito de estar no local, contudo regras implícitas são postas em prática. Podem ser lojas, restaurantes, shoppings, parques particulares e bares.
- Espaços públicos cobertos são instituições mantidas pelo estado, onde, embora existam alguns obstáculos a serem superados por causa de restrições explícitas, uma vez dentro do espaço, este se comporta como um espaço público. Exemplos incluem transportes públicos, centros comunitários, museus e bibliotecas.
O “público” nos espaços públicos muitas vezes é motivo de disputa, já que, no final das contas, é a lei que prescreve como e quando um local pode ser utilizado. De tal modo que, embora ruas possam servir tanto como um corredor de transporte quanto um local de encontro, muitas pessoas também consideram as ruas seus lares. Passantes podem se sentir desconfortáveis, empresários podem sentir desprezo, mas os sem-teto têm seu direito humano básico de ocupar as ruas, apesar de regulamentos para afastá-los. No caso do Rio, este direito é contestado repetidas vezes, como mais escandalosamente exemplificado na chacina da Candelária em 1992. Isto oferece um exemplo das complexas tensões que podem surgir nos espaços públicos. As barreiras físicas e psicológicas que previnem participação coletiva e igualitária em tais lugares ainda são difíceis de superar. Portanto, quem desenha, constrói e gere os espaços públicos pode ter uma influência significativa sobre seu contínuo sucesso em um determinado bairro.
A importância dos Espaços Públicos nas Favelas
As favelas oferecem um excelente exemplo de planejamento urbano orgânico, construídas por moradores de acordo com suas necessidades. O resultante tecido urbano, complexo e denso, promove um forte senso comunitário e de vizinhança. A esfera privada frequentemente se estende até a esfera pública por causa da proximidade das moradias e a estreiteza das ruas e caminhos. Essa proximidade cria vários espaços de sociabilidade, permitindo que conversas aconteçam de janela para janela, porta para porta, varanda para varanda. Encontros na laje também são uma forma popular na extensão privada da participação coletiva.
Espaços públicos formais são um componente importante em qualquer bairro. São locais de discussão, de troca de ideias e de comércio, ao mesmo tempo que proporcionam várias formas de recreação, lazer e brincadeira. Uma abordagem similar ao planejamento orgânico e com base nas necessidades dos moradores que é seguido na criação da favela, em si, deveria ser seguida na hora de desenhar, construir e gerir tal espaço nas favelas. Uma vez que espaços desocupados são escassos e, por isso, de grande valor, os espaços públicos a serem construídos devem ser flexíveis e ter múltiplas finalidades abertas à interpretação do público que o utiliza. Não deveria ser seguida uma abordagem uniformizada para seu desenho e gestão, uma vez que isso resultaria em espaços homogeneizados e com falta de vitalidade, caráter e sem um senso de espaço. Participação pública é, portanto, o ingrediente essencial para criar espaços públicos de valor que proporcionem espaço para múltiplas finalidades e que continuem sustentáveis e duráveis para futuras gerações aproveitarem.
Enquanto muitos espaços públicos já existem nas favelas, o seu aspecto “público” pode diminuir ou deixar de existir por diversas razões. Embora as favelas pertençam inerentemente aos moradores, traficantes, milícias e forças policiais têm um efeito abrangente sobre a liberdade do público de desfrutar de um espaço. Portanto, na noção de espaços amedrontadores são apresentados como aquele onde o crime e o medo infundidos dominam as percepções associadas com um local, afetando o modo como este pode ser utilizado. Assim, toques de recolher podem ser introduzidos, ou, mais drasticamente, moradores deixam de entrar e utilizar um espaço por uma preocupação com a própria segurança. Além disso, essas forças externas tomam os espaços públicos para uso pessoal, tirando seu benefícios dos moradores, como ocorreu no Vidigal.
Embora o grau de participação pública possa variar em princípio e prática devido à vários fatores externos, a criação de espaços públicos nas favelas deveria ser comunitária ao invés de ser uma atividade de cima para baixo guiada por atores externos. Seu desenho, implementação e subsequente uso podem ser uma fonte de orgulho comunitário. Além disso, se sua conservação e manutenção forem geridas localmente, o espaço público poderá evoluir junto com a comunidade.